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sábado, 13 de junho de 2009

O Irã e a Esfinge

O resultado das eleições iranianas está provavelmente decidido, quer se goste ou não. Mas olhando para além do horizonte de frustração com a derrota de Mir Moussavi, candidato reformista, vale ponderar sobre alguns aspectos desta eleição.
Primeiro que é necessário perguntarmo-nos, como um presidente tão controverso em suas declarações e atitudes, pode ser reeleito e ainda no primeiro turno das eleições? Bem, ele é o candidato deles e não nosso.
Ahmadinejad recolocou o Irã como personagem do tabuleiro regional reafirmando a importância econômica-política e militar dos iranianos não só no Golfo Pérsico, como também em todo o Oriente Médio. Neste processo, ele não só se projetou sobre as petromonarquias do golfo como desafiou abertamente o papel protagônico do Egito no conflito entre o islã e Israel. Continuou e ampliou a política de apoiar o Hammas e o Hezbollah, continuando com a política de "atrito" com Israel onde estes grupos pressionam e mantém a divulgação da "causa" e permitem que Teerã se envolva na esfera de interesses daquela região.

Ahmadinejad, calcado numa política de confrontação com os EUA e Israel, reafirmou um vigor nacionalista que deu frutos não só no prosseguimento do programa nuclear – apesar de todas as críticas, ameaças e pressões da comunidade internacional – como na inclusão de novos e sofisticados sistemas de armas, alguns de fabricação nacional, que reforçaram o dispositivo militar do país. Para a administração George W. Bush e o governo israelense, o programa nuclear iraniano destina-se à produção de armas nucleares; já para o governo de Teerã, é legítimo o seu direito de buscar fontes alternativas de energia para um futuro sem o petróleo. O problema é que no discurso, Ahmadinejad reitera a necessidade de confrontar os judeus, nega o holocausto e sinaliza que se vier a possuir armas atômicas, elas integrarão uma estratégia de redefinição do “problema” sionista no Oriente Médio.

Por seu turno, um Irã fundamentalista e nuclear é um pesadelo indescritível para os israelenses. Numa pesquisa recente, 25% da população de Israel se disse disposta a abandonar o país em caso de se confirmar uma nuclearização dos iranianos. Isso fornece bem a medida de pressão que a posse de armas nucleares pelo Irã pode vir a produzir: sem um tiro – convencional que seja – Israel encolhe em ¼ sua população!

Mas tem coisas novas no contexto.

O discurso de confrontação de Ahmadinejad pode vir a ser temperado com uma administração norte-americana menos belicosa e ambiciosa, como até até aqui aparenta o governo de Barack Obama. Menos imperial e não tão automaticamente pró-sionista, poderia haver espaço para uma negociação, até porque é necessário se perguntar até onde o clero xiita está disposto a ir entre as ameças e a ação. E vale lembrar que muito do discurso do vencedor vinha, nos últimos tempos, atrelado à necessidade política de angariar apoio pela mobilização nacionalista, que pode ir esfriando agora que o resultado eleitoral é conhecido.

A atual campanha mostrou um vigor ou desejo de manifestação inéditos. Passeatas, debates e a participação das mulheres na campanha, seja sob a forma de engajamento seja pela tematização feminina, forneceram um novo viés: um princípio de renascimento cívico moderado e reformista, onde antes só havia espaço para a adesão fundamentalista.

Prova disso está nos conflitos que se seguiram ao anuncio de vitória de Ahmadinejad.

A rapidez do resultado diante de uma participação eleitoral que levou à extensão do pleito em três horas, somou-se a indícios (vagos é verdade), de que houve “irregularidades”, segundo a imprensa internacional e o próprio candidato derrotado.

A população foi para as ruas em protesto – notadamente pessoas de classe média expostas à crise econômica e ao desemprego – e ocorreram atos de vandalismo pela tarde e noite de sexta-feira, quando as forças antimotins foram acionadas para dissolver estes protestos. Além disso houve boatos acerca da prisão do candidato oposicionista.

A vitória de Ahmadinejad parece assegurada, até porque o ayatolah Ali Khamenei, de fato o mandatário maior, descartou as queixas do grupo de Moussavi, sinalizando para o chamado Conselho de Guardiões (órgão de 8 membros, sendo 4 deles clérigos) que a legitimidade de Ahmadinejad é um fato consumado.

Mesmo assim, se não de imediato, parece haver uma sociedade civil acordando sob os pés do clero xiita, demostrando que nos trinta anos da República Islâmica, o desejo de mudanças pode estar se iniciando. O dilema está em como o clero poderá tolerar, ou limitar, tais mudanças apenas no cenário político, preservando assim o máximo de intocabilidade do poder religioso sobre as estruturas sociais e políticas do país.

O Irã ainda está longe de ser uma democracia, pois o Conselho eliminou a maior parte dos candidatos oposicionistas ainda antes do pleito, e as mulheres permaneceram segregadas. Mas mesmo assim, o espírito crítico pode estar ocupando o lugar onde antes havia apenas uma planície de conformismo.

Como na Esfinge, existe um enigma que se não for resolvido...levará à morte.



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