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domingo, 6 de fevereiro de 2011

De Beirute ao Cairo - os jovens árabes sonham com a democracia

FONTE: O Estado de São Paulo – Gustavo Chacra
06.fevereiro.2011 06:50:13
Quando estive na Síria na virada do ano de 1997 para 1998, não havia internet, bancos privados e TV a cabo. Os sírios apenas assistiam às suas novelas de inspiração mexicana na rede estatal e liam os jornais controlados pelo governo. Seu líder era o idoso Hafez Al Assad, intolerante com a oposição e no poder há mais de duas décadas.  Voltei outras vezes para Damasco, hoje lotada de cyber-cafés, playboys libaneses organizando festas nos hotéis butiques da cidade velha, americanos estudando árabe e bancos privados abrindo agências em todo o país.Em junho do ano passado, entrevistei Bashar Al Assad, filho de Hafez, e atual homem forte da Síria. Com pinta de jogador de basquete do clube Sírio, ele emanava juventude aos 45 anos, depois de dez anos no poder.
De um lado, Bashar é o autocrata do passado, que herdou o poder absolutista do pai, como o seu vizinho rei Abdullah da Jordânia. E, claro, como também era o desejo de Gamal, filho de Hosni Mubarak. Não aceita a oposição e tampouco imagina um futuro fora do cargo. Encarna o que há de mais atrasado na região, o discurso da “ditadura secular versus sharia”.
Ao mesmo tempo, Bashar representa uma geração de jovens da classe média e da elite árabe que estudou no exterior ou em uma das várias universidades americanas que se espalham pelo Oriente Médio, como a New York University em Abu Dhabi e a Georgetown do Qatar. São árabes que, como a mulher do líder sírio, Asma, ex-executiva do JP Morgan em Nova York, trabalharam em outros países. Meninas que podem até cobrir a cabeça, mas que não abrem mão da liberdade, como a professora egípcia de Democratização no Oriente Médio da Universidade Columbia, Mona El Ghobashy, aos 30 anos, sempre de véu. Não é apenas a geração do Facebook ou do Twitter, mas da democracia árabe, que pode ser resumida ao redor das Universidades Americanas de Beirute e do Cairo, tradicionais bastiões do liberalismo oriental.
Assad fez residência em oftalmologia em Londres. Como muitos de sua geração, era fanático por internet, videogames e pela seleção brasileira de 1982, citando para mim em entrevista a luta democrática do jogador Sócrates. Quando seu irmão morreu, virou herdeiro do poder. Ainda com seu pai no governo, implementou a internet na Síria. Uma vez no comando, decidiu levar adiante as reformas políticas. No fim, cedeu à velha guarda do regime e manteve a repressão. O mesmo ocorreu com Abdullah, na Jordânia.
Mas, se Bashar perdeu o encanto com a democracia e a liberdade, os jovens de sua geração e das nascidas nas seguintes que não possuem o sobrenome Assad mantêm aceso este ideal e organizam protestos em Tunis, Cairo, Alexandria, Damasco e Amã. Eles sonham em viver em Estados democráticos ou, no caso do Líbano, não-sectários. Odeiam o Irã por desrespeitar as mulheres e reprimir a população. Mas também condenam a ocupação israelense dos territórios palestinos. Estudam em Princeton e no MIT, admiram a democracia americana, mas consideram a política externa dos EUA hipócrita ao defender ditadores como Hosni Mubarak e a monarquia saudita.
Segundo pesquisa do Instituto Pew, a base do sentimento anti-americano está na política externa dos EUA.Nove em cada dez libaneses e sete oitavos dos egípcios criticam a forma como os americanos atuam no conflito entre palestinos e israelense. Mas a democracia é apoiada em todos os países. No Líbano, chega a 81%. O apoio é de 69% na Jordânia e 59% no Egito, diz o levantamento. Ao mesmo tempo, 61% dos egípcios e 80% dos libaneses temem o radicalismo islâmico. A questão religiosa irrita muitos. Típica representante desta nova geração, Nayla Tueni, 28 anos, estudou em Paris e é dona do maior jornal do Líbano, o An Nahar – seu pai morreu em um carro-bomba. Nascida cristã ortodoxa, casou com um xiita e lançou uma campanha contra a influência religiosa em todo o mundo árabe.
Outros jovens árabes discutem as questões globais. . “As sanções contra os iranianos são corretas, mas os EUA não falam nada das bombas atômicas de Israel”, é uma frase que qualquer jovem liberal do mundo árabe falará. No Facebook, a ironia sempre existe na questão dos direitos das mulheres, já que os EUA são aliados sauditas, um país onde as mulheres ainda não podem dirigir. “Os americanos falam que querem democracia, mas não aceitam quando o Hezbollah no Líbano ou o Hamas na Palestina vencem as eleições”, escreveram no Twitter há duas semanas quando uma coalizão apoiada  pelo grupo xiita chegou ao poder. Estes jovens árabes querem democracia e liberdade, mas não concordam que precise ser nos termos americanos.
Gustavo Chacra

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