Até no Financial Times leio a besteira de que a Síria pode viver um conflito
entre sunitas e xiitas. Fico me perguntando, porém, se os sírios importarão
xiitas do Iraque e do Líbano, já que praticamente não existem seguidores desta
religião no país.
E os alauítas? Alauítas não são xiitas. Se fossem, seriam chamados de xiitas,
e não de alauítas. São, na realidade, a vertente mais liberal do islamismo com
laços distantes ao xiismo. Lembram quando as pessoas perguntam se existe uma
leitura moderada do islã? Sim, é a dos alauítas. E esta é a religião de Bashar
al Assad e de grande parte dos integrantes de suas forças de segurança.
Mas e a aliança com o Irã? A aliança com o regime de Teerã não é “religiosa”,
mas geopolítica. Os xiitas do regime de Teerã obrigam as mulheres a usar véu. A
ditadura de Assad as proíbe. No Irã, o álcool é proibido. Em Damasco, o governo
fecha os olhos para usuários de drogas e eu já vi um ministro bebendo em uma
entrevista durante o Ramadã. Ahmadinejad diz que não há gays em seu país. Já na
Síria, os homossexuais são uma cena do cotidiano. Uma mulher iraniana de biquíni
seria apedrejada. As alauítas vão à praia como as paulitas no Guarujá.
O Irã condena à morte um pastor cristão. O regime de Assad desfruta do apoio
de todas as lideranças cristãs de seu país. Cristãos também integram as forças
se segurança acusadas de crimes contra a humanidade pela ONU.
Na realidade, a Síria, como colocou bem a revista New Yorker, parou em 1982,
naquele anti-americanismo mais próximo de um Hugo Chávez do que de um aiatolá.
Tanto Assad quando Teerã são anti-Israel, anti-EUA e anti-Arábia Saudita, mas
por diferentes motivos.
Assad é inimigo de Israel por disputas territoriais. Dos EUA, por ainda estar
nos tempos da Guerra Fria (note que o principal aliado dele é a Rússia). E, da
Arábia Saudita, por causa da religiosidade (lembrem do embaixador sírio na ONU
dizendo que os sauditas proíbem as mulheres de ver jogos de futebol).
O regime de Teerã é inimigo de Israel por anti-semitismo. Dos EUA, por
islamofascismo. E da Arábia Saudita, porque são sunitas, não por serem
religiosos. Neste caso, é uma disputa xiita-sunita.
Portanto, iranianos e Assad têm interesses comuns. Mas estão muito longe de
ser a mesma coisa. O regime sírio lembra o filme Poderoso Chefão. O regime
iraniano é mais próximo do fascismo religioso.
Dá para imaginar Assad e sua cúpula bebendo vodka russa e fumando charutos
cubanos em meio a belas mulheres. Mas é improvável uma cena destas envolvendo o
aiatolá Khamanei.
FONTE: O Estado de São Paulo http://blogs.estadao.com.br/gustavo-chacra/
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