Buenos
Aires - O Brasil já é, para os funcionários do governo argentino, uma dimensão
da política interna. E o é abertamente.
Na passagem mais feliz de suas respostas
na entrevista que concedeu ao Página/12, no último domingo, Mercedes Marcó del
Pont converteu-se na primeira funcionária do governo que, sem rodeios, incluiu
o Brasil como uma variável da economia argentina. Ao falar da ampliação de
funções do Banco Central, a presidenta da instituição disse que mudará a
equação para analisar a relação entre moeda, reservas e contas externas. E
explicou: “Para isso vamos construir uma fórmula levando em conta uma série de
regras existentes vinculadas com as importações, a porcentagem de vencimentos
de dívida no curto prazo, a evolução dos depósitos a prazo e a formação de
ativos externos. As fórmulas convencionais deixam de lado um conjunto de aspectos
qualitativos inerentes à realidade econômica argentina, como os níveis de
dolarização, a evolução da economia mundial, o comportamento dos preços das
principais exportações, a evolução da remessa de lucros e dividendos, o nível
de atividade no Brasil”.
A revista Veja, semanário de maior tiragem
no Brasil, acaba de publicar uma entrevista de duas horas com Dilma Rousseff,
que só chegou parcialmente transcrita em Buenos Aires. É uma entrevista
importante: a Veja não é propriamente simpatizante do Partido dos
Trabalhadores, a tal ponto que demonizou Lula durante seus oito anos de
governo, e Dilma deu a entrevista justamente quando voltava de uma viagem a
Alemanha. Ela falou sobre a crise do mundo, um tema que, como é natural, a
apaixona por sua condição de economista e de presidenta de um país que, segundo
a The Economist, será a quinta economia planetária antes de 2020.
Dilma diz que não é conspirativa quando
analisa o que chama de “tsunami de liquidez” criado pelos países ricos e que
prejudica as demais nações. Ela explica: “A saída que eles encontraram para
resolver os problemas é uma maneira clássica, conhecida, de exportar a crise.
Quando o companheiro Mario Draghi (uma referência irônica ao italiano que
preside o Banco Central Europeu e que provém do setor financeiro privado) diz
que “vamos colocar para rodar a máquina de fazer dinheiro”, está inundando os
mercados com dinheiro. E o que fazem os investidores? Tomam empréstimos a taxas
baixíssimas, em alguns casos até negativas, nos países europeus e correm para o
Brasil para aproveitar o que os especialistas chamam de “arbitragem”, que,
grosso modo, é a diferença entre as taxas de juros daqui e de lá. Então, o
Brasil não pode permanecer paralisado frente a esse quadro. Precisamos agir. E
temos que agir nos defendendo, algo bastante distinto do protecionismo”.
A defesa não consistirá em fechar a
economia nem em rechaçar investimentos produtivos, mas sim em colocar barreiras
ao movimento de capitais especulativos. Dilma lembrou o que disse a Merkel:
“Não queremos o dinheiro dos países ricos”. Quando Merkel rebateu que os países
emergentes tinham responsabilidade como consumidores para evitar uma queda da
economia europeia, Dilma replicou que se empresas alemães com tecnologia de
ponta se instalarem no Brasil serão tratadas com vantagens equivalentes a uma
empresa nacional brasileira em crédito e estímulos.
Depois da entrevista para a Veja, Dilma se
reuniu com um grupo de empresários poderosos e os exortou a investir e correr
riscos em um contexto que será marcado por forte investimentos públicos dentro
e fora dos planos de obras para o Mundial de 2014. E seu ministro da Fazenda,
Guido Mantega, anunciou a prorrogação da diminuição de impostos para os
fabricantes de eletrodomésticos, uma das bases do aumento da produção e do
consumo nos últimos nove anos, quando 40 milhões de brasileiros, a quinta parte
do país, tiveram acesso ao mercado de trabalho e 105 milhões, a metade,
ascenderam socialmente e passaram a integrar a classe C, o setor médio inferior
do célebre ABC dos sociólogos.
Dilma chegou ontem a Índia, onde
participará da reunião de cúpula dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e
África do Sul) que pretende discutir um tema central: a criação de um banco de
desenvolvimento como alternativa ao Fundo Monetário Internacional e ao Banco
Mundial. Se os acordos prosperarem e o novo banco começar a funcionar em três
anos, uma das cifras estimadas, não só o Brasil, mas toda a América do Sul se
veria fortalecida em sua perspectiva de desenvolvimento com menos exposição às
crises.
Veja perguntou a Dilma sobre a China. Ao
mesmo tempo em que compra bens brasileiros ou argentinos, no último caso,
sobretudo soja, a China é um problema para as indústrias dos dois países. Dilma
não menosprezou esse risco, mas introduziu outra análise. Ela disse: “A China
está dando sinais evidentes de cansaço do modelo baseado fortemente na
exportação. Sigo os debates sobre a China e vejo que seus líderes não escondem
que não podem desprezar o mercado consumidor interno. Estão mudando aceleradamente
de foco para atender às demandas do mercado chinês. Isso significa que a China
em breve vai importar mais do que commodities. Os chineses vão importar bens de
consumo – geladeiras, fogões, aparelhos de micro-ondas – e o setor da indústria
brasileira que hoje observa a China como uma ameaça poderá começar a vê-la como
uma oportunidade de mercado também para nossas exportações de manufaturados”.
No espaço dedicado à política interna,
Dilma minimizou conflitos no Congresso, ou entre o Executivo e o Legislativo, e
lembrou que as grandes crises políticas brasileiras não ocorrem por litígios,
mas sim por perda de legitimidade dos presidentes. O caso de Fernando Collor de
Mello, que sofreu um processo de impeachment, é o caso mais nítido. Mas a popularidade
da presidenta supera hoje a casa dos 60% e o presidente honorário do PT, Lula,
tem uma imagem positiva entre nove de cada dez brasileiros.
Questionada sobre o tema do aborto e, em
particular, se podia ter uma opinião como mulher e outra como presidenta, Dilma
disse que “de forma alguma. Explicou que “ser presidenta não me dá o direito de
expressar opiniões pessoais ou subjetivas sobre qualquer tema”. E acrescentou
que “aos 64 anos devo ter a sabedoria de guardar essas opiniões para mim
mesma”.
Para tomar somente um item, o mercantil,
Brasil e Argentina terminaram o ano de 2011 com um volume de intercâmbio de 40
bilhões de dólares, quando em 1991, com a criação do Mercosul em um marco
neoliberal, essa cifra era de apenas 3 bilhões de dólares.
É verdade que o déficit para a Argentina
superou os 5 bilhões de dólares no ano passado. Mas a diferença quase
definitiva de tamanho entre as duas economias (e a palavra “quase” é só para
conceder à ciência a primazia da probabilidade sobre a certeza) permite
imaginar um cenário onde o mais importante para a Argentina seja o aumento
constante do volume comercial e a preservação da parceria econômica e política
com o Brasil.
Se não há mundo sem blocos, que
perspectiva teria um país pequeno como a Argentina sem o gigante situado ao seu
lado.
Tradução:
Katarina Peixoto
FONTE: Carta Maior http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=19856
FONTE: Carta Maior http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=19856
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