EUA 'traíram' Brasil e Turquia, e França e
Grã-Bretanha tiveram 'inveja', diz autor de livro sobre Irã
Os governos de Brasil e da Turquia foram
"traídos" pela diplomacia americana, e potências como França e
Grã-Bretanha tiveram "inveja" da capacidade dos dois países
emergentes de convencer o Irã a assinar um acordo nuclear, segundo o
especialista em Oriente Médio, Trita Parsi.
O analista
lançou no mês passado, nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha, o livro A Single
Roll of the Dice ("Uma Única Jogada do Dado"), no qual entrevistou
mais de 70 pessoas envolvidas nos esforços de diplomacia entre Estados Unidos e
Irã, inclusive algumas autoridades brasileiras.
Um dos capítulos
do livro é dedicado à missão de Brasil e Turquia, em maio de 2010, que acabou
resultando em um acordo com o Irã. No entanto, poucas horas depois do anúncio,
os Estados Unidos desautorizaram a iniciativa, preferindo adotar sanções contra
o governo de Teerã.
Trita Parsi –
que nasceu no Irã, mas fugiu com sua família quando criança e acabou
construindo sua carreira nos Estados Unidos – conversou por telefone com a BBC
Brasil.
BBC Brasil: No histórico do esforço de diplomacia
entre Irã e potências ocidentais, o quão importante foi essa missão de Brasil e
Turquia?
Trita Parsi: Eu
acho que ela foi crítica, pois no fim das contas, a missão mostrou que a
diplomacia poderia funcionar. O problema com a diplomacia que foi perseguida
até então é que o timing ou as circunstâncias políticas nos países envolvidos
não eram abertos o suficiente para que se chegasse a um acordo.
Se não fosse
pelo esforço de Brasil e Turquia, poderíamos facilmente ter ficado com a
impressão de que o esforço feito em 2009 por Obama havia levado à exaustão
todas as iniciativas de diplomacia, e que não havia mais esperança. Brasil e
Turquia mostraram que havia uma solução que poderíamos encontrar.
BBC Brasil: O que aconteceu com os EUA nesse
processo? Os americanos mudaram de opinião depois que Brasil e Turquia
conseguiram convencer o Irã a fechar um acordo, ou eles já estavam predispostos
a não aceitar o sucesso da missão?
Trita Parsi:
Infelizmente, acho que os EUA nunca levaram a sério esse acordo. Isso está
claro hoje, olhando para trás. Eles esperavam que o Brasil (e a Turquia)
fracassasse, e como resultado disso, que eles (americanos) pudessem gerar uma
pressão por novas sanções. Quando Brasil e Turquia foram bem-sucedidos, isto
atordoou os americanos e eles não estavam preparados para aceitar o acordo.
BBC Brasil: Então Brasil e Turquia – e sobretudo o
ex-presidente Lula e o premiê turco Recep Tayyip Erdogan – foram traídos pela
diplomacia americana?
Trita Parsi: Eu
acho que sim. Eu acho que eles foram com boa vontade e fizeram o que achavam
que seria necessário para obter o apoio dos EUA, e acabou se provando que não
era bem assim. Agora, é verdade também que em algumas comunicações orais,
autoridades dos EUA haviam deixado claro que eles não estavam muito contentes com
os esforços de Brasil e Turquia.
Mas Brasil e
Turquia são países independentes com vagas no Conselho de Segurança, e têm seu
próprio papel a cumprir. Os EUA não podiam, necessariamente, dar um
"não" completo a ambos. Mas daí eles enviaram uma carta a Lula
dizendo "isso é o que você precisaria cumprir para que tudo
funcione", e ele conseguiu cumprir.
Na minha visão,
isso não é um dos melhores momentos da diplomacia americana ou de Obama.
BBC Brasil: Existe algum papel que países
emergentes – em especial Brasil e Turquia – podem cumprir nas negociações com o
Irã, depois desta experiência tão frustrante?
Trita Parsi: O
problema é que isso se tornou um marco negativo e desestimula outros países a
se envolver, porque mesmo quando você é bem-sucedido, você acaba tendo
problemas. O perigo é que isso se torne um empecilho para outros países que
queiram ajudar no futuro.
BBC Brasil: Então os países emergentes não têm um
papel em negociações como a do programa nuclear iraniano?
Trita Parsi: Eu
acho que eles têm sim. Mas na próxima vez, será preciso entender que estas
iniciativas são bastante arriscadas. E entre todas as prioridades do governo
brasileiro, este será um assunto que o presidente brasileiro está disposto a
colocar muito de seu capital político? Ou não? Mas claramente, Brasil e Turquia
mostraram que têm habilidade para mediar e fazer as coisas funcionarem. A
diplomacia deles foi eficiente, bem-sucedida e construtiva. O problema é
podermos nos certificar de que o acordo será aceito politicamente pelas grandes
potências, depois de acertado.
BBC Brasil: Não foram apenas os EUA que
desautorizaram o acordo. França e Grã-Bretanha também se manifestaram contra a
Declaração de Teerã...
Trita Parsi:
Eles não ficaram contentes. Mas é preciso lembrar que para a Grã-Bretanha e
França – dois países com assento permanente no Conselho de Segurança e poder de
veto, é francamente um pouco embaraçoso ver potências novatas como Brasil e
Turquia chegarem e serem bem-sucedidas na diplomacia e em questão de meses,
onde França e Grã-Bretanha fracassaram por tantos anos.
BBC Brasil: Então existe um pouco de inveja nisso?
Trita Parsi:
Claro. Existe um sentimento que mostra que o mundo está mudando, que existem
novas potências em ascensão, e que as velhas potências não são mais tão
eficientes. E Brasil e Turquia, neste sentido, envergonharam a França e a
Grã-Bretanha.
BBC Brasil: Mas as velhas potências continuam
ditando as regras, já que o acordo não foi cumprido e novas sanções foram
adotadas contra o Irã. Estas potências emergentes têm mesmo algum poder?
Trita Parsi: Eu
não diria isso. Eu acho que é importante notar que mesmo que o acordo não tenha
ido adiante, mas as sanções tenham, o que isso tudo mostra é que a ordem
internacional não reflete a distribuição de poder real. França e Grã-Bretanha
não tem poder – ou pelo menos não tiveram a habilidade – para obter um acordo.
Mas por eles estarem no Conselho de Segurança, algo que ainda reflete a
estrutura de poder de 1945, eles ainda têm a sua vaga e a sua voz. Mas eles não
tiveram habilidade para resolver o assunto. Brasil e Turquia tiveram.
BBC Brasil: E os outros países – inclusive
emergentes – que não manifestaram apoio ao acordo firmado por Brasil e Turquia.
Por que eles não fizeram nada?
Trita Parsi:
Levando em consideração o quão rápido os EUA rejeitaram o acordo – e de forma
tão veemente e categórica – eu acho que havia muito pouca oportunidade para que
outros países pudessem fazer qualquer coisa. Eu acho que parte do motivo de os
EUA terem sido tão rápidos, duros e negativos foi justamente para impedir
outros Estados de apoiarem Brasil e Turquia.
BBC Brasil: O senhor parece bastante otimista, em
seus artigos recentes, com a nova rodada de negociações entre EUA e Irã que
começou no fim de semana passado. Existe motivo para esperança?
Trita Parsi: Eu
acho que existem alguns fatores que podem fazer com que isso funcione. Existe
um desejo do governo Obama de evitar uma guerra, de baixar o preço do petróleo,
existe uma abertura devido à aceitação do enriquecimento de urânio no Irã sob
certos limites. Parece haver alguns novos ingredientes que podem fazer com que
isso funcione. Mas novamente o teste definitivo será ver se os desafios
políticos serão vencidos ou não. Não só a parte técnica.
BBC Brasil: É preciso convencer os atores internos
no Irã e nos EUA de que um acordo é importante?
Trita Parsi:
Exatamente. E convencer os países que se opõem a um acordo, como Israel.
BBC Brasil: Não é pouco provável que isso vá
acontecer justo em um ano de eleições presidenciais nos EUA?
Trita Parsi: É
muito fascinante. Eu não esperava que isso fosse acontecer em um ano de
eleição. Mas parece que justamente por causa das eleições, isso se tornou
importante. Ou seja, os preços do petróleo precisam cair. Porque se os preços
de petróleo estão altos em um ano de eleições, isso significa que o preço da
gasolina é alto. Se a gasolina fica cara, a geração de empregos não vai
acontecer de forma eficiente. E isso pode fazer com que Obama perca as
eleições.
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