A arma de
destruição em massa do Irã não é nem uma frota de motor de popa, nem a
informática, muito menos uma bomba nuclear: é o preço do petróleo. E, para
usá-la, Teerã não fecharia o Estreito de Ormuz. Se todas as sanções
internacionais fossem aplicadas, faltaria cerca de 2 milhões de barris/dia de
petróleo no mundo
por Gary Sick
É preferível um
Irã sem armas nucleares a um que as possua. Até Teerã admite isso. Sempre
signatário do Tratado de Não Proliferação (TNP), o país aceita que suas
principais instalações sejam inspecionadas pela Agência Internacional de
Energia Atômica (AIEA). E seus dirigentes, em primeiro lugar o aiatolá
Khamenei, declaram regularmente que a posse, a fabricação ou a utilização de
armas dessa natureza são contrárias ao Islã.
Desde a época do
xá, o país apoia a ideia de um Oriente Médio livre de armas nucleares. James
Clapper, diretor de Inteligência Nacional (DNI), que coordena todas as agências
de segurança dos Estados Unidos, garante que a república islâmica não tomou a
decisão de construir a bomba – decisão que, aliás, seria impossível
dissimular.1 Porém, a história nuclear do país tem furos e inconsistências que
não inspiram confiança, e a retórica inflamada de seus líderes contribui para
as suspeitas.
Uma opinião
bastante difundida é a de que somente a coerção poderia persuadir Teerã a mudar
de rumo. Essa política foi desenvolvida a partir de meados da década de 1990,
sob a administração de Bill Clinton. George W. Bush e Barack Obama seguiram o
mesmo caminho.2 Os Estados europeus, de início relutantes, acabaram também se
agregando a ela, a começar pela França e Reino Unido, que assumiram a liderança
do movimento, preconizando sanções mais duras.
Antes da adoção
dessa estratégia, o Irã tinha um programa nuclear dos mais rudimentares, sem
uma única centrífuga de enriquecimento de urânio. Quase duas décadas depois, a
AIEA informa que o país dispõe de um programa consistente, com cerca de 8 mil
centrífugas operando em duas instalações principais, além de um estoque de
cerca de 5 toneladas de urânio de baixo enriquecimento. O fracasso da coerção é
evidente.
As sanções se transformam em guerra
Em vez de
perceber isso, os Estados Unidos e seus aliados responderam com a
intensificação das sanções, chegando a impedir o Irã de vender seus produtos
petrolíferos, o que o priva de mais da metade de suas receitas. Tais medidas
são muito semelhantes a um bloqueio militar dos portos de petróleo, ou seja,
muito semelhantes a um ato de guerra. As sanções, que deveriam evitar uma
guerra, gradualmente se transformam em guerra econômica. O boicote aos bancos e
ao petróleo iraniano deveria estar em pleno funcionamento até a metade de 2012.
Isso permite falar em conflito não declarado. Ninguém sabe como a república
islâmica responderá, mas não podemos imaginar que seus dirigentes vão capitular
nem que permanecerão de braços cruzados.
A escolha pela
coerção baseia-se na crença de que ela não pode se virar contra quem a pratica.
E é justamente essa a convicção que parece reinar entre os grupos que travam
uma guerra clandestina contra o Irã por meio de assassinatos de cientistas e
ataques cibernéticos – por exemplo, em 2010, com o worm Stuxnet, projetado para
interferir no funcionamento de centrífugas.3 Drones norte-americanos sobrevoam
o território iraniano. Fontes confiáveis revelam o apoio a movimentos
separatistas na região do Baluquistão – onde israelenses se fazendo passar por
agentes norte-americanos da Agência Central de Inteligência (CIA) teriam
recrutado agentes – e na província de população árabe do Cuzistão, no Curdistão
iraniano ou em áreas de população azerbaijana.4
Esses
desenvolvimentos suscitam grande satisfação em Israel, nos Estados Unidos e em
certas capitais europeias. A despeito das declarações de que o Irã é uma ameaça
à paz e à estabilidade internacional, a política ocidental fundamenta-se na
hipótese implícita de que Teerã não pode responder de maneira eficaz às ameaças
financeiras e clandestinas contra sua segurança. Nenhuma das partes envolvidas
toleraria tais ações em seu território. Qual poderia então ser a resposta da
república islâmica?
O Irã não constitui
grave perigo para ninguém, nem para seus vizinhos mais próximos. O orçamento
militar do país é uma fração minúscula não apenas do orçamento dos Estados
Unidos ou da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), mas até do
conjunto das despesas dos membros do Conselho de Cooperação do Golfo (CCG, que
reúne Omã, Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita, Catar, Bahrein e Kuwait).5 O
país está cercado por forças norte-americanas e pela Otan, incluindo bases e
forças navais. Consciente de sua relativa fraqueza, até agora o Irã tem evitado
confrontos militares diretos.
Em compensação,
tem investido pesadamente numa estrutura de defesa robusta, embora
relativamente barata, que tornaria qualquer potencial invasão bastante
perigosa. Também aperfeiçoou técnicas de guerra assimétrica, como a guerrilha e
o uso de barcos rápidos que poderiam confundir e até vencer navios de guerra. O
país desenvolveu baterias de mísseis de cruzeiro, armas relativamente simples,
mas potencialmente muito eficazes quando usadas em massa, mesmo contra um alvo
grande.
Outro terreno no
qual o Irã tem grande competência: o da guerra de informação, na qual todos, ou
quase todos, têm sua chance. A repressão após a eleição presidencial contestada
de junho de 2009 demonstrou a capacidade do governo de controlar o ciberespaço.
Ao contrário dos Estados árabes que vivem protestos em massa desde o início de
2011, o Irã conseguiu desativar seletivamente frações da internet e impedir o
uso de Facebook, Twitter e o envio de SMS, sem causar grandes danos a seu
comércio. Também conseguiu penetrar as mídias sociais para identificar
potenciais líderes da oposição e usar suas propostas e ações para processá-los
na justiça. O país dispõe ainda de uma reserva de jovens e brilhantes
engenheiros da computação, que compõem um ciberexército semiclandestino. Até o
momento, essa força tem sido colocada principalmente a serviço da repressão,
mas pode ser facilmente dirigida contra um inimigo externo.
A arma de
destruição em massa do Irã, no entanto, não é nem uma frota de motor de popa,
nem a informática, muito menos uma bomba nuclear inexistente: é o preço do
petróleo. E, para usá-la, Teerã nem precisa fechar o Estreito de Ormuz. Se
todas as sanções internacionais fossem aplicadas, faltariam cerca de 2 milhões
de barris/dia de petróleo no mundo. A Arábia Saudita indicou que pode aumentar
sua produção, e a retomada da produção da Líbia também poderia ajudar a
compensar a escassez. Além disso, os Estados Unidos e outros países,
especialmente europeus, poderiam usar suas reservas estratégicas.
Mas a Europa
teria de encontrar, por conta própria, um modo de substituir os cerca de 600
mil barris diários que importa do Irã. Essa demanda parte principalmente de
suas três economias mais vulneráveis – Grécia, Itália e Espanha –, cujas
importações atualmente se baseiam em acordos de troca e contratos relativamente
vantajosos a longo prazo, para os quais será difícil encontrar equivalente em
termos de preço e qualidade. Novos contratos precisariam ser negociados, outros
circuitos de fornecedores acionados, e refinarias redimensionadas.
Essa
transformação pode ser feita suavemente, sem aumento significativo do preço do
petróleo? Em janeiro de 2012, quando Irã e Estados Unidos trocaram ameaças
sobre o Estreito de Ormuz, o preço do barril aumentou mais de 6% e se
estabilizou nesse patamar, sem que a menor troca de tiros tenha ocorrido. Mas
qualquer aumento tem repercussões globais não apenas no preço – politicamente
sensível – da gasolina, mas em quase tudo que é fabricado e transportado.
Imaginemos, em
quatro meses, o seguinte cenário: enquanto o mundo luta para substituir o
petróleo iraniano, e o Irã enfrenta cada vez mais dificuldades para manter sua
receita, o mercado tem uma tendência de alta. Nesse momento, oleodutos ou
instalações de carregamento no sul do Iraque são atingidos por explosões
inexplicadas, cujo resultado é retirar do mercado 1 milhão de barris/dia. Ao
mesmo tempo, panes misteriosas afetam refinarias sauditas e kuwaitianas, e as
operações de carregamento nos Emirados Árabes Unidos são atrasadas em razão de
dificuldades técnicas imprevistas, resultado de controles computacionais ou
talvez de sabotagem orquestrada por Teerã. É impossível prever a que nível
subiria então o preço do barril, e por quanto tempo...
Qual é o objetivo?
Esse cenário
mostra que as sanções máximas não afetariam apenas o Irã: elas poderiam ter
graves consequências em escala internacional. Assumir tais riscos certamente
vale a pena quando se persegue um objetivo político bem definido e realista. Se
a questão é fazer Teerã capitular e eliminar seu programa de enriquecimento
nuclear, qualquer um que conheça um pouco o país é capaz de afirmar que isso é
um sonho. Aliás, nesse ponto, pouco importa quem está no governo.
Se o objetivo
fosse trazer de volta a república islâmica à mesa de negociação, o Irã já declarou,
há mais de um ano, que deseja um diálogo sem condições prévias, ou seja, sem
ter de aceitar uma cessação completa de seu programa de enriquecimento de
urânio, como exigem as resoluções do Conselho de Segurança da ONU – ainda mais
quando o TNP permite o enriquecimento. Mas é exatamente isso que pede a alta
representante da União Europeia para os Negócios Estrangeiros e a Política de
Segurança, Catherine Ashton, em carta do dia 21 de outubro de 2011, que convida
o país a retomar as conversações.6 Aí está uma falha fundamental da estratégia
ocidental, que torna a situação perigosa.
Por fim, se o
objetivo é punir o Irã na esperança de provocar uma guerra, então há realmente
chances de sucesso. Mas isso não elimina a ameaça nuclear – pelo contrário. Assim
se fortalece um governo extremista em sua postura de desafio e rejeição da
“comunidade internacional”, em sua determinação de dominar um ciclo completo do
combustível nuclear e, finalmente, em acelerar a construção da bomba.
Gary Sick
Ex-conselheiro do
presidente Jimmy Carter e autor de October surprise: America's hostages in Iran
and the election of Ronald Reagan {Surpresa de outubro: reféns norte-americanos
no Irã e a eleiçaõ de Ronald Reagan}, IB Tauris & Co, Londres, 1991
1 Meredith Buel,
“US: Iran keeping open option to develop nuclear weapons” [EUA: Irã mantém
aberta opção de desenvolver armas nucleares], Voice of America, 2 fev. 2010.
2 Ler “Tempête
sur l’Iran” [Tempestade no Irã], Manière de Voir, n.93, jun./jul. 2007.
3 Ler Philippe
Rivière, “Cyberattaque contre Téhéran” [Ciberataque contra Teerã], Le Monde
Diplomatique, mar. 2011.
4 Alain Gresh,
“Quand Israël attaquera-t-il l’Iran? Il y a deux ans…” [Quando Israel atacará o
Irã? Há dois anos...], blog Nouvelles d’Orient, 17 jan. 2012.
5 O orçamento
militar da Arábia Saudita é de US$ 45 bilhões; o do Kuwait, de US$ 4,6 bilhões;
e o do Irã está estimado em US$ 9 bilhões.
6 Peter Jenkins,
“The latest offer to Iran of nuclear talks: don’t hold your breath” [A última
oferta ao Irã sobre a questão nuclear: não prenda a respiração], 30 jan. 2012.
Disponível em: www.lobelog.com
Fonte: Le Monde Diplomatique Brasil http://www.diplomatique.org.br/artigo.php?id=1122
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