A reunião de chanceleres do Mercosul começou com um um fato previsível e
uma surpresa. O previsível foi a confirmação de medidas para registrar a
repulsa sulamericana à ruptura institucional no Paraguai. A surpresa, a
renúncia do brasileiro Samuel Pinheiro Guimarães do cargo de alto representante
do Mercosul. Guimarães vinha, há algum tempo, expressando seu descontentamento
com a consistência do Mercosul. O bloco sulamericano enfrenta um desafio que
não é novo, mas que a crise do Paraguai mostra com toda sua crueza. O artigo é
de Martín Granovsky.
Buenos
Aires
- A cúpula que reuniu os chanceleres do Mercosul começou com um fato previsível
e uma surpresa. O previsível foi a confirmação de medidas para registrar a
repulsa sulamericana à ruptura institucional no Paraguai. A surpresa, a
renúncia do brasileiro Samuel Pinheiro Guimarães do cargo de alto representante
do Mercosul (chefe máximo com missões de negociação). Diplomata de carreira e
filiado ao Partido dos Trabalhadores, Pinheiro Guimarães foi vice-chanceler e
Secretário de Assuntos Estratégicos, com status de ministro, durante os oito
anos do governo Lula.
O seu descontentamento pela escassa consistência do Mercosul não é novo.
Ele havia manifestado isso na forma que o faz um diplomata, ou seja, dizendo
que seria bom incorporar um maior nível de intercâmbio social e político,
assinalando assim que a coesão não era o forte do mercado comum. Também
comentou a falta de políticas específicas para os dois países menores do bloco,
Paraguai e Uruguai.
Segundo o que o Página/12 conseguiu levantar, a oportunidade escolhida
por este diplomata com peso intelectual próprio não entusiasmou nem ao governo
brasileiro nem ao argentino. No caso brasileiro, aliás, não simétricas as
expectativas de Pinheiro e as do governo liderado por Dilma Rousseff sobre os
planos concretos e a autonomia prática do alto representante. De todo modo,
considerado inclusive a crise menor dentro da crise maior, a renúncia dentro da
interrupção da ordem institucional em um dos quatros membros, serve para uma
reavaliação geral do tabuleiro.
Em 1991, a constituição do Mercosul em meio a regimes neoliberais diluiu
a coordenação política prévia entre a Argentina e o Brasil e deu uma ênfase
comercial a uma relação econômica que se baseava na integração administrada de
setores produtivos. A coordenação dos tempos de Raúl Alfonsin e José Sarney
voltou com Lula e Néstor Kirchner, e prossegue. Brasil e Argentina, apesar de
terem hoje uma disparidade em tamanho relativo maior do que a que havia em
1985, apresentam uma sintonia política muito fina sobre a América do Sul e
sobre o mundo e o volume de seu comércio é hoje três vezes maior do que em
1991.
Por outro lado, não conseguiram resolver a situação do Uruguai e do
Paraguai, países que não têm semelhanças políticas, econômicas e
institucionais. Por exemplo, o Uruguai é uma democracia consolidada e o
Paraguai nunca terminou de estabilizar o regime constitucional que começou com
a derrubada de Alfredo Stroessner pelo general Andrés Rodríguez em 1989. O
establishment paraguaio agita esse tema agora com picardia. Dirigentes brancos
e colorados sustentam que não importa que o Mercosul castigue o Paraguai pois
isso acontece desde sempre.
A picardia consiste em basear um argumento com fundamentos em partes
reais para encobrir a estratégia de que não ocorreu nada de mais. É um modo de
reagir ao isolamento político do governo de Federico Franco, após a destituição
relâmpago de Lugo. Relâmpago nas formas finais, é claro, porque antes 23
tentativas de impeachment, que se tornavam mais frequentes quanto maior era a
debilidade político do ex-bispo.
É improvável que o Mercosul decida por um bloqueio econômico e
comercial. Primeiro, porque os vizinhos, Argentina incluída, disseram que
descartam essa possibilidade. E segundo porque, se quisessem, não poderiam
fazê-lo. Como seria possível bloquear uma economia porosa onde pesa o
contrabando? Como desconectar um país de onde vem 15% da energia elétrica
argentina e 20% da brasileira?
O Mercosul enfrenta um desafio que não é novo, mas que a crise do
Paraguai mostra com toda sua crueza. Neste ponto, crescem as chances de
ingresso como membro pleno da Venezuela, como informou o Página/12, ainda que
não se saiba de por via da suspensão de direitos do Paraguai, cujo Senado vinha
trancando a entrada, ou mediante uma mudança no regulamento de incorporação de
novos membros, mecanismo já acordado por sugestão feita na cúpula anterior pelo
presidente uruguaio José “Pepe” Mujica.
Também neste ponto se entendem melhor os motivos da construção da
Unasul, uma forma de integração política em primeiro lugar a partir dos chefes
de Estado, que não abriga só os simpáticos a Lugo, mas, em geral, os afins às
regras da democracia. Lugo é um espelho no qual nenhum presidente, de Hugo
Chávez e Sebastian Piñera, desejaria se enxergar.
Tradução: Marco Aurélio Weissheimer
Fonte: Carta Maior http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=20492
Fonte Imagem http://www.infoescola.com/wp-content/uploads/2007/12/mercosul.gif
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