O rapaz chamado para consertar uma
televisão na redação conseguiu normalizar o aparelho. A TV mostrava o
julgamento do mensalão. Ele grudou a atenção na tela e mal respondia o que lhe
perguntavam. Ficou de olho no ministro Joaquim Barbosa, que lia seu voto
naquela linguagem difícil dos juristas. O técnico deu seu veredito apontando
para o ministro: “Esse é o cara.”
Um motorista que me leva ao trabalho de
manhã também acompanha o que pode das sessões que julgam o mensalão no Supremo.
Sempre foi eleitor de Lula, vibrou com a vitória da presidente Dilma e costuma
comemorar com entusiasmo as vitórias do governo. Perguntei o que ele acha do
julgamento, e ele explicou. Continua gostando dos governos Lula-Dilma, quer ver
corruptos na cadeia e acha que o ministro Joaquim, quando brigou no começo dos
trabalhos, tinha razão. Estava, segundo ele, evitando tentativas de “melar” o
julgamento.
Vai demorar até que se avalie todo o
efeito do que está acontecendo no STF sobre a política, o desempenho eleitoral
do PT, e a ordem jurídica nacional. É acontecimento grande e impactante.
A compreensão do Direito avança no
julgamento para teorias que fecham as brechas pelas quais os acusados de
corrupção têm conseguido escapar da punição. Mas não estão descartados
retrocessos.
Joaquim Barbosa foi criticado por faltar
às sessões nos seus sucessivos e conhecidos problemas de saúde ou por
desentendimentos com colegas. Nunca buscou a popularidade e tem reações vistas
como ásperas. Entretanto, é chamado de “o cara” por um técnico de eletrônica e
apoiado em suas brigas pelo motorista eleitor do PT. Tem sido parado na rua
para fotos e autógrafos e em alguns restaurantes que vai é aplaudido.
Do ponto de vista da substância, seu voto
tem sido considerado robusto por colegas e especialistas. Não por condenar, mas
pela estratégia da montagem e da construção do lógica jurídica. Seu caminho do
fatiamento e sua escolha da ordem do voto torna tudo mais compreensível. Foi
por isso que, quando brigou para manter sua estrutura de voto, ele disse que se
fosse de outra forma haveria o caos.
Não exagerava. O caso é espantosamente
complexo, as teias do esquema são intrincadas, os acusados são muitos. O STF
precisava julgar explicando o funcionamento do mensalão. Até jornalistas que
têm por dever acompanhar o noticiário estavam confusos sete anos depois do
estouro do escândalo sobre o papel de cada um dos réus. Ainda que a defesa
discorde dos votos, métodos e condenações, esse caminho tem evitado a
generalização da culpa. Não são todos igualmente culpados e já há absolvidos.
O projeto do PT, ao chegar ao poder em
2003, era ficar no mínimo 20 anos. Isso foi dito publicamente. Tem conseguido.
Ao final deste governo já serão 12 anos, com grande chance de virarem 16. Esse
tempo de poder não foi conseguido nas transações com as quais os arquitetos políticos
do partido pensavam estar construindo as base da longa permanência.
A aprovação ao governo se alimentou dos
acertos na administração do país. Primeiro, ao manter o arcabouço que garantiu
a estabilidade monetária, e, depois, ao promover avanços nas políticas sociais.
A lista de erros é significativa. Mas o que agrada ao eleitor é a estabilidade
econômica com avanços sociais.
O eleitor não militante que vota no PT
aprova o julgamento do mensalão e apoia o governo. Não vê nisso contradição. O
que está sendo julgado é uma prática política e não um partido político. Resta
ao partido — a todos eles — entender os sinais eloquentes da sociedade
brasileira.
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