Lisandra
Paraguassu, de Brasília
BRASÍLIA - Em
maio, as relações diplomáticas entre Argentina e Uruguai entraram em crise
novamente. A disputa, desta vez em razão da dragagem do Canal García Martín, no
Rio da Prata, atingiu seu ápice há três semanas, quando o governo argentino,
responsável pela obra, suspendeu definitivamente a licitação para escolha de
uma nova empreiteira.
O problema
azedou até mesmo o relacionamento entre a presidente argentina, Cristina
Kirchner, e o uruguaio, José Mujica, tradicionalmente amistoso. O episódio é
apenas mais um que mostra a complicada relação entre os "irmãos"
sul-americanos - a qual o número cada vez maior de fóruns regionais, encontros
presidenciais e fotos de mandatários sorridentes não consegue disfarçar.
Vizinhos e
parceiros no Mercosul, Argentina e Uruguai vivem às turras. Se agora o problema
é a dragagem do canal, durante quatro anos os dois países quase foram à
agressão armada em razão da instalação de uma fábrica de celulose no Rio
Uruguai. O governo argentino alegava que a fábrica poluiria o rio. O caso
terminou na Corte de Haia, que deu razão aos uruguaios.
Essa semana,
mais um problema: Mujica foi ao rádio em Montevidéu reclamar do imposto de 15%
nas operações de cartão de crédito no exterior determinado por Cristina
Kirchner - o Uruguai é destino de férias de boa parte dos argentinos e será
diretamente prejudicado. Com um temperamento naturalmente
"passional", segundo seus vizinhos, a Argentina está constantemente
envolvida em rusgas regionais, especialmente na área econômica.
Durante a maior
parte deste ano, decisões unilaterais de impor barreiras comerciais a produtos
brasileiros levou os dois governos a "negociações" que quase
desandavam em bate-bocas. Nesse momento apaziguadas, as crises econômicas são
cíclicas, principalmente quando o déficit comercial está do lado argentino.
Apesar de mirar
especialmente o Brasil com as tentativas de retaliação pela sua suspensão do
Mercosul, o Paraguai foi atacado mais fortemente por Cristina Kirchner depois do
impeachment do ex-presidente Fernando Lugo - que os vizinhos consideraram um
golpe de Estado.
Mediação
A presidente
argentina queria impor sanções econômicas ao país, além da suspensão política,
mas foi contida pela presidente brasileira, Dilma Rousseff, e por José Mujica.
O isolamento do Paraguai depois da saída de Lugo levou a mais uma rodada de
pequenos conflitos, bate-bocas e ameaças na região, especialmente entre
Paraguai e Venezuela, o mais novo membro do Mercosul.
Depois de acusar
os venezuelanos de tentarem arregimentar os militares paraguaios para impedir a
deposição, parlamentares do país ainda afirmaram terem recebido proposta de
suborno para aprovarem a entrada da Venezuela no bloco.Já os venezuelanos
garantem que foram os paraguaios que pediram dinheiro. Com a volta do Paraguai
ao Mercosul, possivelmente em julho do ano que vem, novas crises devem vir por
aí.
Algumas disputas
sul-americanas são quase centenárias: Bolívia e Chile brigam desde 1904, quando
os bolivianos perderam a Guerra do Pacífico e, com ela, sua saída para o mar.
Os dois países não tem relações diplomáticas desde os anos 70, quando uma
tentativa de acordo deu em nada. Este ano, mais uma vez, o presidente Evo
Morales levou a reclamação à Organização dos Estados Americanos (OEA) e promete
ir à Corte Internacional de Haia. O Chile se recusa até mesmo a debater o
assunto. O país já enfrenta em Haia outra reclamação, do Peru, sobre os limites
marítimos entre os dois países, que pode ser solucionada este ano.
Já a Venezuela
descobriu, na década de 60, que o acordo de limites com o território da Guiana
- então pertencente à Grã-Bretanha - feito em 1899 a tinha prejudicado. E quer
a área de Essequibo de volta. O território, com diversos garimpos de ouro,
representa praticamente metade da Guiana. Em mapas usados pelos militares
venezuelanos a área já é do país, mas dificilmente essa disputa terá uma
solução que agrade aos dois lados.
Apesar dos
constantes conflitos, diplomatas sul-americanos lembram que a região não é das
piores. Em um século, poucas disputas regionais acabaram descambando para a
guerra aberta entre os países - algo comum em outros continentes. A dificuldade
de relacionamento, no entanto, é típica de países que têm muita dificuldade com
o conceito de integração e ainda pensam mais como unidade do que em grupo. O
Mercosul, por exemplo, com seus 20 anos, ainda não conseguiu resolver nem mesmo
as relações comerciais, seu foco principal.
Ainda assim, os
fóruns regionais são considerados um bom caminho para tentar resolver as crises
locais, mesmo que ainda em fase de testes. A intermediação da União das Nações
Sul-Americanas (Unasul), em 2008, evitou o agravamento da crise entre Equador e
Colômbia depois que o então presidente colombiano, Álvaro Uribe, ordenou que
forças colombianas invadissem território equatoriano para bombardear o
acampamento e matar o líder político da guerrilha Forças Armadas
Revolucionárias da Colômbia (Farc), Raúl Reyes. Os dois países chegaram a
romper relações diplomáticas, mas pelo menos não foram além nas ameaças de um
conflito armado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário