SÃO PAULO - Com propostas bem distintas
sobre como deve ser o futuro da Venezuela, o presidente Hugo Chávez e seu
adversário Henrique Capriles - que se enfrentam nas urnas daqui a duas semanas
- compartilham uma certeza: a de que os programas assistencialistas, ou
tutelares como preferem chamar, devem ser mantidos. Desde seu início, em 1999,
até 2010, o chavismo contou com ao menos US$ 417 bilhões oriundos da venda do
petróleo. O cálculo foi feito com base na quantidade exportada e no preço do
barril, a pedido do GLOBO, pelo Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE). Os
dados de 2011 e 2012 ainda não estão disponíveis, mas, com o preço do barril
superando hoje os US$ 110, a conclusão não tarda: o Estado venezuelano, que
controla 100% da produção e comercialização do óleo desde 2003, tem muito
dinheiro para gastar.
Nos mais de 13 anos de chavismo,esses
gastos realmente diminuíram a desigualdade e beneficiaram os menos favorecidos.
Tanto Capriles quanto Chávez sabem que 70% dos votos em disputa no pleito de 7
de outubro estão nas classes D e E, que compõem a ampla base da pirâmide
socioeconômica venezuelana. Mas a discussão se esse modelo rentista é
sustentável ou não preocupa mais as classes alta (3%), a média (27%) e os
analistas. De 2003 para cá - quando a PDVSA (petrolífera estatal) passou a
financiar as chamadas missões bolivarianas -, Chávez diz ter gasto US$ 300
bilhões em políticas de saúde, educação e moradia que beneficiam 60% da
população. Apesar de esse valor ser contestado pela oposição, não se pode
desprezar dados como o fato de a ONU ter declarado, no mês passado, a Venezuela
o país menos desigual da América Latina - embora a distribuição de renda ainda
seja menos equânime do que nos EUA ou em Portugal, país de maior desequilíbrio
social da zona do euro - ou a Unesco considerá-la livre do analfabetismo.
Capriles: Nenhuma gota de presente
A pobreza - com ênfase na extrema - foi
reduzida em até 50% pelo chavismo. Nos arredores da Grande Caracas, vários
conjuntos habitacionais estão sendo erguidos, numa cópia do Minha Casa Minha
vida de Lula - apesar da persistência de bolsões de pobreza como a favela de
Petare, a maior das Américas.
- O tema social é o único não polarizado
na campanha. O grande desafio para Capriles está sendo mostrar que as
benfeitorias não cessarão, reconhecer o que Chávez fez de bom, porém mostrar as
falhas no mecanismo da distribuição dos recursos. Mostrar que pode fazer melhor
— diz Carlos Romero, da Universidade Central da Venezuela.
Capriles, cuja campanha sofreu um duro
revés há dez dias quando um de seus homens-fortes foi flagrado recebendo
dinheiro de um megaempresário, disse na mesma semana que, “se eles (os
chavistas) são socialistas, eu sou marxista-leninista”, enquanto explicitava
seus projetos sociais. O opositor declarou que usará melhor os recursos
petrolíferos, interrompendo, por exemplo, o fornecimento do óleo subsidiado a
vizinhos simpatizantes da revolução bolivariana, principalmente Cuba. Segundo
cálculos da oposição e de analistas do setor, cerca da metade dos lucros
obtidos com a venda do petróleo ficam comprometidos por conta do que definem
como “política ideológica expansionista de Chávez”.
Isso impediria, segundo Capriles,
maiores investimentos em educação qualificada, na diversificação econômica, no
estímulo à iniciativa privada, na melhoria dos serviços públicos e,
especialmente, na contenção da violência que coloca a Venezuela entre os países
com as maiores taxas de homicídio do mundo.
- Não vamos dar de presente nenhuma gota
de petróleo a nenhum país - promete o candidato opositor.
A questão é que muita gente tem medo
disso.
- Se a parceria com Cuba acabar, as
missões serão prejudicadas, porque seus médicos vêm de Cuba. As conquistas
sociais do chavismo se sobrepõem aos demais problemas enfrentados durante sua
gestão - diz o cientista político Igor Fuser, da Cásper Líbero em São Paulo.
Os defensores do chavismo lembram
constantemente da convulsão social vivida pela Venezuela nas décadas de 80 e
90, decorrentes do Caracaço de 1989 - grande revolta popular que teria deixado
até 3 mil mortos. O tenente-coronel Chávez foi eleito com amplo apoio popular -
inclusive da classe média e alta - em 1998, mesmo após ter tentado dar um golpe
contra o governo de Carlos Andrés Pérez em 1992. Ao longo dos anos em que está
no poder, foi perdendo apoio de setores importantes da sociedade venezuelana à
medida em que reviu contratos petrolíferos, nacionalizou empresas, perseguiu
mídia e oposição e cometeu o que diversas entidades classificam como abusos de
direitos humanos.
- A Venezuela poderia entrar numa
instabilidade enorme, todos os avanços estariam comprometidos. Esta oposição
que estava no poder antes dele, e cometeu atos pouquíssimos louváveis, diga-se
de passagem, voltaria com sangue nos olhos. A transição do líder tem que vir
aos poucos porque o chavismo não acaba com Chávez - diz Fuser, para quem a
atual participação política em comunidades (conselhos comunais), outra criação
do atual governante, é "tão importante quanto os demais avanços
sociais".
“Dinheiro de cassino”
Diretor do CBIE, Adriano Pires vê a
Venezuela como um expoente da “maldição do petróleo” que acometeu, ao longo da
História, vários países ricos no combustível - à exceção de Noruega, Estados
Unidos e Canadá. Esses países, acredita Pires, aproveitaram a abundância de
petróleo para criar economias diversificadas, sociedades plurais e
democráticas.
- Geralmente povo e governantes de
países com recurso natural tão poderoso tratam o dinheiro vindo dele como
dinheiro ganho em cassino, aquele que veio fácil, sem o esforço do trabalho. O
que Chávez fez com a PDVSA, que está sucateada e atualmente serve para
financiar políticas populistas que não se sustentam a longo prazo foi, na
verdade, roubar dinheiro do povo - diz Pires.
Para Fuser, Chávez está tomando
consciência de que necessita ajustar sua revolução para não perder
simpatizantes - a eleição contra Capriles, com risco real de derrota, deve ser
a mais acirrada das quatro que ele já enfrentou.
- Em julho, quando a Venezuela foi
admitida no Mercosul, o presidente falou em adaptações. Ele sabe que não pode
depender do petróleo para sempre, e que é preciso melhorar a eficiência do
modelo de distribuição de renda, investindo, por exemplo, em infraestrutura -
acha Fuser.
“Diversificar ”é possível”
Neste último setor, a parceria com o
Brasil é estratégica. Segundo Pedro Silva Barros, titular da missão brasileira
do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em Caracas, os totais dos
investimentos do Brasil na Venezuela já somam US$ 20 bilhões. Empresas
brasileiras, com destaque para a Odebrecht, constroem pontes, uma siderúrgica,
um estaleiro e expandem o metrô de Caracas, entre outros projetos.
Importando 70% dos produtos que consome,
a Venezuela chavista se transformou no terceiro maior superávit na balança
comercial brasileira. A expectativa é que as exportações brasileiras (hoje em
US$ 5 bilhões por ano, cinco vezes maior do que antes de Chávez) dobrem até
2015, com o ingresso da Venezuela no bloco econômico regional.
- Apesar de optar por uma política de
cooperação heterodoxa e de a PDVSA não ser estritamente uma empresa petroleira,
o país tem um enorme potencial naval, agrícola e mineral. Ou seja, diversificar
é possível - diz Silva Barros.
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