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domingo, 23 de setembro de 2012

Receita do petróleo alimenta melhorias sociais de Chavez - O Globo


SÃO PAULO - Com propostas bem distintas sobre como deve ser o futuro da Venezuela, o presidente Hugo Chávez e seu adversário Henrique Capriles - que se enfrentam nas urnas daqui a duas semanas - compartilham uma certeza: a de que os programas assistencialistas, ou tutelares como preferem chamar, devem ser mantidos. Desde seu início, em 1999, até 2010, o chavismo contou com ao menos US$ 417 bilhões oriundos da venda do petróleo. O cálculo foi feito com base na quantidade exportada e no preço do barril, a pedido do GLOBO, pelo Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE). Os dados de 2011 e 2012 ainda não estão disponíveis, mas, com o preço do barril superando hoje os US$ 110, a conclusão não tarda: o Estado venezuelano, que controla 100% da produção e comercialização do óleo desde 2003, tem muito dinheiro para gastar.

Nos mais de 13 anos de chavismo,esses gastos realmente diminuíram a desigualdade e beneficiaram os menos favorecidos. Tanto Capriles quanto Chávez sabem que 70% dos votos em disputa no pleito de 7 de outubro estão nas classes D e E, que compõem a ampla base da pirâmide socioeconômica venezuelana. Mas a discussão se esse modelo rentista é sustentável ou não preocupa mais as classes alta (3%), a média (27%) e os analistas. De 2003 para cá - quando a PDVSA (petrolífera estatal) passou a financiar as chamadas missões bolivarianas -, Chávez diz ter gasto US$ 300 bilhões em políticas de saúde, educação e moradia que beneficiam 60% da população. Apesar de esse valor ser contestado pela oposição, não se pode desprezar dados como o fato de a ONU ter declarado, no mês passado, a Venezuela o país menos desigual da América Latina - embora a distribuição de renda ainda seja menos equânime do que nos EUA ou em Portugal, país de maior desequilíbrio social da zona do euro - ou a Unesco considerá-la livre do analfabetismo.

Capriles: Nenhuma gota de presente

A pobreza - com ênfase na extrema - foi reduzida em até 50% pelo chavismo. Nos arredores da Grande Caracas, vários conjuntos habitacionais estão sendo erguidos, numa cópia do Minha Casa Minha vida de Lula - apesar da persistência de bolsões de pobreza como a favela de Petare, a maior das Américas.

- O tema social é o único não polarizado na campanha. O grande desafio para Capriles está sendo mostrar que as benfeitorias não cessarão, reconhecer o que Chávez fez de bom, porém mostrar as falhas no mecanismo da distribuição dos recursos. Mostrar que pode fazer melhor — diz Carlos Romero, da Universidade Central da Venezuela.

Capriles, cuja campanha sofreu um duro revés há dez dias quando um de seus homens-fortes foi flagrado recebendo dinheiro de um megaempresário, disse na mesma semana que, “se eles (os chavistas) são socialistas, eu sou marxista-leninista”, enquanto explicitava seus projetos sociais. O opositor declarou que usará melhor os recursos petrolíferos, interrompendo, por exemplo, o fornecimento do óleo subsidiado a vizinhos simpatizantes da revolução bolivariana, principalmente Cuba. Segundo cálculos da oposição e de analistas do setor, cerca da metade dos lucros obtidos com a venda do petróleo ficam comprometidos por conta do que definem como “política ideológica expansionista de Chávez”.

Isso impediria, segundo Capriles, maiores investimentos em educação qualificada, na diversificação econômica, no estímulo à iniciativa privada, na melhoria dos serviços públicos e, especialmente, na contenção da violência que coloca a Venezuela entre os países com as maiores taxas de homicídio do mundo.

- Não vamos dar de presente nenhuma gota de petróleo a nenhum país - promete o candidato opositor.

A questão é que muita gente tem medo disso.

- Se a parceria com Cuba acabar, as missões serão prejudicadas, porque seus médicos vêm de Cuba. As conquistas sociais do chavismo se sobrepõem aos demais problemas enfrentados durante sua gestão - diz o cientista político Igor Fuser, da Cásper Líbero em São Paulo.

Os defensores do chavismo lembram constantemente da convulsão social vivida pela Venezuela nas décadas de 80 e 90, decorrentes do Caracaço de 1989 - grande revolta popular que teria deixado até 3 mil mortos. O tenente-coronel Chávez foi eleito com amplo apoio popular - inclusive da classe média e alta - em 1998, mesmo após ter tentado dar um golpe contra o governo de Carlos Andrés Pérez em 1992. Ao longo dos anos em que está no poder, foi perdendo apoio de setores importantes da sociedade venezuelana à medida em que reviu contratos petrolíferos, nacionalizou empresas, perseguiu mídia e oposição e cometeu o que diversas entidades classificam como abusos de direitos humanos.

- A Venezuela poderia entrar numa instabilidade enorme, todos os avanços estariam comprometidos. Esta oposição que estava no poder antes dele, e cometeu atos pouquíssimos louváveis, diga-se de passagem, voltaria com sangue nos olhos. A transição do líder tem que vir aos poucos porque o chavismo não acaba com Chávez - diz Fuser, para quem a atual participação política em comunidades (conselhos comunais), outra criação do atual governante, é "tão importante quanto os demais avanços sociais".

“Dinheiro de cassino”

Diretor do CBIE, Adriano Pires vê a Venezuela como um expoente da “maldição do petróleo” que acometeu, ao longo da História, vários países ricos no combustível - à exceção de Noruega, Estados Unidos e Canadá. Esses países, acredita Pires, aproveitaram a abundância de petróleo para criar economias diversificadas, sociedades plurais e democráticas.

- Geralmente povo e governantes de países com recurso natural tão poderoso tratam o dinheiro vindo dele como dinheiro ganho em cassino, aquele que veio fácil, sem o esforço do trabalho. O que Chávez fez com a PDVSA, que está sucateada e atualmente serve para financiar políticas populistas que não se sustentam a longo prazo foi, na verdade, roubar dinheiro do povo - diz Pires.

Para Fuser, Chávez está tomando consciência de que necessita ajustar sua revolução para não perder simpatizantes - a eleição contra Capriles, com risco real de derrota, deve ser a mais acirrada das quatro que ele já enfrentou.

- Em julho, quando a Venezuela foi admitida no Mercosul, o presidente falou em adaptações. Ele sabe que não pode depender do petróleo para sempre, e que é preciso melhorar a eficiência do modelo de distribuição de renda, investindo, por exemplo, em infraestrutura - acha Fuser.

“Diversificar ”é possível”

Neste último setor, a parceria com o Brasil é estratégica. Segundo Pedro Silva Barros, titular da missão brasileira do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em Caracas, os totais dos investimentos do Brasil na Venezuela já somam US$ 20 bilhões. Empresas brasileiras, com destaque para a Odebrecht, constroem pontes, uma siderúrgica, um estaleiro e expandem o metrô de Caracas, entre outros projetos.

Importando 70% dos produtos que consome, a Venezuela chavista se transformou no terceiro maior superávit na balança comercial brasileira. A expectativa é que as exportações brasileiras (hoje em US$ 5 bilhões por ano, cinco vezes maior do que antes de Chávez) dobrem até 2015, com o ingresso da Venezuela no bloco econômico regional.

- Apesar de optar por uma política de cooperação heterodoxa e de a PDVSA não ser estritamente uma empresa petroleira, o país tem um enorme potencial naval, agrícola e mineral. Ou seja, diversificar é possível - diz Silva Barros.

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