Reunião na Índia em março de 2012 gerou os principais avanços, com a criação de um fundo de resgate aos países mais pobres.
Embora ainda esteja longe de ser um bloco com capacidade de fazer
frente ao domínio dos países centrais, muitos analistas avaliam que nos
últimos dois anos o Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul)
ganhou uma coesão que antes não existia. A unidade de discurso sobre a
necessidade de democratização das instituições financeiras multilaterais
e até a proposta de criação de um novo banco de desenvolvimento foram
os avanços que chamaram a atenção no período.
“Nos anos anteriores, o Brics carecia de identidade própria. Passou a
ser encarado como instância importante somente após as cúpulas de 2011 e
2012, quando encontrou uma organicidade”, avalia o embaixador Tovar da
Silva Nunes, porta-voz do Itamaraty.
Roberto Stuckert Filho/Presidência da República
Dilma Rousseff (Brasil), Dmitri Medvedev (Rússia), Manmohan Singh (Índia), Hu Jintao (China) e Jacob Zuma (África do Sul)
Para Cristina Pecequilo, professora de Relações Internacionais da
Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), nos últimos anos o Brics se
consolidou como bloco, particularmente como fórum de discussão e
demandas dos países do Sul diante da crise econômica e da necessidade de
maior multilateralismo na governança econômica global. “Avançou em
termos retóricos, mantendo sua unidade e uma agenda coesa, com destaque à
consolidação do G20 financeiro. São esforços que devem ser mantidos,
mas que sofrem inúmeras pressões dos EUA, visando quebrar a aliança.
Seria interessante um maior adensamento do grupo em termos político estratégicos, que visasse resistir a essas pressões e evitar
quebras na aliança. É um processo em andamento”, analisa.
A Terceira Cúpula do Brics – as duas anteriores haviam sido realizadas
em 2009 e 2010, respectivamente – ocorreu em Sanya, na China, em abril
de 2011. O assunto principal foi a reforma do sistema monetário
internacional e a transformação do G20 no principal mecanismo de
gerenciamento da economia mundial.
Foi na Quarta Cúpula, no entanto, que o grupo deu passos mais práticos
do que retóricos. Reunidos em Nova Dhéli, na Índia, em março de 2012, os
chefes de Estado das cinco nações integrantes lançaram a proposta da
criação do novo banco e de um fundo de resgate para ajudar países mais
pobres. Além disso, concordaram em trabalhar para que num futuro próximo
as negociações comerciais internas sejam feitas nas moedas locais, em
substituição ao dólar.
“Há outras áreas de cooperação, mas em geral bilaterais. Por isso a
importância de iniciativas mais concretas, como a criação do chamado
Banco dos Brics. Mas ainda há muito que fazer no desenvolvimento do
comércio entre esses países. A China se tornou o maior parceiro das
demais nações do bloco, mas entre estes isso ainda não se desenvolveu”,
pontua o diplomata Samuel Pinheiro Guimarães, ex-secretário-geral das
Relações Exteriores do Ministério das Relações Exteriores (2003-2009).
Banco de desenvolvimento
Uma resposta à resistência dos países centrais à democratização de
organismos como o Banco Mundial e o FMI (Fundo Monetário Internacional) –
neste último, por exemplo, os cinco integrantes do Brics possuem 11%
das ações com direito a voto, enquanto os Estados Unidos tem quase 17% –
o banco de desenvolvimento e o fundo de resgate do bloco serão criados
com o aporte de aproximadamente 240 bilhões de dólares em reservas
cambiais. A expectativa é que as novas instituições sejam formalmente
fundadas na próxima cúpula, que será realizada em Durban, África do Sul,
em março de 2013.
“Como os países do Brics não conseguiram avançar nas instituições já
existentes, esse novo banco pode ser exatamente a via que estão
procurando para tal. Pode ser que venha a ser um movimento de ganhar
espaço e peso econômico para poder atuar por fora do FMI. Isso ainda é
bem incipiente. Mais perto da cúpula de 2013 vamos ver o que vai
acontecer”, avalia Ana Saggioro Garcia, doutora em Relações
Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
(PUC-RJ) e pesquisadora do Brics Policy Center (BPC).
Enquanto o banco de desenvolvimento não chega, as nações do Brics vêm
se movimentando para garantir o crescimento do peso econômico do bloco.
Em junho, durante reunião bilateral realizada em um dos intervalos da
Rio+20 (Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento
Sustentável), Brasil e China chegaram a um acordo para a adoção de um
protocolo financeiro de crédito recíproco em moeda local – mecanismo
conhecido como swap – no valor equivalente de 30 bilhões de dólares, que
podem ser sacados pelos dois governos.
A medida tem como objetivo principal assegurar que as relações
comerciais entre os dois países não sejam afetadas pela crise econômica
mundial. A ideia é que tal modalidade seja futuramente estendida às
demais nações do Brics.
Multipolarização
Para os integrantes do bloco, o crescimento conjunto de suas economias é
a principal maneira de aumentar o poder de intervenção nos processos
decisórios internacionais. O porta-voz do Itamaraty Tovar Nunes destaca o
papel do Brics na crescente multipolarização do mundo.
“No âmbito do Conselho de Segurança da ONU, por exemplo, os países do
Brics se falam muito, se consultam. Assim como nas reuniões que ocorrem
em nível ministerial à margem da Assembleia Geral das Nações Unidas, em
Nova York. Essas conversas ajudam a compor o substrato dessa diplomacia
para a paz de que a gente fala. A voz do Brasil, que já é significativa,
aumenta ainda mais por haver nesse grupo dois membros permanentes do
Conselho de Segurança”, assinala.
Na opinião de Ana Saggioro, obviamente há um deslocamento das
atividades econômicas mundiais, mas não de pode dizer que exista uma
reversão de poder político. “Mesmo juntos, esses países ainda não
conseguem, por exemplo, ter poder de veto no FMI. Então me parece que é
um projeto que tem que ser considerado mais em longo prazo.”
Igor Fuser, professor de Relações Internacionais na Universidade
Federal do ABC, diz ser difícil imaginar que uma articulação entre
nações tão heterogêneas adquira uma relevância central. “É preciso
considerar também que, separadamente, cada um dos integrantes dos Brics
sofre forte influência ou mantém laços intensos com o sistema
imperialista. Essa influência e essa rede de interesses comuns, ligando
cada um dos Brics aos EUA e seus aliados, transcendem totalmente as
eventuais afinidades existentes entre eles”, completa.
De qualquer forma, o bloco serve muito bem às pretensões brasileiras de
garantir presença no cenário internacional, assinala o cientista
político Tullo Vigevani, professor da Universidade Estadual Paulista
(Unesp). “Por causa das diferenças de poder dentro do Brics, a
existência desse acordo político é interessante para o Brasil. A China
tem um peso econômico e militar totalmente diferente do brasileiro. Tem
assento no cenário internacional independentemente do Brics. A Rússia,
por ser detentora de um poder atômico inigualável, só superado pelo
norte-americano, possui um papel altamente significativo em certos
temas. Já o Brasil utiliza o bloco como caixa de ressonância de suas
atitudes”, opina.
Para certos assuntos, no entanto, nem mesmo essa articulação é útil ao
Brasil. É o caso do desejo brasileiro de reformar o Conselho de
Segurança da ONU e garantir um assento permanente no órgão. Para Fuser,
há entre os Brics posições bem distintas quanto ao conteúdo de uma
eventual reforma. “Por exemplo, China não aceita a Índia nem o Japão”,
diz. “Esse tema está completamente fora da agenda internacional.
Simplesmente, os atuais membros permanentes não se mostram dispostos a
mudanças que significariam uma redução do poder que cada um deles
atualmente exerce.”
http://operamundi.uol.com.br/conteudo/reportagens/26173/brics+ganha+organicidade+mas+ainda+tem+longo+caminho+a+percorrer.shtml
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