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domingo, 13 de janeiro de 2013

Brics ganham organicidade, mas ainda têm longo caminho a percorrer

Reunião na Índia em março de 2012 gerou os principais avanços, com a criação de um fundo de resgate aos países mais pobres.
Embora ainda esteja longe de ser um bloco com capacidade de fazer frente ao domínio dos países centrais, muitos analistas avaliam que nos últimos dois anos o Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) ganhou uma coesão que antes não existia. A unidade de discurso sobre a necessidade de democratização das instituições financeiras multilaterais e até a proposta de criação de um novo banco de desenvolvimento foram os avanços que chamaram a atenção no período.

“Nos anos anteriores, o Brics carecia de identidade própria. Passou a ser encarado como instância importante somente após as cúpulas de 2011 e 2012, quando encontrou uma organicidade”, avalia o embaixador Tovar da Silva Nunes, porta-voz do Itamaraty.

Roberto Stuckert Filho/Presidência da República

Dilma Rousseff (Brasil), Dmitri Medvedev (Rússia), Manmohan Singh (Índia), Hu Jintao (China) e Jacob Zuma (África do Sul)

Para Cristina Pecequilo, professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), nos últimos anos o Brics se consolidou como bloco, particularmente como fórum de discussão e demandas dos países do Sul diante da crise econômica e da necessidade de maior multilateralismo na governança econômica global. “Avançou em termos retóricos, mantendo sua unidade e uma agenda coesa, com destaque à consolidação do G20 financeiro. São esforços que devem ser mantidos, mas que sofrem inúmeras pressões dos EUA, visando quebrar a aliança. Seria interessante um maior adensamento do grupo em termos político estratégicos, que visasse resistir a essas pressões e evitar quebras na aliança. É um processo em andamento”, analisa.

A Terceira Cúpula do Brics – as duas anteriores haviam sido realizadas em 2009 e 2010, respectivamente – ocorreu em Sanya, na China, em abril de 2011. O assunto principal foi a reforma do sistema monetário internacional e a transformação do G20 no principal mecanismo de gerenciamento da economia mundial.

Foi na Quarta Cúpula, no entanto, que o grupo deu passos mais práticos do que retóricos. Reunidos em Nova Dhéli, na Índia, em março de 2012, os chefes de Estado das cinco nações integrantes lançaram a proposta da criação do novo banco e de um fundo de resgate para ajudar países mais pobres. Além disso, concordaram em trabalhar para que num futuro próximo as negociações comerciais internas sejam feitas nas moedas locais, em substituição ao dólar.

“Há outras áreas de cooperação, mas em geral bilaterais. Por isso a importância de iniciativas mais concretas, como a criação do chamado Banco dos Brics. Mas ainda há muito que fazer no desenvolvimento do comércio entre esses países. A China se tornou o maior parceiro das demais nações do bloco, mas entre estes isso ainda não se desenvolveu”, pontua o diplomata Samuel Pinheiro Guimarães, ex-secretário-geral das Relações Exteriores do Ministério das Relações Exteriores (2003-2009).

Banco de desenvolvimento

Uma resposta à resistência dos países centrais à democratização de organismos como o Banco Mundial e o FMI (Fundo Monetário Internacional) – neste último, por exemplo, os cinco integrantes do Brics possuem 11% das ações com direito a voto, enquanto os Estados Unidos tem quase 17% – o banco de desenvolvimento e o fundo de resgate do bloco serão criados com o aporte de aproximadamente 240 bilhões de dólares em reservas cambiais. A expectativa é que as novas instituições sejam formalmente fundadas na próxima cúpula, que será realizada em Durban, África do Sul, em março de 2013.

“Como os países do Brics não conseguiram avançar nas instituições já existentes, esse novo banco pode ser exatamente a via que estão procurando para tal. Pode ser que venha a ser um movimento de ganhar espaço e peso econômico para poder atuar por fora do FMI. Isso ainda é bem incipiente. Mais perto da cúpula de 2013 vamos ver o que vai acontecer”, avalia Ana Saggioro Garcia, doutora em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) e pesquisadora do Brics Policy Center (BPC).

Enquanto o banco de desenvolvimento não chega, as nações do Brics vêm se movimentando para garantir o crescimento do peso econômico do bloco. Em junho, durante reunião bilateral realizada em um dos intervalos da Rio+20 (Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável), Brasil e China chegaram a um acordo para a adoção de um protocolo financeiro de crédito recíproco em moeda local – mecanismo conhecido como swap – no valor equivalente de 30 bilhões de dólares, que podem ser sacados pelos dois governos.

A medida tem como objetivo principal assegurar que as relações comerciais entre os dois países não sejam afetadas pela crise econômica mundial. A ideia é que tal modalidade seja futuramente estendida às demais nações do Brics.

Multipolarização

Para os integrantes do bloco, o crescimento conjunto de suas economias é a principal maneira de aumentar o poder de intervenção nos processos decisórios internacionais. O porta-voz do Itamaraty Tovar Nunes destaca o papel do Brics na crescente multipolarização do mundo.
“No âmbito do Conselho de Segurança da ONU, por exemplo, os países do Brics se falam muito, se consultam. Assim como nas reuniões que ocorrem em nível ministerial à margem da Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova York. Essas conversas ajudam a compor o substrato dessa diplomacia para a paz de que a gente fala. A voz do Brasil, que já é significativa, aumenta ainda mais por haver nesse grupo dois membros permanentes do Conselho de Segurança”, assinala.

Na opinião de Ana Saggioro, obviamente há um deslocamento das atividades econômicas mundiais, mas não de pode dizer que exista uma reversão de poder político. “Mesmo juntos, esses países ainda não conseguem, por exemplo, ter poder de veto no FMI. Então me parece que é um projeto que tem que ser considerado mais em longo prazo.”
Igor Fuser, professor de Relações Internacionais na Universidade Federal do ABC, diz ser difícil imaginar que uma articulação entre nações tão heterogêneas adquira uma relevância central. “É preciso considerar também que, separadamente, cada um dos integrantes dos Brics sofre forte influência ou mantém laços intensos com o sistema imperialista. Essa influência e essa rede de interesses comuns, ligando cada um dos Brics aos EUA e seus aliados, transcendem totalmente as eventuais afinidades existentes entre eles”, completa.

De qualquer forma, o bloco serve muito bem às pretensões brasileiras de garantir presença no cenário internacional, assinala o cientista político Tullo Vigevani, professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp). “Por causa das diferenças de poder dentro do Brics, a existência desse acordo político é interessante para o Brasil. A China tem um peso econômico e militar totalmente diferente do brasileiro. Tem assento no cenário internacional independentemente do Brics. A Rússia, por ser detentora de um poder atômico inigualável, só superado pelo norte-americano, possui um papel altamente significativo em certos temas. Já o Brasil utiliza o bloco como caixa de ressonância de suas atitudes”, opina.

Para certos assuntos, no entanto, nem mesmo essa articulação é útil ao Brasil. É o caso do desejo brasileiro de reformar o Conselho de Segurança da ONU e garantir um assento permanente no órgão. Para Fuser, há entre os Brics posições bem distintas quanto ao conteúdo de uma eventual reforma. “Por exemplo, China não aceita a Índia nem o Japão”, diz. “Esse tema está completamente fora da agenda internacional. Simplesmente, os atuais membros permanentes não se mostram dispostos a mudanças que significariam uma redução do poder que cada um deles atualmente exerce.”
http://operamundi.uol.com.br/conteudo/reportagens/26173/brics+ganha+organicidade+mas+ainda+tem+longo+caminho+a+percorrer.shtml

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