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quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Venezuela - Jaguar ou "tigre de papel"? (parte 2)

Brasil e Venezuela: entre a contenção e a omissão?


Causou uma certa estranheza a paciência do Brasil com o governo da Venezuela ao longo do tempo, o que para alguns soou sempre como um sinal de fraqueza, e para outros de temor diante da eventual vontade daquele país em opôr-se abertamente aos interesses brasileiros.

A reação pífia do governo em Brasília diante das ações de expropriação de bens da Petrobras na Bolívia de Evo Morales – que longe de parecer uma reação mais teve o tom de apoio -, repetiu-se em seguida no contencioso entre o Equador e a empreiteira Odebrecht. Neste por sinal, não só houve a detenção de cidadãos brasileiros – funcionários da empresa – como o governo equatoriano aplicou um calote alegando erros na execução de um projeto energético cujo financiamento veio, do BNDES!

Em ambos episódios, o presidente Chavez pronunciou-se em apoio aos governos boliviano e equatoriano, e contra o Brasil, assinalando uma linha “bolivariana” político-ideológica que os associava: o combate contra o imperialismo – dos EUA ou da potência regional!

Isso, aliado às compras de armamentos venezuelanas, geraram uma crescente, embora ainda insuficiente, reação da sociedade brasileira ou parte da mesma, quanto as verdadeiras intenções de Caracas no âmbito regional e mais precisamente, na fronteira amazônica.

Mas a distância que separa o Brasil da Venezuela vai muito além dos 3.593 km que distam Brasília de Caracas.

Segundo o site Index Mundi trabalhando com dados referentes a 2008, o Brasil dispunha então de quase 192 milhões de habitantes contra cerca de 26,5 milhões de venezuelanos. Já aí temos uma desproporção demográfica de mais sete vezes entre os eventuais adversários. Sua correspondência mais direta é que enquanto o Brasil tinha uma população alistável de 83 milhões de homens e mulheres entre 16 e 49 anos, a Venezuela só possuiria 11 milhões de indivíduos nesta mesma faixa etária.

Com os mesmos dados, a Venezuela levou uma vantagem em termos de crescimento do PIB em relação ao Brasil, cravando uma performance de 8,3% contra 5,1%. Mas olhando os números que estão embutidos nesta riqueza temos que o PIB da Venezuela foi de US$ 223.430 bilhões, sendo que o Brasil atingiu um volume de quase 2 trilhões, ou cerca de 9 vezes maior. Portanto, também em termos econômicos potenciais existe uma evidente assimetria. Fora isso, enquanto a Venezuela está basicamente restrita a agricultura e extração de petróleo, o Brasil possui uma ampla diversidade econômica, abrangendo da exportação de aeronaves, veículos de passeio, trens e embarcações, que possuem alto valor agregado, até commodities, produtos químicos, alimentos, roupas calçados, alimentos beneficiados, etc.
Em termos militares o Brasil dobrou seu investimento, passando a relação porcentual entre gastos militares e PIB de 1,3% para 2,6%. Já a Venezuela gasta 1,20% do PIB em investimento militar. Isso não impede que ela venha expandindo seus gastos militares futuros, conforme veremos abaixo.
Pelos dados acima, o Brasil têm muito mais condições de conter, senão ameaçar, do que ser contido ou ameaçado por Caracas.
Então, senão é por razões de falta de recursos materiais ou humanos, porque se tolera tanta desenvoltura do governo Chavez?
Acho que podemos produzir outras interpretações.

Segundo uma entrevista do presidente da Globovisión, a principal emissora de oposição na Venezuela, Guillermo Zuloaga, à revista VEJA, em 5 de agosto de 2009, podemos encontrar uma razão no intercâmbio entre os dois países. As relações econômicas bilaterais vêm sendo francamente favoráveis ao Brasil, com a Venezuela acumulando um grande déficit com o nosso país.  Segundo Zuloaga:
...Em dez anos de chavismo, o número de indústrias venezuelanas caiu 40%, enquanto a importação de produtos brasileiros foi multiplicada por dez. (...)No ano passado [2008], compramos 5 bilhões de dólares e vendemos 500 milhões de dólares. É uma diferença muito grande. Lula apoia isso porque sabe que essa relação é benéfica para os empresários. Para os homens de negócio venezuelanos é um tormento.

Outra hipótese possível também têm um caráter econômico, embora ampliável. A Venezuela deixou de ser um exportador de alimentos para tornar-se um importador. Se entendermos que a desorganização econômica fragiliza o país, é melhor o coronel Hugo Chavez continuar suas políticas econômicas. O mesmo raciocínio se aplica às instituições: quanto mais elas se enfraquecem, desaparecem as regras e sobram atitudes voluntariosas, menos se tem o que temer da Venezuela, que assim mergulha em impasses institucionais e se divide de forma polarizada entre os partidários e opositores de Chavez.
As alianças tecidas por Chavez na América do Sul reúnem parceiros que agregam pouco ou nenhum recurso de fato. Bolívia e Equador, mais Cuba, Nicarágua e Honduras (parceiros na ALBA – Alternativa Bolivariana para as Américas) têm limitações óbvias para envolver-se num conflito eventual entre o Brasil e a Venezuela. Especialmente, os três citados por último, estão circunscritos à própria América Central/Caribe pela parcimônia de seus recursos materiais e populacionais.
A Nicarágua, por exemplo, enfrenta enormes problemas internos decorrentes da queda da ditadura Somoza, a guerra civil que lhe seguiu (opondo sandinistas e contras), os anos de reconstrução ainda inconclusa, etc. Já Cuba, com maior experiência militar, está contida não só pela presença física dos EUA como pela sua própria crise econômica e os impasses ligados à sucessão de Fidel. Quanto a Honduras, finalmente, esta vem de um alinhamento mais claro pró-Chavez durante o governo de Manuel Zelaya, para uma situação de estabilização política onde o Brasil teve um papel atribulado, porém fortemente protagônico e amparado pela ONU e a OEA. Focada assim em suas questões internas, num cenário de crise conforme pensado acima, os hondurenhos, cubanos e nicaraguenses dariam mais apoio moral do que material.
Bolívia e Equador tem limitados recursos e eventualmente arrastados para um conflito, provavelmente participariam, no caso da Bolívia, apenas em nível de escaramuças fronteiriças ou desvio de forças brasileiras. Impensável que bolivianos e equatorianos pudessem tomar a iniciativa – séria – de uma agressão contra o Brasil a partir da fronteira entre os países (Brasil-Bolívia) ou a bens brasileiros em seu país (um litígio Brasil-Equador).
Vale aqui um raciocínio equivalente ao que foi a Guerra do Paraguai (1864-70), no século XIX: sendo o agressor desprovido de meios reais para ocupar o território brasileiro, a tendência seria que o Brasil se impusesse ao agressor pela desproporção de recursos que possui.
Mesmo a Argentina, que de alguma forma foi cooptada pro Chavez com os governos Kirchener, não seria um aliado chavista automático. A interferência de Caracas com questões internas argentinas gerou um repúdio – no mínimo -, e muita desconfiança da população.
Ficariam os argentinos ao lado de Chavez? Dificilmente. Mesmo considerando a animosidade latente entre brasileiros e argentinos, estes sabem que a Venezuela não venceria uma guerra, esta produziria efeitos econômicos desastrosos para a região e eles têm mais a ganhar, negociando uma espécie de “dote” do que assumindo verdadeiramente uma posição. E o Brasil tem mais peso econômico e político na Argentina e no Mercosul do que a Venezuela. Até porque sua inclusão ainda está bloqueada pela recusa do Congresso paraguaio em aceitar sua entrada no bloco.

Podemos portanto extrapolar a atuação do governo brasileiro diante da Venezuela de Chavez e interpretá-las à luz de algo que mais interessa a diplomacia e os interesses brasileiros que a mera subserviência rasteira aos interesses bolivarianos.

Conclusão
Passeando sobre o campo de Waterloo, em 1815, o duque de Wellington explica ao seu interlocutor a precisão de suas observações: “...Tenho passado toda a minha vida tentando adivinhar o que existe do outro lado da colina.” (Lidell Hart, O Outro Lado da Colina).
Este é um pouco o problema que nos seduz e que ao final se resume a isto: adivinhação ou previsão?
Afinal, a Venezuela de Chavez é ou não uma ameaça?
Entendo que a princípio seria de fato uma ameaça. Porém, olhando de forma mais comedida, entendo ser possível que não.
Pelas razões acima desfiadas, as políticas traçadas pelo governo em Caracas tem sido mais danosas a si que aos seus vizinhos. A principal riqueza venezuelana, o petróleo, recuou em seus preços, reduzindo drasticamente o alcance das políticas estatais, sejam no campo social, sejam no campo diplomático.
A Venezuela vive uma escassez de energia que têm provocado racionamentos e discursos. A insatisfação cresce internamente, ainda que a imprensa venha sendo amordaçada. Segundo a Fundação Fernand Braudel, citava em documento próprio de análise conjuntural, “Petróleo e Democracia na Venezuela” que 21 mil poços sob gestão da PDVSA (a estatal petrolífera), estavam obliterados por “falta de reparos” enquanto outros 14 mil permaneciam em produção. Das três refinarias do país, só uma está operacional, segundo reportagem recente da Band Tv.
Na região do Orinoco, em 2004, a PDVSA anunciou ter uma reserva de 232 bilhões, num potencial de mais de 1 trilhão de barris. Mas é um petróleo muito pesado cuja extração expõe um possível desastre ambiental futuro. O refino deste petróleo produz enxofre e coque como subprodutos; uma enorme expansão da produção gera, na outra ponta, a necessidade de armazenar milhões de toneladas destes produtos, o que por sua vez exigirá enormes complexos de armazenamento. Se não há dinheiro para investir na produção, como haverá para armazenar estes subprodutos de forma segura?
Portanto, neste item, sem uma elevação considerável dos preços internacionais do petróleo, a arca do presidente Chavez permanecerá à míngua.
Assim, quanto menos recursos dispuser o presidente Chavez, menor será a possibilidade de uma ameaça regional a partir da Venezuela, como já ocorreu entre 2001-2002 e que culminou na frustrada tentativa de golpe contra ele.
Uma agressão para forçar a exteriorização das atenções ficaria mais difícil e improvável.

Por outro lado, podemos, dentro deste quadro prescindir da urgência do reaparelhamento militar ou isso poderia estimular uma agressão?
Mal comparando, é mais provável que ocorra um assalto num local desprotegido, logo...
Neste cenário que busquei desenvolver a Venezuela perde muito do seu potencial ameaçador, mas o Brasil tem muitos planos, porém...são ainda apenas planos.

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