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sábado, 26 de junho de 2010

O RIO DE JANEIRO NOS SÉCULOS XVII E XVIII

Profº Cláudio Almeida

Sobre uma aula do profº Dr.JOÃO LUÍS RIBEIRO FRAGOSO – 12/08/2006

Mais discursos sobre a escravidão do que sobre a elite, e quando à ela se referenciam, o fazem como um lugar-comum: violenta, sanguinária, bruta, rude....

Nos anos 1970/80 a ênfase foi recuperar a escravidão com a personalidade do escravo, com aspirações, projetos de vida, estratégias de sobrevivência, etc. Mas isso também se repetia na Casa Grande.

O ponto de partida foi a produção literária do XVIII, que permitiu a construção de 3 grandes genealogias em três pontos distintos da América portuguesa:

a)Pernambuco – Antonio Borges da Fonseca (Nobiliarquia Pernambucana);

b)Bahia – frei Antônio de Jaboatão (Genealogia Baiana);

c)São Paulo – Pedro T. Paes Leme (Nobiliarquia Paulistana).

Recuperar as 1ªs famílias, a ascendência das famílias mais nobres da terra, remontando o XVII.

Classificam as elites como nobiliarquias (status de aristocracia), uma nobreza da terra que soma à origem, o mando e o prestígio político. As 1ªs elites descendiam, na visão deles, de nobres europeus.

Em meados do XX, Alfred Ellis e A. Taunay desmistificam essa “origem nobre” e apontam um berço plebeu para esta elite. Como por exemplo: a família Leme descendia de carpinteiros; Raposo Tavares descendia de fabricantes de marmelada; os Coelho e Albuquerque (unidos a partir do XVI) vinham de uma nobreza falida portuguesa.

Assim sendo, senão no todo, a maioria descendia não de uma elite peninsular, mas sim de um braço popular! Um dos desdobramentos disso foi a reinvenção – nas conquistas – de uma sociedade estamental assentada na desigualdade pela origem e pela exclusão.

A defesa da diferença é da sociedade como um todo.

Ellis e Taunay não desmerecem o trabalho dos anteriores e sim, evocam a capacidade destas 1ªs famílias em enobrecer-se, ou seja, seu êxito!

Linhagens e parentelas assumiam o controle do aparelho administrativo colonial e militar, e isto em decorrência do seu próprio esforço, recursos e vidas, para efetivar a conquista diante do gentio, dos franceses, holandeses, etc. O mando, assim sendo, é decorrente do “direito de conquista” - eles são melhores que os demais. Estes, em associação com o monarca devem assumir o poder (dentro de uma visão corporativa de Estado onde os membros se “associam” com o rei ou “a cabeça” do corpo social.

Não se viam como uma nobreza civil e sim como uma nobreza de sangue, de solar, da casa nobre...O seu sangue azul legitimado pelas conquistas. Esta nobreza, fruto dos séculos XVI e XVII, agregaria os plebeus que, em virtude da riqueza, dos serviços prestados, circunstâncias, estudo, etc, assumiam uma proeminência junto à comunidade. Não tem antecedentes, mas galga acesso aos privilégios.

Assim foi com os Rangel e Souza e Azeredo Coutinho, que escreveram diversas vezes à Lisboa defendendo o seu direito de acesso aos postos de mando por descenderem dos primeiros conquistadores, daí seu reclamo por postos que lhes confeririam “foro aristocrático” - o que nunca foi reconhecido pela Metrópole.

Seriam uma nobreza principal da terra, legitimada pela sociedade que os reconhece como tal.

A Viragem Estrutural

No século XVI o império asiático se “atlantiza” ao mesmo tempo que diminui o papel do Estado luso, invertendo-se o padrão original da expansão marítima dirigida pelo mesmo. Em 1540 o fim da feitoria lusa de Antuérpia marcou a cessão da distribuição de especiarias por mercadores particulares – cristãos-novos principalmente. E em 1570 a coroa abriu mão do controle da rota do Cabo que igualmente foi transferida para mãos privadas. Entre 1555-1607, a dívida portuguesa cresce em torno de 250% em meio a generalização dos ataques no ultramar. Põe-se então uma questão: o que defender no ultramar?

Neste contexto podemos observar duas interpretações sobre a desastrosa expedição de D. Sebastião. A fatídica batalha de Alcácer Quebir é vista, pela historiografia tradicional como uma irresponsabilidade que vitimou o rei, a nobreza e a nação como um todo. Mas também pode ser entendida como um aspecto desta viragem, pois fazia parte de um projeto maior de consolidação do domínio português sobre o Atlântico.

No Brasil, as famílias Albuquerque (Jerônimo) e Coelho (Duarte) retomam o Maranhão, a Paraíba, o Rio Grande do Norte e o Pará, usando seus recursos: mamelucos que eram (mestiços de brancos e índios) mobilizaram os indígenas para sua causa. No Rio de Janeiro, Mem de Sá e Estácio de Sá, sem recursos, recorrem aos vassalos para lutar contra os invasores franceses, como é o caso de Jorge Ferreira, que veio de São Vicente com seus parentes e 500 índios flecheiros.

Outros, na mesma situação, recebem da coroa mercês e a oportunidade de organizar a sociedade local pelo domínio dos cargos vitais. Aqui, a atemporalidade dos nomes dificulta o acompanhamento das trajetórias: “Anhanguera” foram pelo menos 5!, e um certo Julião Rangel, era Ouvidor em 1555 e aparece reclamando com a coroa em 1732!

Mesmo assim, o acesso a funções como a Provedoria de Fazenda – responsável pelo pagamento dos soldos, arrecada os tributos e gerencia a Alfândega régia – dava oportunidade de gerir grandes recursos. As próprias Câmaras funcionavam como instâncias de poder local, onde muitas vezes defendiam os interesses dos “pequenos” em busca de reconhecimento e legitimidade social (a “união do povo”), o que ampliava o poder de barganha junto a Lisboa. Para Portugal, eles são agentes da manutenção da ordem e para os “pequenos” eram o anteparo contra os excessos.

Com suas roças, escravos e gente armada, vão surgindo e se consolidando relações de dependência que estabelecem famílias extensas: os compadrios.

Até o XVIII os governadores convocavam as Câmaras para opinar, mas após isso, a centralização do Estado português eliminou a prática para, segundo Manuel de Hespanha, impor novos espaços de arbitragem e imposição de modelos (cap. 6 de O Antigo Regime nos Trópicos, p. 192).

segunda-feira, 22 de março de 2010

O Tráfico Interno - parte 2



No post anterior fiz uma rápida introdução da conjuntura onde desenvolvi a pesquisa para o Profº Dr. João Luís Ribeiro Fragoso e que, agora, vou desdobrar para abordar a distribuição dos cativos.

A conjuntura que envolvia o tráfico e seus riscos era, em princípio, desfavorável aos traficantes. Se pelo lado do Brasil o tratado de 1826 estava para entrar efetivamente em vigor, e que até prova em contrário contava com o empenho das autoridades em seu cumprimento, pelo lado dos ingleses as condições tendiam apenas a piorar com sua repressão via tribunais e cruzeiros de guerra pelo patrulhamento da costa africana.

E se não bastassem tais problemas, a eles se acrescentavam os infortúnios decorrentes de naufrágios, epidemias, pirataria e arribadas.

Por tais características, este negócio requeria um grau de especialização muito maior, pois poucos tinham acesso aos recursos para comprar ou alugar embarcações, recrutar tripulação e comandantes, reunir as equipagens necessárias, adquirir os produtos destinados ao escambo africano, etc.

Conforme cita Florentino, “Daí que poucos empresários possuíssem capitais suficientes para alimentar em continuidade e de forma sistemática o fluxo de homens para o porto carioca”. E vai mais longe.

Segundo seus estudos, 42,5% das expedições foram efetuadas por apenas 4,6% das empresas traficantes nos anos de 1811-31.



Já o tráfico interno caracterizava-se pela pulverização do negócio, o que lhe dava uma feição diametralmente oposta àquele tráfico atlantizado.

Se neste entravam os custos de embarcações, produtos, alugueis, etc, como valores de alto investimento inicial e uma imobilização de capital relativamente longa – e consequentemente restrita ou monopolizada -, para o tráfico interno a norma era o de um outro negócio.

No comércio interno de escravos predominavam:

1.a movimentação de pequenos volumes de escravos;

2.daí que o mercado era mais flexível e aberto a ação de outsiders;

3.mais negócios de pequeno valor permitiam que o acesso ao negócio fosse mais pulverizado;

4.a participação nesta atividade caracterizava-se pela participação eventual.

Num ambiente em que os preços da escravaria estavam subindo diante da perspectiva de interrupção do tráfico externo, e os depósitos de escravos como do Valongo estavam abarrotados, a redistribuição desta mão-de-obra cada vez mais numerosa atraía especuladores para este negócio.

A partir dos códices 421 e 424, que nos forneceram o maior volume de anos continuados de informações, cobrindo 10 anos, pudemos fazer algumas constatações importantes. Separamos os traficantes identificados nas remessas em duas categorias: os regulares, ou aqueles que permaneceram fazendo remessas de qualquer volume ou destino entre 7 e 10 anos; e os não-regulares ou especuladores, que apareceram menos de 7 anos, com destaque para o fato de que a grande maioria só apareceu uma vez nos registros.

Em quase 6 mil remetentes de escravos identificados nestes dois códices, só 19 pessoas operaram de forma “regular”.

Os especuladores totalizaram impressionantes 5.759 indivíduos, dos quais 4.297 só apareceram uma única vez!

Quanto mais tempo passava, menor era a permanência de agentes fixos.

Dos 55.943 escravos remetidos entre os anos de 1822/31 (segundo estes dois códices), os que apareceram só uma vez transportaram mais de 20 mil escravos para fora do Rio de Janeiro. Na média, os regulares se responsabilizaram entre 3,9% a 8,2% dos negócios – sendo 1830 sua maior participação: 15% do total.

Dos 19 traficantes regulares, 14 operaram entre 7 e 8 anos, e só um, José Antonio Moreira, apareceu em todos os anos.

Sabemos pelo Almanaque Laemertz, que ele era um renomado comerciante, listado entre os mais ricos, e que possuía loja na Rua Direita – atual 1º de Março, no centro do Rio.

Partindo deste dado – a participação única no negócio – entendemos que saltava-nos à vista que estes especuladores evidentemente não viviam desse negócio, dada sua participação eventual e incidental. Imaginamos que entre outras coisas, tropeiros vindo à cidade para trazer gêneros ou fazer outros negócios, traficavam escravos na viagem de retorno.

Um tropeiro chamado João Gonçalves da Gama saiu da cidade com um grupo de cinco escravos rumo a Minas Gerais e declarou “que cada um foi adquirido de fornecedor diferente”.

Assim, pelos dados colhidos, recriamos um modo de operar onde a penetração circunstancial nessa atividade, parecia fincar raízes na oportunidade.

domingo, 21 de março de 2010

O Tráfico Interno de escravos - parte 1

Fonte:http://people.ufpr.br/~lgeraldo/mapas1.html


Durante minha pesquisa de Iniciação Científica pelo CNPq, como auxiliar do então doutorando Profº João Luís Ribeiro Fragoso, tive oportunidade de trabalhar junto ao Arquivo Nacional (ANRJ) no levantamento e exploração de fontes seriais e massivas sobre a distribuição de escravos a partir do Rio de Janeiro.
Quatro códices foram os de números 390, 421, 424 e 425, que cobriram um período que abrangia os anos de 1821 até 1833.
Entre os dados fundamentais que pudemos estudar acerca da distribuição de escravos nucleada pelo Rio de Janeiro na primeira metade do século XIX, foi que a cidade e seu porto organizaram um amplo e mais geral mercado de escravos, constituído por aquilo que Fragoso designou como regiões-mercado do Sudeste.
Estes códices são as Saídas de Tropeiros do Rio de Janeiro, cujo registro demandava a emissão de um passaporte por parte da polícia da Corte.  No mesmo registravavam-se o nome do tropeiro, sua carga de escravos, seu destino, os nomes dos escravos e eventualmente, detalhes do tipo "vindo da roda de expostos" ou um escravo que era propriedade de mais de um dono.  Mas estes detalhes são raros frente as informações mais recorrentes.
O Rio de Janeiro destacou-se como foco dos levantamentos não só por ser a capital imperial, mas também por termos registros do tráfico transatlântico pelo qual sabemos terem sido desembarcados aqui milhares de escravos.  Nos mesmos anos em que estudamos o tráfico interno, foram desembarcados 93.000 cativos, dos quais encontramos rastros de 72.000 deles (códices 421, 424 e 425), ou 76% deste total.
Este volume de desembarques e reexportações são indicadores seguros de uma região onde a carência de mão-de-obra era enorme, os plantéis estavam sendo ampliandos e isso, em meio a uma conjuntura de elevações de preços e o correspondente aumento da alavancagem ou endividamento dos proprietários.

Durante a primeira metade do XIX, o Rio de Janeiro assumiu um papel de grande importância decorrente das suas funções administrativas (sede do governo joanino, capital do Império Luso e depois capital do Império do Brasil), como centro comercial, financeiro, portuário e espaço de intercâmbio entre múltiplos circuitos mercantis internos e externos.
Após a Independência, em 1822, os acordos celebrados entre os governos brasileiro e inglês referentes ao reconhecimento de nossa autonomia frente Portugal, estabeleceram que três anos após a ratificação do dito tratado pelos respectivos parlamentos, entraria em vigor uma proibição ao tráfico negreiro no Atlântico.  Assim, o ano de 1830 seria o último em que ainda ocorreria tráfico negreiro legal.
Segundo Manolo Florentino, entre os anos de 1826-30, os desembarques sofreram um enorme incremento, saltando para uma média de 50.000 escravos/ano, refluindo no período posterior (1831-35) para 18.000 escravos/ano.  Este por sinal é um detalhe interessante.  Se o tráfico já era então ilegal, este total identificado demostra que foi muito pouco eficaz a proibição, além do que, aponta que este total pode estar subavaliado por entradas não identificadas.
Mesmo assim, foi neste período em que o mercado de escravos carioca fica abarrotado de cativos - potencialmente mais caros pela provável excassez próxima; mas também sofrendo com um excesso de oferta que podia "derrubar" os preços - e suas flutuações de preços podiam ser bastante violentas.
Desde 1807 a Inglaterra vinha movendo uma pressão diplomática, comercial e militar contra os traficantes negreiros, e que se arrastaria por décadas e diferentes governos, antagonizando em certos momentos de forma bastante profunda os interesses anglo-brasileiros.
Em 1810 os britânicos obtiveram que o tráfico português rumo às suas colônias fosse restrito e posteriormente abolido de todo.  Em 1815, com Napoleão derrotado e uma hegemonia de fato, os ingleses negociaram com Espanha e Portugal uma proibição de tráficos acima do Equador e rafirmaram uma futura abolição.
Já em 1817, o tráfico ao sul do Euador, se feito em navios portugueses, seria doravante ilegal e assim tratado.  Mas todas estas medidas não impediram, segundo o Duque de Wellington no Congresso de Verona (1822) que entre julho de 1820 e outubro de 1821, nada menos de 352 navios haviam entrado em portos e rios africanos ao norte do Equador.  Neste mesmo ano, a emancipação do Brasil diante de Portugal instigou até um movimento separatista em Angola: a independência diante de Portugal seria seguida pela imediata adesão ao recém nascido Império do Brasil - movimento explicado pelas intensas relações comerciais entre o Brasil e a África e assentados, fundamentalmente, no tráfico de gente.
Os custos decrescentes na África e diametralmente opostos no Brasil em virtude da iminente proibição do tráfico, acelerou o vai e vem dos "tumbeiros".  Enquanto isso a Inglaterra só negociou um aspecto do tratado de 1826: o tráfico seria mantido aberto até março de 1830 e daí, por mais seis meses, para as viagens de retorno dos traficantes.
Em 1830, na Falla do Throno", D. Pedro I reafirmava os compromissos do tratado de 1826 e declarava doravante ilegal todo o tráfico, sendo que o governo tudo faria para reprimí-lo.
Mesmo assim, o tráfico seguiu.  Segundo Maria Grahan, visitando o país em 1821/23, declarou que "...um mercador de escravos se dava por satisfeito se um carregamento a cada três chegava ao destino e que oito ou nove viagens fazia uma fortuna".
No ano seguinte, 1831, novas restrições  foram impostas:  todo escravo desembarcado seria considerado liberto.  Mesmo assim, o tráfico seguiu seu curso e os escravos eventualmente capturados passaram a ser explorados e alugados diretamente pelo Estado.
Maiores detalhes ver no arquivo do blog o "Relatório do Alcoforado Sobre o Tráfico".

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Tráfico Interno de Escravos - Cod. 390 (parte), 421, 424 e 425

Estes códices do ANRJ, referem-se a saídas de tropeiros da cidade do Rio de Janeiro, com variados destinos, porém transportando escravos. Eles cobrem anos sequenciados, as vezes sobrepostos, em outros são alguns meses, entre os anos de 1821-1833.
Tais registros totalizaram a distribuição de 93.806 escravos, sendo que entre os anos de 1826-30, com a perspectiva de fim do tráfico atlântico e escassez de mão-de-obra, nestes 5 anos, houve uma concentração da ordem de 57.7% na distribuição destes escravos no mercado interno, ou seja, 54.127 cativos.
A partir destes dados, identifiquei um conjunto de destinos - ou regiões mercado conforme sugerido por meu orientador João Fragoso.
Os dados a seguir referem-se portanto, dentro de um total de cativos enviados, a quantidade e % dos mesmos entre 1826-1830.

Total para MG: 34.982 - entre 1826/30: 71.7% (25.076)
Total para SP: 4.207 - entre 1826/30: 64.6% (2.718)
Total para o Vale do Paraíba: 8.129 - 77.8% (6.322)
Total para Norte Fluminense: 20.834 - 74% (15.416)
Total Sul Fluminense: 3.312 - entre 1826/30: 68% (2.254)
Total ES: 460 escravos - 1826/30: 61% (280)

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

“Requerimento dos negociantes desta praça a S.M.I para que declare apenas os traficantes de escravos e não os negociantes de Grosso-trato, que sem ser

Este documento encontra-se na seção de manuscritos da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Nos anos 90, estava fazendo um trabalho de pesquisa para o então doutarando João Luís Ribeiro Fragoso, e estive na BNRJ (Biblioteca Nacional), onde transcrevi - para meu uso, o requerimento abaixo e a resposta emitida alguns dias depois.
É interessante notar o conflito entre Negociantes e Traficantes, que não se vêem como iguais.

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“Requerimento dos negociantes desta praça a S.M.I para que declare apenas os traficantes de escravos e não os negociantes de Grosso-trato, que sem serem especialistas recebem escravos de outras províncias para vende-los aqui”

Os negociantes desta praça, abaixo assinados, submissamente trazer ao alto conhecimento de V.M.I os vexames, que estão sofrendo pela má inteligência, eu se tem dado a postura da Câmara, seção 2º (ilegível) fazendo-a extensiva aos suplicantes com grave prejuízo da classe dos negociantes em geral, e dos súditos de V.M.I das províncias do Norte em particular.
Aquela postura, imperial Senhor, sujeitou a todos, os que quisessem negociar em escravos, a terem armazém público em casa térrea ou loja, a tirar fiança pelos prejuízos, que ocasionarem, assinando além disso o termo na Câmara com cláusulas expressas na mesma postura: bem visto é pos que ali se trata daqueles traficantes, que compram e vendem escravos, e tem armazéns para os receber, e vender; mas não daqueles comerciantes de Grosso-Trato, que relacionados, como estão os suplicantes com as províncias do Norte, recebem d’ali casualmente alguns escravos por consignação para aqui os venderem por conta de seus danos, e não por que se ocupem, e nem queiram ocupar-se em comprar e vender escravos, ou negociar em semelhante tráfico. Conhecida por demais é de V.M.I a infelicidade, e desventura eu tem oprimido algumas das províncias do Norte, por ocasião de grandes secas; e deste infortúnio ali quase geral tem resultado que os possuidores de escravos os tem vendido para acudir suas necessidades, e para isso os mandam os suplicantes, e outros Negociantes desta Praça, em que depositam confiança, e com quem estão relacionadas. Se pois os suplicantes os não puderem vender em primeira mão, e de necessidade os tiverem de entregar a esses traficantes de escravos, que tem loja aberta para esse fim, não só carregam esses infelizes committentes (sic) com multiplicadas comissões, e duplicadas despezas (sic); más ainda o que é pior, não podem evitar as fraudes usadas por tais traficantes, passando os papéis de venda por menos do que justamente venderão, no que consentem os compradores em geral pelo interesse que tão bem percebem na defraudação da siza. Se porém, os suplicantes, para evitar tais prejuízos a seus ditos commitentes (sic), que sem executar o que esta decretado naquela postura, degradar-se-ão da classe nobre e respeitável de Negociantes para aquela de traficantes de escravos, o que seria para eles uma pena maior do que a perda da fazenda. Nestas circunstancias portanto e por motivos que ficam expendidos, os abaixo assinados vem a Augusta presença de V.M.I suplicar a P.A.V.M.I que se digne declarar que aquela postura só compreende os traficantes que se ocupam em comprar e vender escravos, e não os Negociantes de Grosso-Trato, que não se ocupam deste tráfico, todavia recebem escravos das províncias a consignação para os vender por conta dos senhores remetentes.
R.J 13 de março de 1847.
Seguem 25 assinaturas”


Resposta ao requerimento dos traficantes de escravos

Ilustríssimos senhores. Parece-me que os suplicantes não podem ser excetuados da disposição do 16 Título 1º Seção 2ª das posturas.
Esta disposição é clara, geral e terminante, não faz distinção alguma a favor desta ou daquela classe de negociantes, sejam de Grosso ou baixo Trato. A postura fala em geral + ninguém poderá negociar em escravos sem ter para esse efeito Armazém público ou cassa térrea = Geralmente deve ser obedecida. Acresce que a palavra =negociar= que usa a postura, abrange necessariamente aqueles eu recebem por comissão escravos para vender; porque em direito Mercantil a comissão é um ato de comércio e o comissário pois exerce ato de comércio e negócio. Outra qualquer inteligência me parece forçada e abusiva. Direi finalmente que a Ilustríssima Câmara nunca julgou necessário propor revogação ou alteração desta postura nos termos do decreto de 25 de outubro de 1831, não só porque nunca houve dúvida alguma sobre sua inteligência perante o Poder Judiciário como porque são óbvias as razões de ordem e moralidades públicas, que serviram de fundamento a uma tal disposição. Deus Guarde V. Sªs . R.J 4 de maio de 1847. Ilustríssimos senhores Presidente e Vereadores da Câmara Municipal da Corte.

Francisco Inácio de Carvalho Moreira.
Conforme Luiz Jm de Gouveia.