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domingo, 21 de março de 2010

O Tráfico Interno de escravos - parte 1

Fonte:http://people.ufpr.br/~lgeraldo/mapas1.html


Durante minha pesquisa de Iniciação Científica pelo CNPq, como auxiliar do então doutorando Profº João Luís Ribeiro Fragoso, tive oportunidade de trabalhar junto ao Arquivo Nacional (ANRJ) no levantamento e exploração de fontes seriais e massivas sobre a distribuição de escravos a partir do Rio de Janeiro.
Quatro códices foram os de números 390, 421, 424 e 425, que cobriram um período que abrangia os anos de 1821 até 1833.
Entre os dados fundamentais que pudemos estudar acerca da distribuição de escravos nucleada pelo Rio de Janeiro na primeira metade do século XIX, foi que a cidade e seu porto organizaram um amplo e mais geral mercado de escravos, constituído por aquilo que Fragoso designou como regiões-mercado do Sudeste.
Estes códices são as Saídas de Tropeiros do Rio de Janeiro, cujo registro demandava a emissão de um passaporte por parte da polícia da Corte.  No mesmo registravavam-se o nome do tropeiro, sua carga de escravos, seu destino, os nomes dos escravos e eventualmente, detalhes do tipo "vindo da roda de expostos" ou um escravo que era propriedade de mais de um dono.  Mas estes detalhes são raros frente as informações mais recorrentes.
O Rio de Janeiro destacou-se como foco dos levantamentos não só por ser a capital imperial, mas também por termos registros do tráfico transatlântico pelo qual sabemos terem sido desembarcados aqui milhares de escravos.  Nos mesmos anos em que estudamos o tráfico interno, foram desembarcados 93.000 cativos, dos quais encontramos rastros de 72.000 deles (códices 421, 424 e 425), ou 76% deste total.
Este volume de desembarques e reexportações são indicadores seguros de uma região onde a carência de mão-de-obra era enorme, os plantéis estavam sendo ampliandos e isso, em meio a uma conjuntura de elevações de preços e o correspondente aumento da alavancagem ou endividamento dos proprietários.

Durante a primeira metade do XIX, o Rio de Janeiro assumiu um papel de grande importância decorrente das suas funções administrativas (sede do governo joanino, capital do Império Luso e depois capital do Império do Brasil), como centro comercial, financeiro, portuário e espaço de intercâmbio entre múltiplos circuitos mercantis internos e externos.
Após a Independência, em 1822, os acordos celebrados entre os governos brasileiro e inglês referentes ao reconhecimento de nossa autonomia frente Portugal, estabeleceram que três anos após a ratificação do dito tratado pelos respectivos parlamentos, entraria em vigor uma proibição ao tráfico negreiro no Atlântico.  Assim, o ano de 1830 seria o último em que ainda ocorreria tráfico negreiro legal.
Segundo Manolo Florentino, entre os anos de 1826-30, os desembarques sofreram um enorme incremento, saltando para uma média de 50.000 escravos/ano, refluindo no período posterior (1831-35) para 18.000 escravos/ano.  Este por sinal é um detalhe interessante.  Se o tráfico já era então ilegal, este total identificado demostra que foi muito pouco eficaz a proibição, além do que, aponta que este total pode estar subavaliado por entradas não identificadas.
Mesmo assim, foi neste período em que o mercado de escravos carioca fica abarrotado de cativos - potencialmente mais caros pela provável excassez próxima; mas também sofrendo com um excesso de oferta que podia "derrubar" os preços - e suas flutuações de preços podiam ser bastante violentas.
Desde 1807 a Inglaterra vinha movendo uma pressão diplomática, comercial e militar contra os traficantes negreiros, e que se arrastaria por décadas e diferentes governos, antagonizando em certos momentos de forma bastante profunda os interesses anglo-brasileiros.
Em 1810 os britânicos obtiveram que o tráfico português rumo às suas colônias fosse restrito e posteriormente abolido de todo.  Em 1815, com Napoleão derrotado e uma hegemonia de fato, os ingleses negociaram com Espanha e Portugal uma proibição de tráficos acima do Equador e rafirmaram uma futura abolição.
Já em 1817, o tráfico ao sul do Euador, se feito em navios portugueses, seria doravante ilegal e assim tratado.  Mas todas estas medidas não impediram, segundo o Duque de Wellington no Congresso de Verona (1822) que entre julho de 1820 e outubro de 1821, nada menos de 352 navios haviam entrado em portos e rios africanos ao norte do Equador.  Neste mesmo ano, a emancipação do Brasil diante de Portugal instigou até um movimento separatista em Angola: a independência diante de Portugal seria seguida pela imediata adesão ao recém nascido Império do Brasil - movimento explicado pelas intensas relações comerciais entre o Brasil e a África e assentados, fundamentalmente, no tráfico de gente.
Os custos decrescentes na África e diametralmente opostos no Brasil em virtude da iminente proibição do tráfico, acelerou o vai e vem dos "tumbeiros".  Enquanto isso a Inglaterra só negociou um aspecto do tratado de 1826: o tráfico seria mantido aberto até março de 1830 e daí, por mais seis meses, para as viagens de retorno dos traficantes.
Em 1830, na Falla do Throno", D. Pedro I reafirmava os compromissos do tratado de 1826 e declarava doravante ilegal todo o tráfico, sendo que o governo tudo faria para reprimí-lo.
Mesmo assim, o tráfico seguiu.  Segundo Maria Grahan, visitando o país em 1821/23, declarou que "...um mercador de escravos se dava por satisfeito se um carregamento a cada três chegava ao destino e que oito ou nove viagens fazia uma fortuna".
No ano seguinte, 1831, novas restrições  foram impostas:  todo escravo desembarcado seria considerado liberto.  Mesmo assim, o tráfico seguiu seu curso e os escravos eventualmente capturados passaram a ser explorados e alugados diretamente pelo Estado.
Maiores detalhes ver no arquivo do blog o "Relatório do Alcoforado Sobre o Tráfico".

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