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domingo, 27 de novembro de 2011

Fantasma de Bin Laden inflama tensão entre Paquistão e EUA


The Economist Intelligence Unit

24.11.2011 11:50

O embaixador do Paquistão nos Estados Unidos, Husain Haqqani, renunciou em 22 de novembro devido a alegações de que ele redigiu um memorando secreto pedindo a ajuda dos americanos para evitar um golpe militar no Paquistão depois da morte de Osama bin Laden, em maio. Em 23 de novembro o governo anunciou a nomeação de Sherry Rehman como novo embaixador em Washington. O escândalo que ainda se desenrola, apelidado de “Memogate”, tem o potencial de aumentar a instabilidade política no Paquistão e inflamar as tensões entre os dois países.

Pedido de ajuda americana para conter possível golpe após captura de Bin Laden muda cenário nas eleições do Paquistão.
As denúncias contra Haqqani foram feitas por um empresário americano de origem paquistanesa, Mansoor Ijiaz, que afirmou ter sido solicitado a entregar o memorando ao então chefe do Estado-Maior Conjunto dos EUA, almirante Mike Mullen, com a bênção do presidente paquistanês, Asif Ali Zardari. Ijiaz fez essa afirmação em um artigo de opinião no jornal Financial Times em 10 de outubro. O almirante Mullen inicialmente negou que tivesse recebido o memorando. Posteriormente, seu ex-porta-voz, John Kirby, disse que o almirante realmente recebeu o memorando — mas através de um interlocutor –, e “não o considerou verossímil… [e] portanto não o discutiu com ninguém”.

Tanto Zardari quanto Haqqani negaram as alegações. Haqqani ofereceu sua renúncia em 18 de novembro. No dia 20 ele foi chamado a Islamabad e a renúncia foi aceita em 22 de novembro. No dia seguinte Rehman – que, como Haqqani e Zardari, é membro do Partido do Povo do Paquistão (PPP), que lidera o governo federal de coalizão – foi nomeado novo embaixador nos EUA. Rehman, que serviu como ministro da Informação do Paquistão entre 2008 e 2009, é conhecido como um político liberal e um forte defensor dos direitos das mulheres.

Implicações políticas

O escândalo tem como pano de fundo as manobras políticas no Paquistão, com a redução do apoio ao governo liderado pelo PPP. O principal partido de oposição, a Liga Muçulmana do Paquistão (Nawaz), ou PML (N), realizou recentemente grandes comícios contra o governo e pediu a antecipação das eleições (a próxima eleição geral está prevista para 2013). Um pequeno partido de oposição, o Pakistan Tehreek-i-Insaaf (PTI), que é liderado por um ex-capitão da equipe nacional de críquete, Imran Khan, viu sua popularidade crescer nas últimas semanas.

A principal fonte de apoio do PPP no momento é a Liga Muçulmana do Paquistão (Quaid-i-Azam), ou PML (Q), que se uniu à coalizão em maio. No entanto, a PML e o PPP têm historicamente um relacionamento antagônico, e por isso o apoio do primeiro ao segundo não é garantido. Salientando isto, enquanto o líder do PML (Q), Chaudhry Shujaat Hussain, reitera publicamente seu apoio ao governo, há muitos rumores de que deputados do PML (Q) pretendem desertar e unir-se ao PTI.

Nesse contexto, o “Memogate” vai causar ainda mais instabilidade no cenário político, pois dá à oposição um motivo adicional para condenar o governo. Entretanto, a extensão dos danos ao PPP vai depender de como o escândalo se desenrola. No momento, há dúvidas sobre a veracidade do memorando; os céticos notam que, como Haqqani tinha um relacionamento estreito com as autoridades americanas, não teria usado um interlocutor para transmitir uma mensagem de seu governo, e ele próprio alegou que isso tenha sido um complô destinado a enfraquecer Zardari e a democracia paquistanesa.

A extensão do envolvimento de Zardari também não está clara. Se ficar provado que Haqqani redigiu o memorando por conta própria, as consequências políticas serão limitadas. No entanto, se Zardari estiver envolvido, a pressão contra ele poderá eventualmente crescer a ponto de ele ser obrigado a renunciar. Os danos ao PPP poderiam ser suficientes para que o partido perca o apoio no Parlamento e entre o público, precipitando a eleição.

O fato de o caso ter atingido tal extensão, mesmo com detalhes importantes ainda obscuros, salienta a sensibilidade de qualquer controvérsia política que envolva os Estados Unidos. O governo atraiu ressentimento porque considera que o memorando prejudicou os militares. Apesar dos danos à sua reputação, o exército ainda é a instituição predominante no Paquistão, o verdadeiro bastião do poder político e o símbolo da autonomia do país.

Políticos da oposição afirmaram que o memorando comprometeu a soberania do Paquistão pelo menos de duas maneiras: ao pedir a uma potência estrangeira para conter o exército e ao prometer dar vários passos que os EUA há muito tempo desejavam, mas que são considerados prejudiciais aos interesses estratégicos do Paquistão. Os últimos incluem substituir membros do Conselho de Segurança Nacional por “líderes vistos favoravelmente por Washington” e, talvez mais controverso, dar aos EUA maior supervisão do programa nuclear do Paquistão. O sentimento antiamericano no país já é elevado, e o “Memogate” provavelmente o exacerbará. Uma das muitas críticas feitas a Zardari é que ele seria próximo demais dos EUA, censura que agora será intensificada.

As relações entre Paquistão e EUA se deterioraram muito nos últimos meses, mas os EUA não parecem dispostos a deixar que o relacionamento se rompa totalmente. A troca de embaixador não deverá ter um impacto direto sobre os laços bilaterais, mas considerações políticas internas tornarão cada vez mais difícil para o Paquistão fazer concessões aos EUA. Enquanto isso, a reação descomprometida dos EUA ao “Memogate” salienta a atual dualidade de sua política para o Paquistão. Enquanto um porta-voz do Departamento de Estado americano, Mark Toner, anunciou um apoio incondicional ao “governo democraticamente eleito do Paquistão, assim como a seus processos constitucionais”, o assessor de Segurança Nacional, Tom Donilon, afirmou: “Nós trabalhamos com o governo civil e com os militares, dependendo da questão”. Essa dicotomia permitirá que a tensão subjacente entre o governo civil do Paquistão e seu exército aumente.

Por enquanto, os governos americano e paquistanês e o exército paquistanês parecem estar trabalhando duro para conter as potenciais consequências do “Memogate”. No entanto, novas revelações ainda poderão ampliar a rixa entre militares e governo ou tencionar ainda mais os laços EUA-Paquistão.

http://www.cartacapital.com.br/internacional/fantasma-de-bin-laden-inflama-tensao-entre-paquistao-e-eua/

Um comentário:

Professor Cláudio disse...

Política no Afeganistão: Danos colaterais

Durante anos uma esperança obscura espreitou nas mentes de alguns soldados graduados da Otan no Afeganistão: a de que a insurgência liderada pelos taleban poderia se voltar contra a população rural do país, matando, ferindo e intimidando os civis em vez de atraí-los de maneiras mais sutis. A esperança, sempre manifestada em um sussurro, é de que um taleban mais agressivo fosse então compreensivelmente rejeitado pelos afegãos comuns.

Essas ideias são profundamente opostas à política declarada pela Otan de tentar proteger a população o máximo possível das depredações dos rebeldes taleban. No entanto, a visão predomina particularmente entre militares americanos formados em Anbar, a província do Iraque que caiu no inferno quando insurgentes (estrangeiros) da Al Qaeda a dominaram. Em 2006 os civis iraquianos se posicionaram contra os insurgentes e os expulsaram da cidade.

No último ano insurgentes taleban parecem ter tomado ainda menos cuidado para proteger os civis. Segundo estatísticas da ONU, eles foram responsáveis por quatro quintos das cerca de 1.500 mortes de civis causadas por lutas no primeiro semestre deste ano. Um motivo é que, enquanto insurgentes locais foram capturados ou mortos em operações da Otan, os líderes taleban responderam enviando combatentes de “fora da área”: jovens geralmente inexperientes e acalorados das madraças do Paquistão, menos preocupados em prejudicar ou alienar os moradores locais.

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Kate Clark, da Rede de Analistas do Afeganistão, relata que no sudeste as estruturas semilegais dos insurgentes para estabelecer a culpa de supostos espiões foram amplamente abandonadas em favor de execuções sumárias. Neste verão os rebeldes da província de Helmand, no sul, enforcaram o filho de um policial local de 8 anos. Esse tipo de coisa desmente as alegações dos taleban de que protegem a população dos chefes guerreiros predadores, das autoridades corruptas e dos invasores infiéis da Otan.

Em um sinal de que o próprio movimento começa a se preocupar com seu comportamento, o mulá Omar, o chefe taleban caolho baseado do outro lado da fronteira com o Paquistão, acaba de emitir uma rara declaração que ameaça os rebeldes vilões com a justiça da xariá se eles matarem ou ferirem civis. Infelizmente, como a Otan se apressa a indicar, poucos dias depois da proclamação do mulá um homem-bomba se explodiu em uma mesquita na província do nordeste de Baghlan, matando sete e ferindo 17 pessoas.

Embora a insurgência taleban esteja ficando mais agressiva, pouco sugere que a população afegã esteja sendo empurrada para um “despertar” no estilo Anbar. Apesar de alguns incidentes isolados, incluindo um grupo de aldeões furioso em Helmand que apedrejaram um taleban até a morte neste verão, os afegãos ainda têm maior probabilidade de culpar os estrangeiros por suas condições cada vez mais miseráveis. Além disso, os níveis de violência não chegam perto daqueles que predominavam no Iraque no auge de suas insurgências. O risco de desafiar os taleban ainda é alto. Os civis sabem que o governo afegão só raramente conseguirá protegê-los.

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