Um golpe de novo
tipo contra Lugo
No Paraguai o Poder Legislativo na
condição de Tribunal político atentou contra dois princípios básicos de
qualquer democracia minimamente séria: o princípio da “ampla defesa” e o
princípio do “devido processo legal”. É impossível um processo justo - mesmo de
natureza política - que dispense um mínimo de provas. É impossível garantir o
direito de defesa - mesmo num juízo político - sem que o réu tenha conhecimento
pleno do crime ou da responsabilidade a partir da qual esteja sendo julgado.
Tudo isso foi negado ao Presidente Lugo. O artigo é de Tarso Genro.
O que foi tentado contra Lula, na época do
chamado mensalão –que por escassa margem de votos não teve o apoio da OAB
Federal numa histórica decisão do seu Conselho ainda não revelada em todas as
suas implicações políticas - foi conseguido plenamente contra o Presidente
Lugo. E o foi num fulminante e sumário ritual, que não durou dois dias. Não se
alegue, como justificativa para apoiar o golpe, que a destituição do Presidente
Lugo foi feita “por maioria” democrática, pois a maioria exercida de forma
ilegal também pode ser um atentado à democracia. É fácil dar um exemplo: “por
maioria”, o Poder Legislativo paraguaio poderia legislar adotando a escravidão
dos seus indígenas?
No Paraguai o Poder Legislativo na
condição de Tribunal político atentou contra dois princípios básicos de
qualquer democracia minimamente séria: o princípio da “ampla defesa” e o
princípio do “devido processo legal”. É impossível um processo justo - mesmo de
natureza política - que dispense um mínimo de provas. É impossível garantir o
direito de defesa - mesmo num juízo político - sem que o réu tenha conhecimento
pleno do crime ou da responsabilidade a partir da qual esteja sendo julgado.
Tudo isso foi negado ao Presidente Lugo.
O que ocorreu no Paraguai foi um golpe de
estado de “novo tipo”, que apeou um governo legitimamente eleito através de uma
conspiração de direita, dominante nas duas casas parlamentares. Estas jamais
engoliram Lugo, assim como a elite privilegiada do nosso país jamais engoliu o
Presidente Lula. Lá, eles tiveram sucesso porque o Presidente Lugo não tinha
uma agremiação partidária sólida e estava isolado do sistema tradicional de
poder, composto por partidos tradicionais que jamais se conformaram com a
chegada à presidência de um bispo ligado aos movimentos sociais. A conspiração
contra Lugo estava no Palácio, através do Vice-Presidente que agora,
“surpreso”, assume o governo, amparado nas lideranças parlamentares que
certamente o “ajudarão” a governar dentro da democracia.
Aqui, eles não tiveram sucesso porque - a
despeito das recomendações dos que sempre quiseram ver Lula isolado, para
derrubá-lo ou destruí-lo politicamente - o nosso ex-Presidente soube fazer
acordos com lideranças dos partidos fora do eixo da esquerda, para não ser
colocado nas cordas. Seu isolamento, combinado com o uso político do”mensalão”,
certamente terminaria em seu impedimento. Acresce-se que aqui no Brasil - sei
isso por ciência própria pois me foi contado pelo próprio José Alencar- o nosso
Vice presidente falecido foi procurado pelos golpistas “por dentro da lei” e
lhes rejeitou duramente.
A tentativa de golpe contra o Presidente
Chavez, a deposição de Lugo pelas “vias legais”, a rápida absorção do golpe
“branco” em Honduras, a utilização do território colombiano para a instalação
de bases militares estrangeiras têm algum nexo de causalidade? Sem dúvida têm,
pois, esgotado o ciclo das ditaduras militares na América Latina, há uma
mudança na hegemonia política do continente, inclusive com o surgimento de
novos setores de classes, tanto no mundo do trabalho como no mundo empresarial.
É o ciclo, portanto, da revolução democrática que, ou se aprofunda, ou se
esgota. Estes novos setores não mais se alinham, mecanicamente, às posições
políticas tradicionais e não se submetem aos velhos padrões autoritários de
dominação política.
Os antigos setores da direita autoritária,
porém, incrustados nos partidos tradicionais da América latina e apoiados por
parte da grande imprensa (que apoiaram as ditaduras militares e agora reduzem
sua influência nos negócios do Estado) tentam recuperar sua antiga força, a
qualquer custo. São estes setores políticos - amantes dos regimes autoritários
- que estão embarcando neste golpismo “novo tipo”, saudosos da época em que os
cidadãos comuns não tinham como fazer valer sua influência sobre as grandes
decisões públicas.
É a revolução democrática se esgotando na
América Latina? Ou é o início de um novo ciclo? A queda de Lugo, se
consolidada, é um brutal alerta para todos os democratas do continente, seja
qual for o seu matiz ideológico. Os vícios da república e da democracia são
infinitamente menores dos que os vícios e as violências ocultas de qualquer
ditadura.
Pela queda de Lugo, agradecem os que
apostam num autoritarismo “constitucionalizado” na A.L., de caráter antipopular
e pró-ALCA. Agradecem os torturadores que não terão seus crimes revelados,
agradecem os que querem resolver as questões dos movimentos sociais pela
repressão. Agradece, também, a guerrilha paraguaia, que agora terá chance de
sair do isolamento a que tinha se submetido, ao desenvolver a luta armada
contra um governo legítimo, consagrado pelas urnas.
(*) Governador do Rio Grande do Sul
Fonte: Carta Maior http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=20450
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