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quinta-feira, 2 de julho de 2009

SINGRANDO EM ÁGUAS E TEMPO
Sobre Impérios e números


Niterói
2009

Resenha crítica: ARRUDA, José Jobson de Andrade. Bauru, SP; EDUSC, 2008. Uma Colônia Entre Dois Impérios – A Abertura dos Portos Brasileiros (1800-1808).



Poucos historiadores construíram um nome com a solidez e a importância de José Jobson Arruda, o que foi reconhecido por toda uma geração de estudiosos que lhe reputavam o mérito de ter, em O Brasil no comércio colonial1, apontado relevantes aspectos do relacionamento Brasil/Portugal.
Neste novo trabalho ele aponta para o caráter coadjuvante não só de Portugal, mas também de sua principal colônia, diante dos interesses britânicos diante da conjuntura das guerras napoleônicas: fosse a vinda da Corte ou os tratados de 1810 – eventos associados à Abertura dos portos brasileiros, o lócus decisório estava nucleado no Forein Office.
Para ele duas datas destacam-se, a saber: 1800 (quando o contrabando sofreu uma sensível escalada) e 1808 (quando se oficializa um “arrombamento” dos portos) avizinhando-se uma mudança estrutural na política inglesa no sentido do imperialismo.
Isso é só aparentemente um desmerecimento, já que ele faz uso de um documento até pouco inédito, e que foi cedido por Patrick Wilken2. Pelo mesmo, na conjuntura das guerras napoleônicas, da batalha de Trafalgar e do ataque a Copenhagen e à frota dinamarquesa em vias de ser incorporada na ordem de batalha dos franceses, um documento do governo britânico apontava para a possibilidade de enviar forças militares ao Brasil – com ou sem aprovação do governo luso. Portanto, antes da Convenção de 1807 já havia planos para a eventualidade de uma “anexação” de Portugal por Bonaparte. Pelo plano esboçado, haveria desembarques no Rio de Janeiro, Santa Catarina ou Salvador, e daí ataques contra Buenos Aires, Caracas e Lima – vitais para escoar os produtos ingleses para o interior da América do Sul (p.34).
No capítulo 1 denominado O Choque franco-britânico e a Convenção Secreta ele constrói a conjuntura tormentosa que opunha militar, política e economicamente ingleses e franceses, ressaltando as possibilidades materiais militares que favoreciam Londres ou Paris. Nesta seção é que ele revela o plano de ação da diplomacia inglesa em relação a Lisboa e o Brasil, até a Convenção Secreta assinada em outubro de 1807 por Canning e d. Domingo de Sousa Coutinho (plenipotenciário português). No extremo ele analisa o impasse derradeiro entre os ultimatos napoleônico e inglês, e a decisão lusa.
No segundo capítulo A colônia entre dois imperialismos: do mercantilismo ao livre-cambismo seu foco desloca-se para a análise das novas feições que a política britânica ia assumindo.
Internamente cada vez mais se afirmava a opção pelo Império e as consequentes mudanças impostas por esta nova orientação: uma aliança entre diferentes grupos sociais que viabilizaram de guerras à expansão financeira, da industrialização ao incremento da urbanização, dos transportes e do uso “... mais eficiente das mercadorias, capital e mercado de trabalho” (O’BRIENN et alli, 1999)3.
Mas ao mesmo tempo transcorria o que ele denomina de Inversão Portuguesa, fenômeno em que se destaca o Brasil para inverter os efeitos até então danosos para os lusos em seu comércio com os ingleses. Ele então vai analisar as exportações mútuas entre Brasil e Inglaterra – com destaque para as exportações de algodão. Fica claro que até a 1808, o comércio brasileiro é superavitário, mas após isso – em virtude do acesso direto ao mercado colonial, esta tendência inverte-se convertendo superávits em déficits. Pela importação massiva de manufaturados após o Alvará de 1808, Portugal acumulará uma perda da ordem de 63 milhões de cruzados no seu comércio com o Brasil “... que certamente, rumaram para a Inglaterra” (p. 73). A indústria lusa estagnou, onde o que não foi à falência ficou descapitalizado para investir e modernizar-se, ampliando o “gap” tecnológico anglo-português.
“Invadindo Portugal, os franceses prestaram uma grande ajuda aos ingleses em seu projeto de abrir a qualquer custo os portos das colônias portuguesas, causando um enorme dano a Portugal por que travou o crescimento de suas manufaturas e a si mesmo, por que decretaram o colapso das indústrias francesas”4 ou seja, a asfixia da indústria têxtil francesa foi um subproduto desastroso da invasão de 1808.
No capítulo 3 que tematiza A Abertura dos Portos em Perspectiva Histórica sua análise vai considerar a consolidação de um predomínio britânico no Brasil que se consolidou com os Tratados de 1810. Além disso, ele reflete sobre os entraves ao estabelecimento de uma indústria nacional e as justificativas de D. João para tal.
Também busca mensurar números e efeitos do contrabando, chamando a atenção que os registros de entradas disponíveis para o RJ fornecem pelo menos duas interpretações: de um lado que se os demais portos estavam fechados, pelo menos o do Rio de Janeiro recebia anualmente dezenas de navios ingleses; e também que estes dados podem ser extrapolados para a rede portuária em geral, “... onde o aparato repressor era menos eficiente”5.
Ele conclui então esta seção abordando a figura histórica de d. João e buscando fazer um juízo crítico sobre franceses e ingleses nesta história, concluindo que se quisessem, os ingleses podiam ter defendido o governo luso na própria península, pelo que o complexo trabalho de transferência do governo português e expulsão dos invasores podia ter sido feito mantendo o “isolamento” do Brasil.

Lançado em meio às comemorações dos 200 anos da vinda da corte joanina, o texto preservou uma qualidade fundamental. Aliou uma série de informações relevantes com um inédito documento da chancelaria britânica, intencionando uma série de operações militares na América do Sul, concernentes às guerras napoleônicas. Reviu números, requalificou informações e ponderações, manteve o diálogo com as interpretações de Valentim Alexandre e, ao termo do trabalho temos uma leitura instigante e pertinente.
Ao lado de novos olhares e números, inconstantes como as águas e os ventos que a todo instante mudam a paisagem, ditam o ritmo e os rumos da viagem, o autor nos faz navegar para além dos tempos, por portos, biografias e interesses, que cobrem o Atlântico – este espaço tri-continental, tão vasto e ao mesmo tempo tão contido, como as margens de um rio6.

NOTAS

1)São Paulo: Ática, 1980.
2)P. 32.
3)p. 47.
4)P. 92.
5)P. 117.
6)SILVA, Alberto da Costa e. Um Rio Chamado Atlântico – A África no Brasil e o Brasil na África. Rio de Janeiro, Edit. UFRJ.

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