Egito: barba de premiê vira centro de debate sobre islamização
O novo primeiro-ministro do Egito (a direita) é o
primeiro na história do país a usar barba. A nomeação de Hesham Kandil, um
engenheiro de 50 anos de idade, causou muita discussão no país e marca uma nova
fase na sociedade egípcia, que convive com uma visibilidade cada vez maior
de símbolos associados ao islamismo na esfera de poder.
A barba, que já foi vista como um símbolo
de piedade religiosa, agora representa uma atitude política e é um sinal de
como as coisas estão mudando rapidamente no país. Tradicionalmente, usar barba
é uma prática de muçulmanos devotos que seguem à risca os preceitos do profeta
Maomé. Mas no Egito, país que há muitos anos preza o secularismo, muitos
clérigos islâmicos não usam barba.
Nos últimos 60 anos, aqueles que usavam
barba no país, de maioria muçulmana (mas aliado do Ocidente, sobretudo dos
Estados Unidos), eram vistos como indivíduos com tendências fundamentalistas.
Na maioria das vezes, eram mantidos sob constante vigilância pela polícia de
segurança do ex-líder Hosni Mubarak (que esteve no poder por mais de 30 anos) e
era muito raro ver um homem de barba ocupando um cargo de alto escalão em
instituições estatais, incluindo a polícia e emissoras de rádio e TV públicas.
Anos depois, o Egito tem um presidente e
um primeiro-ministro de barba. Após semanas de expectativa, Mohammed Mursi, o
novo chefe do Executivo recentemente eleito, apontou Hesham Kandil como premiê.
Kandil já havia chamado atenção na política egípcia em 2011, quando se tornou o
primeiro político egípcio barbado a assumir um cargo de ministro.
Medo da islamização
Na época, a barba de Kandil foi
interpretada como um sinal positivo, de que os islâmicos não estavam mais sendo
alvo de "caça às bruxas" no país. Mas, no entanto, agora que Kandil
foi escolhido para ser o novo premiê do país e após a ascensão do islamismo
como nova força política no Oriente Médio, a barba já não é mais tão bem-vinda
assim.
Nas redes sociais, muitos egípcios
chegaram a comentar a indicação com sarcasmo, dizendo que Mursi teria deixado
de lado opções como Mohamed ElBaradei e Ahmed Zewail, ambos detentores de um
prêmio Nobel, em função da barba de Kandil. "Só no Egito vale mais ter uma
barba do que um prêmio Nobel", disse no Twitter o egípcio Hamdy Ibrahim.
Gamal Fahmy, jornalista e ativista
político, considera os debates nas redes sociais "reveladores".
"A Irmandade Muçulmana conseguiu convencer os americanos e o Ocidente, mas
fracassaram em convencer os egípcios. Os egípcios estão com medo de uma
islamização da sua nação", disse em entrevista à BBC.
Muito a fazer
Pouco após assumir o poder, Mursi deixou
claro que optaria por um primeiro-ministro independente e patriota, sem
afiliação, sobretudo sem ligações com o Partido da Justiça e Liberdade, da
Irmandade Muçulmana. De fato, Kandil não é membro do partido, mas críticos do
grupo insistem que ele segue os preceitos da Irmandade, e o fato de usar barba
só parece reforçar esta desconfiança entre os egípcios.
"Kandil pertence ao Islã político.
Ele é uma figura respeitada, e pode não estar envolvido com nenhum partido, mas
é aliado com a Irmandade Muçulmana, ao menos mentalmente", diz Fahmy, um
ativista.
Já Salah Abdel Maqsoud, jornalista e
analista político, diz que o julgamento de Kandil por sua aparência é
irrelevante, e que é necessário esperar e analisar suas escolhas de ministros e
como lidará com os desafios do país.
Entre executivos, empresários e
industriais também há desconfiança, já que muitos espearavam um premiê com
extensa experiência financeira para tentar reerguer a economia do país. Além
disso, ele é o premiê mais jovem da história do país.
Em seu primeiro discurso, Kandil reforçou
o compromisso com promessas de Mursi, de garantir pão, combustível, limpeza,
trânsito e segurança pública. "Vocês ainda vão ouvir muito isso de mim.
Nós temos que nos esforçar muito e atingir os objetivos da revolução. Temos
muito a fazer", disse em seu primeiro discurso na TV.
Fonte: Terra
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