FUNDAÇÃO
EDUCACIONAL DUQUE DE CAXIAS – FEUDUC
FACULDADE
DE FILOSOFIA CIÊNCIAS E LETRAS DE DUQUE DE CAXIAS
Centro
de Pós-graduação, Especialização e Aperfeiçoamento – CEPEA
Departamento
de História
Curso
de Pós-graduação Lato Sensu: História e Cultura Africana(s) e Afro-brasileira(s)
Trabalho
final da disciplina Módulo 8:
LITERATURA
AFRICANA E AFRO-BRASILEIRA
Aluno(a): Cláudio de Almeida
Rio
de Janeiro
Agosto
de 2017
Primícia
ou termo, encetamento ou encerramento o Mar contém ao mesmo tempo que atrai e
estimula os sentidos dos cabo-verdianos.
É o mar de sonho, de esperança, de renovação, da superação da
insularidade. Mas também é o mar
místico, o mar de sofrimento, o mar do despojado, do náufrago e do renascido,
do nascido e do esquecido.
Aspecto destacado, entre outros, por
Leopold Senghor é a importância do ethos comunal
para a concretização do “ser africano”: “De acordo com as formas [...] nossa
sociedade é comunitária” (GYEKYE, 2003).
Elemento estruturante da própria sociedade ao possibilitar que os
aspectos, dons, qualidades e limitações individuais convirjam para a reprodução
da comunidade e sua perenidade, é a vida em comunidade que contrapõe ELE aos
OUTROS, valorizando o coletivo em detrimento da autossuficiência. Ou como destaca Menkiti: “Eu sou porque nós
somos; e uma vez que somos, então eu sou” (1994).
Outrossim, é este aspecto comunal –
refletido nas relações sociais – que se faz sentir no conjunto de arranjos sociais que, como seria natural, projeta-se na
produção literária. Exemplo das tensões
centrífugas que, porém se amarram diante das impossibilidades de concretização,
percebe-se no poema O MAR, de Jorge Barbosa que se este era uma via de
esperança, também o era obstáculo:
[...]
saudades
dos velhos marinheiros contando histórias de tempos passados,
histórias
da baleia que uma vez virou a canoa...
de
bebedeiras, de rixas, de mulheres, nos portos estrangeiros...
O
Mar! dentro de nós todos,
no
canto da Morna,
no corpo das raparigas morenas,
nas coxas ágeis das pretas,
no desejo da viagem que fica em sonhos de
muita gente!
Este
convite de toda a hora
que
o Mar nos faz para a evasão!
Este
desespero de querer partir
e
ter que ficar!
Ponderando, porém, que as percepções
de uma pessoalidade adquirida pela inserção e reconhecimento na comunidade não
podem ser exageradas se torna necessário considerar que a pessoa é um ser
social mesmo não sendo só isso, e sobrevalorizar a comunidade oculta, de certa
forma, essa condição. Ou seja, essa
visão comunitária sobrevalorizada teria contribuído, por exemplo, para que ao
avançar rumo às independências, em especial onde se buscou implementar
experiências socialistas, houvesse na verdade propiciado uma espécie de retorno
a esse tempo anterior; como uma espécie de busca por legitimação. Assim posto,
as experiências socialistas africanas implementadas por Julius Nyerere,
Tânzania, Senghor, Senegal, ou Nkrumah, de Gana, estariam fazendo uma ponte
entre estes dois momentos, passado e presente.
E se juntar pontas une tempos históricos, também amarra continuidades
entre pessoas.
Curiosamente, no entanto, percebemos
que na literatura que enfocamos já decorridos quase trinta anos da emancipação
cabo-verdiana diante do poder colonialista e ainda se constatava a supressão
das questões de gênero dentro dela (PADILHA, 2002), sinalizando a permanência
de “outras” amarras, como a condição feminina.
Ainda que o papel feminino seja destacado, assim como o foi durante a
luta anticolonial e de resistência, sua presença é, por outro lado, quase
invisível, assimétrica esta importância em relação ao quantitativo dos
autores. Laura Cavalcante Padilha cita
que na antologia de Manuel Ferreira, de 1975, só há uma mulher entre 36
escritores cabo verdianos selecionados. E
que isso não é incomum, repetindo-se nas produções literárias de outros países
de língua portuguesa.
Percebemos assim que mesmo que as
amarras da dominação colonial tenham sido rompidas e que juntamente com advento
da liberdade e da autonomia nacional, simultaneamente tenha se processado uma reestruturação
econômica, política, social e, inseparável disso, cultural, ainda assim os
modelos baseados no ocultamento das questões de gênero e do papel da mulher,
sua contribuição para a coletividade ou ainda sua presença em todas estas
transformações, persistiram invisíveis ou desprovidas de destaque.
E mesmo quando obtinham algum
destaque era o olhar, a voz e a ótica masculina que assomavam a condição
feminina. Assim usurpadas em seu papel
igualmente protagônico, as mulheres e o que a elas se relacionavam deslizaram
para uma espécie de limbo.
Paradoxalmente o discurso
emancipatório e igualitário serviu para promover a continuidade de uma condição
onde o papel da mulher foi menosprezado, com um destaque menor do que seria
condizente.
E embora o incremento de obras e
autoras venha invertendo esta tendência, incluindo com maior frequência e
profundidade o olhar feminino ou as temáticas de gênero ainda se tem um caminho
a percorrer. Afora que, além dos temas
relacionados ao que é Cabo Verde, o que é viver ali, seus sonhos, conflitos ou
esperanças, ainda precisam ser mediatizados por aquilo que Ricardo Riso chama
muito apropriadamente a atenção: “Emigrar é uma condição comum aos
cabo-verdianos [...]” e a sua própria diáspora é indissociável da vida, da
História, da economia e da realidade.
Ora são atraídos pelas perspectivas
de realização de esperanças e/ou recomeço, ora pressionados pelas dificuldades
econômicas que os levam às lavouras de São Tomé, por exemplo se vê em: “Caminho longe //Caminho obrigado// caminho
trilhado// nos braços da fome” denuncia Mario Pinto de Andrade, ensaísta ao
abordar o terra-longismo, as dificuldades naturais, os dramas dos insulanos que
logo se tornaram a tônica nas letras do país como elemento de destaque das
questões sociais e impasses múltiplos. É
neste contexto que cresce a interface entre autores brasileiros – com temas e
abordagens de questões tão convergentes como fome, seca, miséria e denúncia
social, e seus congêneres de Cabo Verde.
Jorge Amado e Manuel Bandeira, entre outros, vão influenciando os
autores de Cabo Verde. Exemplo claro
disso foi o impacto do poema Vou-me
Embora Pra Pasárgada, que acabou por inspirar um movimento chamado de pasargadismo. Este era evocativo de um ideal libertador
pela emigração que foi, porém muito questionado posteriormente por não ter
enfatizado, nesta crítica, os temas da repressão colonialista e da exploração.
O crescimento das críticas às condições
de Cabo Verde somaram-se ao pensamento marxista no sentido da denúncia,
inclusive de uma pretensa vocação emigracionista dos cabo-verdianos. Emergindo aí então a poesia de Carlota Barros
e Maria Helena Sato que trabalham a dicotomia do grande mar-pequena ilha, do
passado-presente, da tradição-modernidade, entre outras em obras como Regresso à Terra, Seca, Limites ou Arquipélago.
O sentido inverso, das forças
centrípetas, aparece na visão do indivíduo que retorna e, mesmo recebendo
acolhida, se depara com a terra árida, a seca e as condições naturais que tensionam
a vida cotidiana.
Para os expatriados na diáspora as
distâncias, física e relacional, alimentam o sentimento, não de nostalgia, mas
de lembranças fortes que nutrem a raiz da emoção, das lembranças críticas, de
um Cabo Verde que se debruça sobre seus dilemas e problemas não com o olhar da
desilusão, mas do desafio dos obstáculos a serem superados.
“Viagens”
Também
o encontro na ilha
prenuncia
partida.
Porque,
nas ilhas,
onde nem tudo
fica,
até quem fica se aparta,
quando um navio
apita
e parte.
(Sato, 2006, p. 63)
O
mar que separa é o mesmo que costura os laços desta comunidade.
REFERÊNCIAS
BARBOSA, Jorge
Vera-Cruz. O Mar. Disponível em http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_africana/cabo_verde/jorge_barbosa.html
Último acesso em 06/12/2017 19:49:26
GYEKYE,
Kwame. Pessoa e Comunidade no Pensamento Africano. In COETZEE, Peter et ali.
Nova York, 2003. Traduzido por
Thiago Augusto de Araujo Faria
RISO,
Ricardo. Carlota de Barros e Maria Helena
Sato – Poéticas Afetivas da Diáspora Cabo-verdiana. In SILVA, Fábio Mario. O
Feminino nas Literaturas Africanas de Língua Portuguesa. Lisboa: Centro de Literaturas e Culturas
Lusófonas e Europeias, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2014. Disponível em
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