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quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

Debruçando sobre Afetos - a Diáspora Cabo Verdiana.



FUNDAÇÃO EDUCACIONAL DUQUE DE CAXIAS – FEUDUC
FACULDADE DE FILOSOFIA CIÊNCIAS E LETRAS DE DUQUE DE CAXIAS
Centro de Pós-graduação, Especialização e Aperfeiçoamento – CEPEA
Departamento de História
Curso de Pós-graduação Lato Sensu: História e Cultura Africana(s) e Afro-brasileira(s)









Trabalho final da disciplina Módulo 8:
LITERATURA AFRICANA E AFRO-BRASILEIRA






Aluno(a): Cláudio de Almeida







Rio de Janeiro
Agosto de 2017


            Primícia ou termo, encetamento ou encerramento o Mar contém ao mesmo tempo que atrai e estimula os sentidos dos cabo-verdianos.  É o mar de sonho, de esperança, de renovação, da superação da insularidade.  Mas também é o mar místico, o mar de sofrimento, o mar do despojado, do náufrago e do renascido, do nascido e do esquecido.
            Aspecto destacado, entre outros, por Leopold Senghor é a importância do ethos comunal para a concretização do “ser africano”: “De acordo com as formas [...] nossa sociedade é comunitária” (GYEKYE, 2003).  Elemento estruturante da própria sociedade ao possibilitar que os aspectos, dons, qualidades e limitações individuais convirjam para a reprodução da comunidade e sua perenidade, é a vida em comunidade que contrapõe ELE aos OUTROS, valorizando o coletivo em detrimento da autossuficiência.  Ou como destaca Menkiti: “Eu sou porque nós somos; e uma vez que somos, então eu sou” (1994).
            Outrossim, é este aspecto comunal – refletido nas relações sociais – que se faz sentir no conjunto de arranjos sociais  que, como seria natural, projeta-se na produção literária.  Exemplo das tensões centrífugas que, porém se amarram diante das impossibilidades de concretização, percebe-se no poema O MAR, de Jorge Barbosa que se este era uma via de esperança, também o era obstáculo:
                        [...]
saudades dos velhos marinheiros contando histórias de tempos passados,
histórias da baleia que uma vez virou a canoa...
de bebedeiras, de rixas, de mulheres, nos portos estrangeiros...
O Mar! dentro de nós todos,
no canto da Morna,
no corpo das raparigas morenas,
nas coxas ágeis das pretas,
no desejo da viagem que fica em sonhos de muita gente!
                            Este convite de toda a hora
                            que o Mar nos faz para a evasão!
                            Este desespero de querer partir
                            e ter que ficar!
            Ponderando, porém, que as percepções de uma pessoalidade adquirida pela inserção e reconhecimento na comunidade não podem ser exageradas se torna necessário considerar que a pessoa é um ser social mesmo não sendo só isso, e sobrevalorizar a comunidade oculta, de certa forma, essa condição.  Ou seja, essa visão comunitária sobrevalorizada teria contribuído, por exemplo, para que ao avançar rumo às independências, em especial onde se buscou implementar experiências socialistas, houvesse na verdade propiciado uma espécie de retorno a esse tempo anterior; como uma espécie de busca por legitimação. Assim posto, as experiências socialistas africanas implementadas por Julius Nyerere, Tânzania, Senghor, Senegal, ou Nkrumah, de Gana, estariam fazendo uma ponte entre estes dois momentos, passado e presente.  E se juntar pontas une tempos históricos, também amarra continuidades entre pessoas.
            Curiosamente, no entanto, percebemos que na literatura que enfocamos já decorridos quase trinta anos da emancipação cabo-verdiana diante do poder colonialista e ainda se constatava a supressão das questões de gênero dentro dela (PADILHA, 2002), sinalizando a permanência de “outras” amarras, como a condição feminina.  Ainda que o papel feminino seja destacado, assim como o foi durante a luta anticolonial e de resistência, sua presença é, por outro lado, quase invisível, assimétrica esta importância em relação ao quantitativo dos autores.  Laura Cavalcante Padilha cita que na antologia de Manuel Ferreira, de 1975, só há uma mulher entre 36 escritores cabo verdianos selecionados.  E que isso não é incomum, repetindo-se nas produções literárias de outros países de língua portuguesa.
            Percebemos assim que mesmo que as amarras da dominação colonial tenham sido rompidas e que juntamente com advento da liberdade e da autonomia nacional, simultaneamente tenha se processado uma reestruturação econômica, política, social e, inseparável disso, cultural, ainda assim os modelos baseados no ocultamento das questões de gênero e do papel da mulher, sua contribuição para a coletividade ou ainda sua presença em todas estas transformações, persistiram invisíveis ou desprovidas de destaque.
            E mesmo quando obtinham algum destaque era o olhar, a voz e a ótica masculina que assomavam a condição feminina.  Assim usurpadas em seu papel igualmente protagônico, as mulheres e o que a elas se relacionavam deslizaram para uma espécie de limbo.
            Paradoxalmente o discurso emancipatório e igualitário serviu para promover a continuidade de uma condição onde o papel da mulher foi menosprezado, com um destaque menor do que seria condizente.
            E embora o incremento de obras e autoras venha invertendo esta tendência, incluindo com maior frequência e profundidade o olhar feminino ou as temáticas de gênero ainda se tem um caminho a percorrer.  Afora que, além dos temas relacionados ao que é Cabo Verde, o que é viver ali, seus sonhos, conflitos ou esperanças, ainda precisam ser mediatizados por aquilo que Ricardo Riso chama muito apropriadamente a atenção: “Emigrar é uma condição comum aos cabo-verdianos [...]” e a sua própria diáspora é indissociável da vida, da História, da economia e da realidade.
            Ora são atraídos pelas perspectivas de realização de esperanças e/ou recomeço, ora pressionados pelas dificuldades econômicas que os levam às lavouras de São Tomé, por exemplo se vê em: “Caminho longe //Caminho obrigado// caminho trilhado// nos braços da fome” denuncia Mario Pinto de Andrade, ensaísta ao abordar o terra-longismo, as dificuldades naturais, os dramas dos insulanos que logo se tornaram a tônica nas letras do país como elemento de destaque das questões sociais e impasses múltiplos.  É neste contexto que cresce a interface entre autores brasileiros – com temas e abordagens de questões tão convergentes como fome, seca, miséria e denúncia social, e seus congêneres de Cabo Verde.  Jorge Amado e Manuel Bandeira, entre outros, vão influenciando os autores de Cabo Verde.  Exemplo claro disso foi o impacto do poema Vou-me Embora Pra Pasárgada, que acabou por inspirar um movimento chamado de pasargadismo.  Este era evocativo de um ideal libertador pela emigração que foi, porém muito questionado posteriormente por não ter enfatizado, nesta crítica, os temas da repressão colonialista e da exploração.
            O crescimento das críticas às condições de Cabo Verde somaram-se ao pensamento marxista no sentido da denúncia, inclusive de uma pretensa vocação emigracionista dos cabo-verdianos.  Emergindo aí então a poesia de Carlota Barros e Maria Helena Sato que trabalham a dicotomia do grande mar-pequena ilha, do passado-presente, da tradição-modernidade, entre outras em obras como Regresso à Terra, Seca, Limites ou Arquipélago.
            O sentido inverso, das forças centrípetas, aparece na visão do indivíduo que retorna e, mesmo recebendo acolhida, se depara com a terra árida, a seca e as condições naturais que tensionam a vida cotidiana.
            Para os expatriados na diáspora as distâncias, física e relacional, alimentam o sentimento, não de nostalgia, mas de lembranças fortes que nutrem a raiz da emoção, das lembranças críticas, de um Cabo Verde que se debruça sobre seus dilemas e problemas não com o olhar da desilusão, mas do desafio dos obstáculos a serem superados.
“Viagens”
Também
o encontro na ilha
prenuncia
partida.
Porque,
nas ilhas,
onde nem tudo
fica,
até quem fica se aparta,
quando um navio
apita
e parte. (Sato, 2006, p. 63)

O mar que separa é o mesmo que costura os laços desta comunidade.
                       





REFERÊNCIAS
BARBOSA, Jorge Vera-Cruz. O Mar. Disponível em http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_africana/cabo_verde/jorge_barbosa.html 
Último acesso em 06/12/2017 19:49:26
GYEKYE, Kwame.  Pessoa e Comunidade no Pensamento Africano. In COETZEE, Peter  et ali.  Nova York, 2003.  Traduzido por Thiago Augusto de Araujo Faria
RISO, Ricardo. Carlota de Barros e Maria Helena Sato – Poéticas Afetivas da Diáspora Cabo-verdiana.   In SILVA, Fábio Mario.  O Feminino nas Literaturas Africanas de Língua Portuguesa.  Lisboa: Centro de Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2014.  Disponível em

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