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sexta-feira, 1 de agosto de 2008

OS MODELOS EXPLICATIVOS DA NOSSA COLONIZAÇÃO

Assunto: Título: Uma Nova Proposição Para Um Longo Debate

Resenha: Entre o Sentido e o Arcaísmo...[1]


Ele começa apresentando o ponto de vista de Pires e Costa acerca do, por eles denominado, capital escravista-mercantil. Pelo mesmo, propõe-se a superar o debate entre a existência de um Sentido da colonização (o paradigma pradiano) e o Arcaísmo como Projeto (argumento de Fragoso e Florentino[2]), onde as evidências empíricas rejeitam esse mesmo Sentido.

2. O Paradigma Pradiano

Analisando as principais linhas e argumentação, como a da colonização do Brasil como um desdobramento da expansão comercial e mercantil européia e sua influência sobre as nossas estruturas sócio-econômicas. Nesta, tais estruturas foram condicionadas por aquela expansão e deram-lhe então um sentido.
Indo mais além, Fernando Novais entenderia este sentido como parte integrante da transição do feudalismo para o capitalismo industrial, ou seja, sob a égide do capital mercantil. Segundo ele, este capital comercial viabilizou, por um lado, a instalação do capital industrial na Europa, e por outro, mediante o escravismo permitiu a extração de trabalho excedente e a acumulação primitiva que permitiu essa mesma transição.
Em 1999, Iraci Costa argumentou que esta expansão foi parte do processo de implantação do capitalismo como generalização da produção e comercialização em escala planetária. Isso integrou as diferentes regiões e refletia as condições geográficas, econômicas e sociais de cada região no momento do contato com esta expansão.
Cada uma das áreas integradas foi inserida dependentemente ao MP Capitalista, auxiliando seu próprio desenvolvimento na Europa Ocidental, e nestas áreas os regimes de trabalho tenderam (grifo meu) a adquirir um caráter tipicamente capitalista[3].

3. As Evidências Empíricas

Escravismo, latifúndio e monocultura produziram uma economia colonial com doublé face. Um setor exportador, capaz de acumular e não condicionado aos ritmos cíclicos dessa economia externa, e outro, quase sempre ligado ao abastecimento, voltado para o mercado interno.
Empiricamente demonstrou-se a existência de múltiplas modalidades produtivas não diretamente exportadoras (subsistência e mercado interno) e que eram unidades comerciais dominadas por homens livres – ainda que não fossem proprietários, tinham o usufruto da terra: acesso, não a posse.
Ainda que muitos não fossem capazes de produzir excedentes senão de forma ocasional, eles conjuntamente tinham um lugar destacado no mercado.
Um exemplo é o estudo de Douglas C. Libby sobre a industria têxtil mineira[4], que chega a referir-se a uma proto-industrialização em MG no 19, e utilizando mão de obra mista: cativos e homens livres.
Também vale não esquecer a “brecha camponesa” e as evidências sobre a permanente negociação entre senhores e escravos[5].
O desdobramento destes e outros estudos é a diversidade, que ultrapassa o sentido exteriorizado da colonização e permite compreender as produções voltadas para o mercado interno e a possibilidade de acumulações endógenas.

“A existência de uma relativa autonomia da economia colonial em relação as flutuações externas, ao menos em seu período tardio”, é apontado pelo autor (p. 184). Este conceito foi desenvolvido por Florentino e Fragoso e corresponde ao período de consolidação de formas mercantis de acumulação e hegemonia de um capital mercantil residente.
Neste viés, corresponderia a autonomia, à uma conjuntura específica – séculos 18 e 19 – onde se processou o fortalecimento do mercado interno e sua autonomia, além da “... consolidação de uma elite mercantil e usurária” (p. 185).
Dominantes do crédito, liquidez e companhias de seguro – ou seja das operações do próprio tráfico – os chamados “negociantes de grosso trato” exerciam um papel essencial na reprodução do sistema escravista:
“A constituição de uma elite apoiada em atividades de elevado poder de acumulação de capital e portadora de um considerável grau de autonomia em relação ao capital comercial metropolitano dentro da colônia é um resultado que não decorre diretamente do modelo explicativo do Sentido da Colonização (p. 186)”.


4. Um Dilema da Historiografia?
Resumidamente, e considerando a existência de um "sentido", podemos apresentar a questão acerca da nossa evolução colonial assim:

a)CAIOPRADO Jr.
Segundo ele a colonização desenvolveu-se à partir da expansão do capital mercantil;
b)FERNANDO NOVAIS
Desenvolvendo a temática de Caio Prado, a ocupação do território colonial decorreria da acumulação primitiva de capitais numa fase em que o capital comercial estaria sendo superado pelo industrial. Assim esta ocupação estaria associada ao período de transição da época moderna;
c)IRACI COSTA
Para este, o desenvolvimento da economia colonial estaria associada ao desenvolvimento do modo de produção capitalista.

Nestes três casos, o sentido era uma determinação essencial, ou seja, a própria essência da linha de interpretação.
Em oposição, os estudos empíricos apontaram para a refutação de alguns elementos fundamentais ao paradigma pradiano, como por exemplo a autonomia das produções coloniais.

5. O Arcaísmo como Projeto

Nesta outra linha interpretativa, Fragoso e Florentino apontaram para uma Expansão controlada não pela burguesia metropolitana e sim pela nobreza feudal, donde decorreram não só a inexistência de uma hegemonia mercantil como o surgimento de comunidades de mercadores residentes.
Outrossim, isso deixava viável a transferência de excedentes, que afinal era um objetivo primal, como também viabilizava o impedimento para um fortalecimento da burguesia metropolitana.
Para estes autores, a economia colonial repousava num tripé composto pela oferta elástica de terras, mão-de-obra e alimentos. O primeiro em virtude da própria extensão territorial da colônia, o segundo pela disseminação da propriedade escrava e o terceiro pela grande diversidade de produções internas.
Tais elementos permitiam que se configurasse a assincronia, pois:
a)o não assalariamento em larga escala impedia uma monetização geral;
b)parte do excedente econômico tornava-se atividades financeiras ou rentistas, sem ameaçar as atividades rurais ou a estabilidade social;
c)a oferta elástica dos fatores de produção permitia à economia colonial sua relativa autonomia.

6. A Necessidade de uma Resposta Contraditória

Neste ponto, João Paulo de Souza, recorre aos elementos teóricos marxistas para atingir um ponto essencial, qual seja a necessidade de uma contradição.
Partindo da Lei do Valor ele pondera, entre outras coisas, que o capital em geral compõe-se de “múltiplos capitais que competem entre si” (p. 192), e nesse viés ele insere uma das teses de Marx: as duas igualdades, onde a soma dos preços de produção é igual à soma dos preços diretos; porém, a soma dos lucros é igual à soma das mais valias.
Enquanto a concorrência capitalista tenderia – a guisa de uma racionalidade – convergir para uma taxa média dos lucros que dirimisse os valores que eram compostos por diferentes composições, como diferentes tempos de trabalho, Marx desenvolveu a noção de preço de produção: as mercadorias deixavam de ser equivalentes aos seus valores para corresponder a igualdade das taxas de lucro do capital.
O conceito de preço de produção permite negar a Lei do Valor, que conferia ao trabalho a única fonte de valor, para considerar que a flutuação dos preços de produção produziam divergências de taxas de lucro e transferiam capital entre os diversos setores da economia, a mesma forma que transferiam trabalho indiretamente.
Valores deixavam assim de ser preços de produção, correspondendo assim que sendo o trabalho a única fonte de valor (essência do sistema), mesmo assim haviam divergências dos valores e das taxas de lucro (aparência do sistema).
Portanto, a contradição permitiria superar as divergências entre os modelos explicativos, abrindo caminho para uma terceira interpretação.
Segundo Iraci Costa e Julio Pires, nas colônias o capital assumiu uma forma específica: o escravista mercantil. Segundo Marx o capital apresentava-se sob a forma mercantil, usurária e industrial; Pires e Costa apresentaram então uma forma pelo qual este capital era um produtor de mercadorias e extrator de mais-valia, via escravismo, e que dominava a circulação interna, os fatores de produção e a vida sócio-política das colônias.
Dominando o âmbito interno da colônia, este capital associava-se ao capital mercantil – do qual dependia para as operações de exportação e aquisição de mão-de-obra. Assim, o capital mercantil “... atuava como uma interface entre a colônia e os mercados externos” (p. 197), condicionando a transferência dos excedentes para o exterior e a reiteração do escravismo pela incorporação de mais cativos, enquanto o capital escravista-mercantil impunha suas próprias lógicas e objetivos, já que não era mera extensão do capital mercantil.
“Afinal, muitas vezes é através da realização do seu contrário, ou seja, do desenvolvimento do mercado interno, de uma economia relativamente complexa e em alguma medida autônoma, e de uma elite colonial assentada no capital residente, que o Sentido realiza-se de forma plena. Com efeito, embora a sociedade aqui constituída não caiba confortavelmente nas derivações imediatas do Sentido, é inegável que a colonização dos trópicos contribuiu, de fato, tanto para a transição rumo ao capitalismo industrial na Europa como para a sua instalação, geralmente na forma de um capitalismo subdesenvolvido, na América tropical” (p. 198).

7. Conclusão
O autor conclui então que haveria uma ”viciosa dicotomia”, onde as proposições de Caio Prado e seus seguidores seriam contrapostas às de João Fragoso e Manolo Florentino, e seriam superadas pela noção deste capital escravista-mercantil, somando os elementos abstratos (as interpretações) aos concretos (as pesquisas monográficas empíricas) na nossa formação. A dinâmica histórica explicada, e explicável, pela contradição.



[1] Souza, João Paulo A. de Entre o Sentido da Colonização e o Arcaísmo como Projeto: A superação de um dilema através do conceito de capital escravista mercantil - Estudos Econômicos, V. 38, nº 1, p. 173-203, janeiro-março de 2008.
[2] Expoentes da chamada Escola do Rio, segundo Eduardo Mariutti et alli . Mercado Interno Colonial e Grau de Autonomia: Críticas às Propostas de João Fragoso e Manolo Florentino. Estudos Econômicos, v. 31, nº 2, p. 369-393, abr./jun. 2001.
[3] P. 177.
[4] Notas Sobre a produção têxtil brasileira no final do século XVIII: novas evidências de Minas Gerais. Studos Econômicos, v. 37, nº 1, p. 97-125, jan./abr. 1997.
[5] Na página 183 ele menciona um interessante episódio citado em Schwartz, acerca de uma revolta de escravos num engenho baiano, em 1878, que reivindicavam, entre outros, o direito de embarcar os frutos de suas roças nos barcos que iam para outras localidades.

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