A apenas três meses do início das
Olimpíadas de Inverno de Sochi, a Rússia está colhendo amostras de saliva de
mulheres muçulmanas no norte do Cáucaso como parte da medida de segurança para
os Jogos. A ideia é que o DNA extraído de “potenciais terroristas” possa ser
usado posteriormente para identificar aquelas que venham a executar ataques com
bombas durante as Olimpíadas.
“É
discriminação pura e uma verdadeira agressão aos direitos humanos, um
desrespeito às muçulmanas conservadoras. Esse tipo de medida não consegue
impedir eventuais ataques terroristas. A única coisa que consegue é piorar este
clima de guerra”, afirmou a Opera Mundi Louisa Dibirova, coordenadora-chefe da
organização humanitária Corpus Civil no Daguestão e presidente da União
Social-Democrata Russa da Juventude no norte do Cáucaso. “Com estas medidas, a
quantidade de ataques terroristas, assassinatos e sequestros só vai aumentar. A
política de linha-dura do Kremlin deteriorou a questão do Caúcaso”, diz.
O Kremlin justifica a medida com
estatísticas. Nos últimos 13 anos, pelo menos 49 mulheres suicidas foram
responsáveis por ataques na Rússia, segundo informação do site Caucasian Knot.
As “viúvas-negras”, como são conhecidas
as mártires da Jihad islamista na Rússia, recebem este apelido porque muitas
delas são viúvas de homens mortos pelas forças russas durante as duas guerras
da Chechênia (1994-1996 e 1999-2000).
Divulgação
Em maio deste ano, dois carros explodiram
no centro de Makhatchkala, capital do Daguestão (entidade federativa da
Rússia), resultando em quatro mortos e mais de 50 feridos. A explosão foi
orquestrada por controle remoto e aparentemente direcionada a policiais e
advogados de um tribunal local. Como resposta, forças de segurança russas
destruíram casas de parentes dos insurgentes, fechou vilarejos e interrogou
centenas jovens suspeitos de envolvimento com os militantes jihadistas. Muitas
escolas islâmicas e instuições de caridade salafistas foram fechadas. No
povoado de Novosasitli, no Daguestão, duas madrassas (escolas corânicas)
tiveram suas atividades encerradas. Os alunos foram fotografados e tiveram suas
digitais registradas.
["É discriminação
pura", afirma Louisa Diribova, coordenadora de organização humanitária]
O FSB, serviço secreto russo, declarou
estar preocupado com os 400 cidadãos do país, majoritariamente do norte do
Cáucaso, que estão lutando na Síria. Acredita-se que muitos deles voltarão à
Rússia para os Jogos Olímpicos.
O ministro do Interior, Vladimir
Kolokoltsev, disse ao Parlamento russo que as autoridades estão recebendo
“informações alarmantes” e estão tentando eliminar líderes e membros de grupos
armados. “Não outra maneira de combater estes monstros desumanos”, disse
Kolokoltsev.
Para garantir a segurança das Olimpíadas
de Sochi, o FSB informou também que todas as ligações e comunicações por
Internet serão monitoradas durante os Jogos. A cidade de Sochi será dividida em
zonas de segurança e o controle de tráfego aturará em conjunto com os serviços
de segurança.
No entanto, ataques fora da região de
Sochi não podem ser completamente evitados, segundo as autoridades,
especialmente em grandes cidades do sul, como Volgogrado, Krasnodar e
Rostov-do-Dom.
Em julho deste ano, Doku Umarov, líder da
oposição islamista do Cáucaso, pediu que seja usada “máxima força” para sabotar
o evento esportivo, que começa em 7 de fevereiro. O Cáucaso vem observando na
última década o aumento do número de salafistas, explicado em parte pela
influência dos residentes que foram estudar no Oriente Médio e voltaram à
Rússia. Alguns deles aderiram à insurgência islâmica que cresceu depois das
guerras separatistas da Chechênia.
Repressão
Críticos indicam que a repressão do
Kremlin tem apenas alimentado a insurgência na região. Nos últimos 10 anos,
mais de 3,5 mil membros da resistência armada do Cáucaso do norte foram mortos
e cerca de outros 8 mil foram detidos, segundo Sergey Chenchik, chefe do
Departamento do Ministério da Administração Interna (MIA) da Federação Russa
para o norte do Caúcaso.
“Há 15 anos, não havia tantas pessoas
radicais no Cáucaso, mas a ideologia jihadista tem ficado cada vez mais popular
aqui. Eu não apoio o movimento [jihadista], mas, entendo que os jovens estejam
dando uma resposta tão dura quanto os ataques que sofremos do Kremlin”, conta
um jovem do Daguestão que preferiu não se identificar por medo de ser (mais uma
vez) entrevistado pelo FSB (serviço secreto russo), “devido aos seus muitos
amigos estrangeiros”.
Para Abdullah Bokov, diretor de uma escola
de idiomas em Grózni, capital da Chechênia, as pessoas no norte do Cáucaso não
têm perspectivas e “acabam tendo somente três opções – imigrar, esperar ou
unir-se às guerrilhas.”.
Em Moscou, o sentimento anti-Cáucaso e o
medo de ataques terroristas aumentam. Há duas semanas, o líder do Partido
Liberal-Democrata da Rússia (LDPR, na sigla em russo), Vladimir Jirinóvski,
declarou em um programa de televisão que o norte do Cáucaso deveria ser
separado da Rússia com “arame farpado” e que a região deveria ter a natalidade
limitada a dois filhos por mulher.
No domingo (03/11), o presidente Vladimir
Putin assinou um projeto de lei antiterror que exige que os parentes de
terroristas paguem pelos danos causados pelos seus ataques. A lei pretende
conter uma possível escalada de violência nos meses que antecedem os jogos
olímpicos.
As Olimpíadas de Inverno de Sochi já são
as mais caras da história dos Jogos, com os gastos ultrapassando 1,5 trilhão de
rublos (cerca de R$ 100 bilhões). Os Jogos de Verão de Londres custaram menos
da metade – R$ 42 bilhões.
Os escândalos de corrupção nos Jogos
também vêm acompanhados de denúncias de desastres ambientais, desrespeito aos
direitos de minorias étnicas e sexuais e não-pagamento de salários de
trabalhadores imigrantes.
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