Kevin Connolly
Atualizado em 13 de dezembro, 2013 - 16:41 (Brasília) 18:41 GMT
Três anos depois do início dos
protestos que ficaram conhecidos como Primavera Árabe, o Oriente Médio
ainda está em estado de tensão.
Rebeliões ajudaram a derrubar regimes que estavam consolidados há décadas.
As revoltas começaram com
manifestações na Tunísia em dezembro de 2010. No dia 17 daquele mês, o
vendedor de rua Mohamed Bouazizi se matou, em um ato de protesto contra
as condições de vida no país do norte da África.
O ato gerou a mobilização de milhares nas ruas,
pressionando o presidente Zine al-Abidine Ben Ali a deixar o poder, em
janeiro. Ben Ali estava no poder havia mais de 20 anos.
Se seguiram protestos no Egito, que antecederam a
queda do presidente Hosni Mubarak, e a um conflito na Líbia, que
resultou no fim do regime de Muammar Khadafi.
A Primavera Árabe também marcou o início do
levante na Síria, país que hoje é palco de uma guerra civil envolvendo
simpatizantes e opositores do presidente Bashar al-Assad.
Por outro lado, a onda de protestos também teve outras consequências menos previsíveis.
A BBC preparou uma lista de fatos que, segundo analistas, não eram esperados como resultado das revoltas iniciadas em 2011.
1. Monarquias superam turbulências
As famílias reais do Oriente Médio tiveram bons
resultados com a Primavera Árabe até agora. Isso é verdade tanto na
Jordânia quanto no Marrocos e nos países do Golfo Pérsico.
Os governos que caíram ou balançaram tinham um
sistema de partido único, com forte aparato de segurança, semelhante ao
adotado pela União Soviética.
Cada monarquia reagiu de forma diferente para
lidar com protestos internos. O Barein usou dura repressão para lidar
com manifestantes Catar aumentou salários no setor público nos primeiros
meses de protestos.
Além disso, nos reinos do Golfo, a maior fonte
de insatisfação pôde ser rapidamente "exportada": os trabalhadores nas
piores condições geralmente são estrangeiros, que podem ter seus vistos
de trabalho rapidamente revogados.
2. Estados Unidos não são mais determinantes
No começo, os EUA cultivavam relações boas com
Egito, Israel e Arábia Saudita em um cenário que parecia estável há
anos. Mas no Egito, os americanos não conseguiram acompanhar o ritmo de
mudanças, que levou ao poder o islamista Mohammed Morsi, poucos meses
depois deposto pelas Forças Armadas.
Os Estados Unidos gostam de eleições, mas
detestaram o resultado do pleito no Egito – uma vitória clara da
Irmandade Muçulmana. E não gostam de golpes militares (pelo menos não no
Século 21), mas se sentem confortáveis com um regime apoiado por
militares, desde que eles se comprometam a manter a paz com Israel.
Os Estados Unidos seguem sendo uma superpotência, mas ela não dita mais o rumo do Oriente Médio.
3. Sunitas contra xiitas
A velocidade na qual os protestos não-armados
contra regimes autoritários se transformaram em uma guerra civil na
Síria chocou o mundo. Isso elevou as tensões entre os dois grupos em
várias outras regiões. Na Síria, a guerra virou praticamente um
confronto velado entre o Irã xiita e a Arábia Saudita sunita.
Essa rivalidade causou violência sectária também
no Iraque, e pode acabar sendo um dos legados mais duradouros da
Primavera Árabe.
4. Irã, o vencedor
Ninguém teria conseguido prever que o Irã seria o
grande vencedor da Primavera Árabe. No começo do processo, o país ficou
marginalizado e enfraquecido com as sanções que vários países impõem
devido ao seu programa nuclear.
A Arábia Saudita e Israel estão preocupados com a
disposição americana de negociar com o Irã, mas hoje é impossível
pensar em uma solução para o conflito sírio sem a participação do país.
5. Vencedores e perdedores
Escolher vencedores e perdedores é difícil.
Basta olhar para o caso da Irmandade Muçulmana, principal beneficiário
com a queda de Hosni Mubarak no Egito.
Poucos meses depois da eleição que conduziu seu
líder Mohammed Morsi à Presidência, em junho de 2012, o movimento estava
novamente fora do poder, agora por intervenção das Forças Armadas. O
movimento parecia um ganhador com a Primavera Árabe, mas agora já não é
mais assim.
6. Curdos beneficiados
O povo do Curdistão, no Iraque, parecem cada vez
mais se beneficiar com a Primavera Árabe, podendo até mesmo conseguir
fundar o seu próprio país, um antigo sonho.
Mas o futuro da nação, caso venha a ser formada,
não parece fácil, já que os curdos enfrentam resistências com todos os
países à sua volta – Síria, Turquia e Irã.
7. Mulheres são vítimas
Na Praça Tahrir, no Egito, muitas mulheres foram
às ruas para pedir que as mudanças políticas também trouxessem
novidades no campo dos direitos humanos.
Mas a decepção das mulheres foi grande. Muitas foram vítimas de agressões e crimes sexuais em público.
Um estudo da Fundação Thomson-Reuters afirma que o Egito é hoje o pior país no mundo árabe para mulheres.
8. Impacto superestimado das mídias sociais
No começo dos movimentos, havia bastante
entusiasmo na imprensa ocidental sobre o papel do Twitter e Facebook, em
parte porque jornalistas ocidentais pessoalmente gostam das mídias
sociais.
Estas redes têm papel importante em países como a
Arábia Saudita, onde servem para dar vazão às opiniões que são
reprimidas pela imprensa oficial.
No começo, elas também tiveram um papel
importante nos protestos, mas isso ficou limitado a pessoas mais
educadas e bilíngues. Os políticos liberais, que usaram mais
intensamente as redes sociais, não ganharam grande apoio nas urnas.
Já canais de televisão por satélite tiveram
influência muito maior, chegando a pessoas analfabetas e que não possuem
acesso a internet.
9. Bolha imobiliária em Dubai
Há uma teoria de que o mercado imobiliário de
Dubai chegou a um pico, com pessoas ricas em países instáveis – como
Egito, Líbia, Síria e Tunísia – comprando casas e apartamentos em
lugares mais seguros, como forma de proteger seu patrimônio.
Esse efeito teria sido sentido também em cidades como Paris e Londres.
10. De volta à prancheta
O mapa do Oriente Médio desenhado por França e
Grã-Bretanha ao final da Primeira Guerra Mundial parece estar evoluindo.
Foi nesta época que surgiram países como Síria e Iraque.
Há muitas dúvidas sobre se esses países continuarão existindo na forma atual daqui a cinco anos.
Uma lição antiga que todos parecem estar
reaprendendo é de que revoluções são imprevisíveis, e pode levar anos
para que se compreenda exatamente as suas consequências.
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