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quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

SERTANISTAS, INFRATORES E VADIOS - INCLUSÃO, EXCLUSÃO E CLASSIFICAÇÃO SOCIAL EM MINAS GERAIS

UFF/CEG/ICHF/GHT
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU
HISTÓRIA DO BRASIL
MÓDULO COLÔNIA - TRABALHO PARCIAL 1
SERTANISTAS, INFRATORES E VADIOS
INCLUSÃO, EXCLUSÃO E CLASSIFICAÇÃO SOCIAL EM MINAS GERAIS
por Cláudio de Almeida
Turma C
Niterói
2006

Resenha crítica sobre “Os Desclassificados do Ouro: a pobreza mineira no século XVIII” /
Laura de Mello e Souza - Rio de Janeiro: Edições Graal, 3ª edição, 1986.
Minas Gerais, século XVIII.
O cenário não é novo, palmilhado que foi por estudiosos da estatura de Caio Prado Jr., Kenneth Maxwell, Nélson Werneck Sodré, C. R. Boxer, entre outros. Por eles revelaram-se frestas do passado - melhor dizendo de um passado - que tal como os diamantes revirados naquelas terras, reviraram junto sonhos e esperanças de homens e mulheres.
Laura de Mello e Souza nos apresenta outra fresta deste passado. O ponto original, em seu sentido estrito, foi o de buscar, dentro de um sujeito coletivo amplo e variegado (o marginal), uma abordagem que melhor permitisse separá-lo como um conjunto de indivíduos que mesmo inseridos estavam à margem daquela sociedade. Assim ela buscou identificar uma tipologia exclusiva, [i.é]: no contraponto de uma definição por demais elástica então existente, propôs-se a delimitar o “desqualificado social”. Destarte sua exterioridade, decorrente de sua não-inserção, ela ganha relevância quando referenciada a uma sociedade amparada no privilégio, no status, nas regras de precedência, etc.
Abordando o “processo de desqualificação” que engendra estes desclassificados, a autora estabeleceu as balizas temporais - e uma cronologia afim- limitadas entre 1693 e 1805.  A primeira baliza foi definida pela constituição da capitania do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais. Quanto a segunda - marco terminal de sua análise - justifica-se pela clara percepção da decadência mineradora e suas consequências.
Para montar sua análise e interpretações, ela vai elencando o uso de correspondências oficiais, acervos dos Arquivo Público Mineiro e da Arquidiocese Eclesiástica de Mariana.  Outras fontes foram dados estatísticos, memórias, relatos de viajantes, etc.  Partindo de um dos efeitos da Revolução Industrial, qual seja a formação de um exército industrial de reserva, a autora, apresenta-nos, em virtude da mineração, a constituição de uma reserva similar em Minas Gerais, atraída pela rápida expansão da atividade extrativa e em busca de oportunidades. Fosse mão-de-obra alternativa à escravidão, campesinato, ou força auxiliar no controle dos índios ou negros aquilombados, à este segmento social abriam-se oportunidades que de forma alguma promoviam uma ascensão social. As oportunidades eram muito mais horizontais que verticais.
No 1º capítulo [O Falso Fausto], ela conduz nosso olhar por sobre duas festas marcantes: o Triunfo Eucarístico e o Áureo Trono Episcopal, ocorridas respectivamente em 1733 e 1748. A partir de sua descrição olhamos uma sociedade que estabiliza-se, deixando para trás os primeiros tempos da mineração desenfreada, e assume um perfil urbano. Falsa opulência que mascara, por detrás do “luxo irracional”, a reafirmação das desigualdades e a  divisão da pobreza.
A seguir temos A Utilidade dos Vadios. O vadio medieval europeu (o pobre laborioso e cada vez mais pobre) e que acabou sendo “despejado” no Novo Mundo, fosse a Nova Inglaterra, fosse o Brasil do Alvará dos Degredados. Nem escravos nem Senhores - exceto da sua pobreza - representavam uma massa crescente de despossuídos exercendo múltiplas atividades (nem sempre lucrativas) e que por isso gera uma enorme dificuldade de defini-los objetivamente.
No 3º capítulo apresenta-nos, em Nas Redes do Poder, de que forma a construção do
Estado correspondeu aos interesses de extração fiscal e controle social, e para isso soma sua análise às anteriores de Caio Prado Jr. e Raimundo Faoro.
Máquina ineficaz e vasta que busca organizar o fluxo migratório, a urbanização, o aparato repressivo e tributário. Ordenar a desordem que tanto podia originar-se na existência de quilombos e índios insubmissos, como na mestiçagem generalizada: cores, condições e oportunidades que se misturam, confundem, invertem...
No 4º capítulo, Os Protagonistas da Miséria concentram nosso olhar. Seus modos de viver, casar, vestir, enfim sua dinâmica cotidiana. A fragilidade da liberdade para os forros (eventual reescravização) e a atuação eclesiástica contra a dissolução moral (bígamos, incestuosos, concubinagem, etc).
Num quadro de violência latente os comportamentos infracionais eram individuais, grupais (ciganos, bandidos, garimpeiros) e variados indo da feitiçaria à prostituição, da falsificação à capangagem.
Na conclusão ela retoma o destaque do por que Minas Gerais propiciou a oportunidade de olhar este segmento: vadios, criminosos, infratores, polícia privada, pequenos proprietários e artesãos falidos, o “elemento vomitado”, as vezes aliado outras o inimigo, que ostentava a pecha da desclassificação. Com clareza vemos o oscilante movimento de transformar o ônus em utilidade, e vice-versa, num pendular movimento de urgências e necessidades. A inclusão e exclusão desta mão-de-obra afeita tanto à aventura como ao ilícito, no entanto, desprovia este grupo das condições para desenvolver uma consciência de classe, segundo a autora. E a isto somava-se que este grupo [homens livres e pobres, forros e escravos fugidos] se por um lado homogeneizava-se na transgressão, inserido-se numa ideologia da vadiagem, por outro terminava qualificado como degenerado, incapaz, indolente, vadio, violento...
A ausência de raízes, a existência de um cotidiano precário, o trabalho incerto, etc, reiterava a necessidade de possuir-se escravos. Mesmo quando estes desclassificados eram requisitados - pelo Estado ou pelos homens bons - era sempre a “pior” solução, com o ônus deste recurso superando em muito sua utilidade (pelo menos no discurso). Isso é fartamente demonstrado ao longo do texto, como por exemplo sua mobilização diante de necessidades militares ou afins.
Participando da repressão a quilombos, funcionando como guardas pessoais de poderosos de toda ordem, recrutados para servir como destacamentos  irregulares de tropas ou agindo como uma espécie de “polícia privada”, tais desclassificados eram mobilizados como uma extensão do braço armado do poder estatal, de seus prepostos ou mandatários locais - transformando-se então em elementos da preservação da própria ordem. A mesma que os estigmatizavam, reprimiam e olhavam com desconfiança.
Vale apontar um reparo ao texto, que absolutamente coloca qualquer óbice ao conjunto.  Na página 130 da 3ª edição, no 2º §, é fornecida a seguinte informação: “A tributação do ouro se verificou de início sob a forma de cobrança por batéias” (grifo meu). No Entanto, pelo quadro constante na página 43, apud Virgílio Noya Pinto (op. Cit., pp. 71-75), ele assinala justamente que, entre os anos de 1700-1714, vigorava o quinto sobre o metal extraído, seguindo-se após isso cotas variáveis de 25 a 52 arrobas, casas de fundição, impostos de capitação e censo, até chegar-se a cota mínima de 100 arrobas após 1750. A extração pautada em batéias só foi intentada em 1715, sendo rejeitada e substituída, três anos após, por uma cota de 25 arrobas mais os direitos de passagens nos Registros.  Mais sério é o desdobramento deste conceito de coletividade desideologizada - algo ingênua, quase “rebanho”.
Neste recorte a conclusão “envelheceu”. A renovação dos estudos e a proposição de novos temas, fontes e marcos teóricos, que terminaram por sepultar por exemplo a “coisificação do negro”, hoje também força uma revisão deste discurso muito oficial A sociedade hierarquizada era estática na aparência. No cotidiano, suas solidariedades e estratégias de vivência e sobrevivência eram dinâmicas: ricos empobreciam e pobres subiam na escala social, cativos alforriavam a si e aos seus, constituíam famílias e parentelas.
Pauperizados, fossem brancos, negros ou índios, livres ou forros, fugidos ou recapturados, estes elementos desclassificados vivenciavam a pobreza - mas viviam seus sonhos e esperanças.

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