UFF/CEG/ICHF/GHT
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU
HISTÓRIA DO BRASIL
MÓDULO COLÔNIA - TRABALHO PARCIAL 1
SERTANISTAS, INFRATORES E VADIOS
INCLUSÃO, EXCLUSÃO E CLASSIFICAÇÃO SOCIAL EM MINAS GERAIS
por Cláudio de Almeida
Turma C
Niterói
2006
Resenha crítica sobre “Os Desclassificados do Ouro: a pobreza mineira no século XVIII” /
Laura de Mello e Souza - Rio de Janeiro: Edições Graal, 3ª edição, 1986.
Minas Gerais, século XVIII.
O cenário não é novo, palmilhado que foi por estudiosos da estatura
de Caio Prado Jr., Kenneth Maxwell, Nélson Werneck Sodré, C. R. Boxer,
entre outros. Por eles revelaram-se frestas do passado - melhor dizendo
de um passado - que tal como os diamantes revirados naquelas terras,
reviraram junto sonhos e esperanças de homens e mulheres.
Laura de Mello e Souza nos apresenta outra fresta deste passado. O
ponto original, em seu sentido estrito, foi o de buscar, dentro de um
sujeito coletivo amplo e variegado (o marginal), uma abordagem que
melhor permitisse separá-lo como um conjunto de indivíduos que mesmo
inseridos estavam à margem daquela sociedade. Assim ela buscou
identificar uma tipologia exclusiva, [i.é]: no contraponto de uma
definição por demais elástica então existente, propôs-se a delimitar o
“desqualificado social”. Destarte sua exterioridade, decorrente de sua
não-inserção, ela ganha relevância quando referenciada a uma sociedade
amparada no privilégio, no status, nas regras de precedência, etc.
Abordando o “processo de desqualificação” que engendra estes
desclassificados, a autora estabeleceu as balizas temporais - e uma
cronologia afim- limitadas entre 1693 e 1805. A primeira baliza foi
definida pela constituição da capitania do Rio de Janeiro, São Paulo e
Minas Gerais. Quanto a segunda - marco terminal de sua análise -
justifica-se pela clara percepção da decadência mineradora e suas
consequências.
Para montar sua análise e interpretações, ela vai elencando o uso de
correspondências oficiais, acervos dos Arquivo Público Mineiro e da
Arquidiocese Eclesiástica de Mariana. Outras fontes foram dados
estatísticos, memórias, relatos de viajantes, etc. Partindo de um dos
efeitos da Revolução Industrial, qual seja a formação de um exército
industrial de reserva, a autora, apresenta-nos, em virtude da mineração,
a constituição de uma reserva similar em Minas Gerais, atraída pela
rápida expansão da atividade extrativa e em busca de oportunidades.
Fosse mão-de-obra alternativa à escravidão, campesinato, ou força
auxiliar no controle dos índios ou negros aquilombados, à este segmento
social abriam-se oportunidades que de forma alguma promoviam uma
ascensão social. As oportunidades eram muito mais horizontais que
verticais.
No 1º capítulo [O Falso Fausto], ela conduz nosso olhar por sobre
duas festas marcantes: o Triunfo Eucarístico e o Áureo Trono Episcopal,
ocorridas respectivamente em 1733 e 1748. A partir de sua descrição
olhamos uma sociedade que estabiliza-se, deixando para trás os primeiros
tempos da mineração desenfreada, e assume um perfil urbano. Falsa
opulência que mascara, por detrás do “luxo irracional”, a reafirmação
das desigualdades e a divisão da pobreza.
A seguir temos A Utilidade dos Vadios. O vadio medieval europeu (o
pobre laborioso e cada vez mais pobre) e que acabou sendo “despejado” no
Novo Mundo, fosse a Nova Inglaterra, fosse o Brasil do Alvará dos
Degredados. Nem escravos nem Senhores - exceto da sua pobreza -
representavam uma massa crescente de despossuídos exercendo múltiplas
atividades (nem sempre lucrativas) e que por isso gera uma enorme
dificuldade de defini-los objetivamente.
No 3º capítulo apresenta-nos, em Nas Redes do Poder, de que forma a construção do
Estado correspondeu aos interesses de extração fiscal e controle
social, e para isso soma sua análise às anteriores de Caio Prado Jr. e
Raimundo Faoro.
Máquina ineficaz e vasta que busca organizar o fluxo migratório, a
urbanização, o aparato repressivo e tributário. Ordenar a desordem que
tanto podia originar-se na existência de quilombos e índios insubmissos,
como na mestiçagem generalizada: cores, condições e oportunidades que
se misturam, confundem, invertem...
No 4º capítulo, Os Protagonistas da Miséria concentram nosso olhar.
Seus modos de viver, casar, vestir, enfim sua dinâmica cotidiana. A
fragilidade da liberdade para os forros (eventual reescravização) e a
atuação eclesiástica contra a dissolução moral (bígamos, incestuosos,
concubinagem, etc).
Num quadro de violência latente os comportamentos infracionais eram
individuais, grupais (ciganos, bandidos, garimpeiros) e variados indo da
feitiçaria à prostituição, da falsificação à capangagem.
Na conclusão ela retoma o destaque do por que Minas Gerais propiciou a
oportunidade de olhar este segmento: vadios, criminosos, infratores,
polícia privada, pequenos proprietários e artesãos falidos, o “elemento
vomitado”, as vezes aliado outras o inimigo, que ostentava a pecha da
desclassificação. Com clareza vemos o oscilante movimento de transformar
o ônus em utilidade, e vice-versa, num pendular movimento de urgências e
necessidades. A inclusão e exclusão desta mão-de-obra afeita tanto à
aventura como ao ilícito, no entanto, desprovia este grupo das condições
para desenvolver uma consciência de classe, segundo a autora. E a isto
somava-se que este grupo [homens livres e pobres, forros e escravos
fugidos] se por um lado homogeneizava-se na transgressão, inserido-se
numa ideologia da vadiagem, por outro terminava qualificado como
degenerado, incapaz, indolente, vadio, violento...
A ausência de raízes, a existência de um cotidiano precário, o
trabalho incerto, etc, reiterava a necessidade de possuir-se escravos.
Mesmo quando estes desclassificados eram requisitados - pelo Estado ou
pelos homens bons - era sempre a “pior” solução, com o ônus deste
recurso superando em muito sua utilidade (pelo menos no discurso). Isso é
fartamente demonstrado ao longo do texto, como por exemplo sua
mobilização diante de necessidades militares ou afins.
Participando da repressão a quilombos, funcionando como guardas
pessoais de poderosos de toda ordem, recrutados para servir como
destacamentos irregulares de tropas ou agindo como uma espécie de
“polícia privada”, tais desclassificados eram mobilizados como uma
extensão do braço armado do poder estatal, de seus prepostos ou
mandatários locais - transformando-se então em elementos da preservação
da própria ordem. A mesma que os estigmatizavam, reprimiam e olhavam com
desconfiança.
Vale apontar um reparo ao texto, que absolutamente coloca qualquer
óbice ao conjunto. Na página 130 da 3ª edição, no 2º §, é fornecida a
seguinte informação: “A tributação do ouro se verificou de início sob a
forma de cobrança por batéias” (grifo meu). No Entanto, pelo quadro
constante na página 43, apud Virgílio Noya Pinto (op. Cit., pp. 71-75),
ele assinala justamente que, entre os anos de 1700-1714, vigorava o
quinto sobre o metal extraído, seguindo-se após isso cotas variáveis de
25 a 52 arrobas, casas de fundição, impostos de capitação e censo, até
chegar-se a cota mínima de 100 arrobas após 1750. A extração pautada em
batéias só foi intentada em 1715, sendo rejeitada e substituída, três
anos após, por uma cota de 25 arrobas mais os direitos de passagens nos
Registros. Mais sério é o desdobramento deste conceito de coletividade
desideologizada - algo ingênua, quase “rebanho”.
Neste recorte a conclusão “envelheceu”. A renovação dos estudos e a
proposição de novos temas, fontes e marcos teóricos, que terminaram por
sepultar por exemplo a “coisificação do negro”, hoje também força uma
revisão deste discurso muito oficial A sociedade hierarquizada era
estática na aparência. No cotidiano, suas solidariedades e estratégias
de vivência e sobrevivência eram dinâmicas: ricos empobreciam e pobres
subiam na escala social, cativos alforriavam a si e aos seus,
constituíam famílias e parentelas.
Pauperizados, fossem brancos, negros ou índios, livres ou forros,
fugidos ou recapturados, estes elementos desclassificados vivenciavam a
pobreza - mas viviam seus sonhos e esperanças.
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