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domingo, 8 de junho de 2014

BBC Brasil - Operação militar no Haiti custa R$ 1,3 bi em 10 anos

 Luis Kawaguti
Atualizado em  1 de junho, 2014 - 07:12 (Brasília) 10:12 GMT
  • Militar brasileiro durante tomada de Cite Soleil, Porto Príncipe, em maio de 2006. Foto Arquivo Pessoal Luis Kawaguti

A participação de tropas brasileiras na missão de paz do Haiti completa 10 anos neste domingo. A operação militar aumentou a importância do Brasil no cenário internacional e ajudou o Haiti em um período de inúmeras crises políticas e catástrofes naturais. Isso tudo a um custo aproximado de R$1,3 bilhão aos cofres nacionais.
Contudo, após uma década no terreno e alguns revezes – sendo o principal deles um terremoto de proporções catastróficas que deixou 300 mil mortos em 2010 – o Brasil e a comunidade internacional enfrentam no país uma fase de fadiga de esforços.
Esse desgaste não é causado por ações de insurgentes, como no início do processo, mas em grande parte por questões burocráticas, políticas e culturais relacionadas ao próprio Haiti, de acordo com analistas.
Ao mesmo tempo em que fornece apoio para a solução de uma crise política de grandes proporções – há cerca de dois anos o Haiti tenta sem sucesso eleger um novo Parlamento – e lida com uma epidemia de cólera, a ONU estuda maneiras de começar a se retirar do país em 2016.
Até o fim de 2013, a operação militar brasileira no país custou R$ 2,1 bilhões. Segundo o Ministério da Defesa, 35% desse valor foi reembolsado pela ONU. Ao todo 30 mil militares passaram pela missão e 22 morreram - a maioria durante o terremoto de 2010.
Mas apesar das dificuldades, autoridades e especialistas avaliam que a missão tem sido positiva tanto para o Brasil quanto para o Haiti.

Haiti

Em linhas gerais, o cenário de segurança no Haiti foi estabilizado. Confrontos significativos entre rebeldes e capacetes azuis não ocorrem há sete anos e as estatísticas dos crimes comuns começaram a baixar no ano passado.
A estabilidade possibilitou ao Haiti realizar duas eleições presidenciais – conturbadas, porém livres – e trabalhar na reestruturação de sua força policial e também do sistema judiciário. Além disso, a presença militar abriu caminho para que ONGs internacionais oferecessem socorro a populações antes isoladas pela atuação de forças rebeldes.
"Em 2004 não se entrava em bairros como Cite Soleil e Bel Air. A parte de segurança melhorou bastante, hoje você anda a pé em lugares em que só se entrava dentro de blindados", disse o embaixador brasileiro Igor Kipman, que acompanhou toda a missão no país como responsável pela divisão de Caribe no Itamaraty e também chefiando a embaixada brasileira no país por três anos.
Mas essa melhora não significa que o país esteja totalmente calmo. A crise política e a ausência do Estado em determinados setores vêm deflagrando desde setembro do ano passado uma série de manifestações populares que por vezes se tornam violentas. Em muitas delas, os participantes pedem a queda do atual presidente Michel Martelly.
Após sofrer muitas baixas no terremoto, a polícia já está sendo reestruturada, mas apenas em 2016 deve ter condições de assumir a segurança no país sem a ajuda de tropas da ONU.
Na parte econômica, a existência da missão de paz como um todo tem injetado bilhões de dólares no Haiti. Somente após o terremoto de 2010 quase US$ 10 bilhões foram prometidos por países doadores para reconstruir a nação caribenha. Críticos disseram porém que uma parte considerável desse dinheiro não foi investida diretamente no país, mas na manutenção das estruturas de milhares de ONGs internacionais que operam no território.
Contudo, segundo Kipman, apenas a presença de militares e civis da Minustah (missão de paz no Haiti) no país - que compram produtos, alimentos, pagam aluguel e consomem serviços e entretenimento - injetou na economia cerca de US$ 8 bilhões na última década.
Além de tentar solucionar uma crise política de grandes proporções, a ONU lida também com uma epidemia de cólera
Na área de infra-estrutura, as três unidades de engenharia militar da Minustah - uma delas brasileira - asfaltaram grande quantidades de ruas, construíram inúmeros poços artesianos, desobstruíram canais e lançaram uma série de pontes sobre rios. Batalhões brasileiros e internacionais também realizaram ações sociais sistemáticas, que incluíram atendimento médico e odontológico, distribuição de suprimentos e de água.

Frustrações

Segundo o embaixador Kipman, a comunidade internacional lida hoje com um problema de "fadiga" na missão no Haiti. Parte disso está relacionado a uma herança cultural haitiana que faria certos segmentos da sociedade tenderem a rechaçar ações internacionais no país. "Essa foi uma marca que ficou na cultura do país desde a escravatura", afirmou o embaixador.
Com uma revolução escrava de grandes proporções, o Haiti foi a primeira nação americana a conquistar a independência do colonizador em 1804.
Os fatores político e burocrático também têm sido entraves - que dificultaram até iniciativas diplomáticas brasileiras. Em 2010, por exemplo, o presidente Lula prometeu a construção no país de quatro unidades médicas no modelo brasileiro UPA (Unidade de Pronto Atendimento). A primeira delas deveria ter ficado pronta no mesmo ano, mas só saiu do papel em 2014.
O governo brasileiro disse que uma verba de US$ 70 milhões (R$ 157 milhões) está disponível. Mas o governo haitiano teria tido dificuldade para encontrar locais para a construção das unidades, o que atrasou o processo.
Outro grande projeto que tramita sem data para conclusão é a construção de uma usina hidrelétrica na região central do país, que ajudaria a suprir o déficit de energia do Haiti e impulsionaria o desenvolvimento de indústrias.
O projeto da usina foi elaborado pelo Exército brasileiro a um custo de R$ 4 milhões. Mas nunca se tornou realidade devido entre outros fatores à falta de financiamento por parte de outras nações doadoras e devido a uma polêmica envolvendo uma comunidade nativa que teria que ser removida do local.

Brasil

A participação brasileira na Minustah não trouxe mudanças apenas para o Haiti, mas também para o Brasil. As mais significativas sem dúvida foram o surgimento de uma onda de imigrantes haitianos que passaram a entrar em território nacional desde 2010, o aumento do prestígio internacional do país e as melhorias relacionadas à capacitação das tropas brasileiras que passaram por Porto Príncipe nos últimos dez anos.
As remessas internacionais de dinheiro feitas ao Haiti por imigrantes vivendo no exterior sempre foram parte importante da economia haitiana. Historicamente os principais destinos da diáspora haitiana eram os Estados Unidos e a vizinha República Dominicana. Mas desde o grande terremoto de 2010 as condições no país se degradaram e o Brasil passou a figurar como país de destino.
Haitianos aguardam por trabalho em São Paulo. Desde 2010 o número de imigrantes haitianos vem crescendo no país
Naquele ano, apenas 39 haitianos entraram legalmente no Brasil. Mas desde então o número começou a subir rapidamente: 988 em 2011; 2.235 em 2012; 10.156 em 2013 e 4.294 até abril deste ano. Segundo a Polícia Federal, o número de legalizados passa hoje de 17.700.
De acordo com analistas, o contato com as tropas brasileiras e um discurso amigável de Brasília após o terremoto foram alguns dos principais fatores de atração.
Segundo o Capitão de Mar e Guerra Fernando José Afonso Ferreira de Sousa, do Ministério da Defesa, além do ganho de influência no cenário internacional, em termos militares e de proteção da soberania a participação em uma operação internacional de paz tem um efeito de dissuasão contra outras nações em cenário regional.
Além disso, segundo ele, a Minustah colaborou para uma melhoria na capacitação das Forças Armadas brasileiras, especialmente para participação em missões de paz.
De acordo com ele, a qualidade do militar brasileiro nesse tipo específico de missão já pode ser comparada à de combatentes americanos ou europeus. "O Brasil alcançou um patamar de desenvolvimento muito grande e se aproximou sobremaneira de países da Otan na questão de missões de paz".
Segundo Sousa, para atender as exigências da ONU em termos de qualidade de equipamentos militares, o país também promoveu uma melhoria nos equipamentos usados por suas forças armadas, especialmente nas unidades que passaram pelo Haiti.
E de acordo com ele, a missão em situação real ajuda os militares brasileiros não só em operações de paz. A missão forneceu experiência para o uso adequado (e moderado) da força em cenário urbano e ensinou o militar a respeitar a cultura do país estrangeiro - "o que se refletiu também em respeito à nossa própria cultura", disse o comandante.
O embaixador Kipman afirmou ainda que as táticas desenvolvidas para pacificar Porto Príncipe colaboraram para o desenvolvimento do modelo de UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora), usadas para reduzir a violência nas favelas do Rio de Janeiro.
"Para o Brasil foi uma aprendizagem extraordinária, não só profissional mas do ponto de vista humano. Do soldado ao general houve uma abertura de horizontes e eles voltaram com outra visão de Brasil, voltaram reconciliados com o país", disse Kipman.
De acordo com ele, esse ganho de experiência também aconteceu na área civil, com diplomatas, ONGs e órgãos como a Embrapa ganhando experiência excepcional que pode ser usada no Brasil.
"Considero que a missão tem sido um grande sucesso", disse Kipman.
*Luis Kawaguti é autor do livro "A República Negra" (Ed. Globo/2006) sobre a missão de paz brasileira no Haiti
http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/06/140601_dez_anos_missao_brasil_haiti_lk_an.shtml

domingo, 24 de janeiro de 2010

Haiti: Brasil e E.U.A disputam espaço.


Após o caos instalado no país caribenho, cuja cifra oficial de mortos atingiu ontem 111 mil vítimas, segundo o governo do país - é ainda têm um governo! - vão ficando mais nítidas certas imagens que apontam para o que também está ocorrendo alhures.
As autoridades norte-americanas deflagraram uma grande operação militar onde eles não só se apropriaram do gerenciamento do que restou do aeroporto da capital, como de fato transferiram este controle para Tucson - em território dos EUA.  Como um efeito colateral de tal usurpação, eles negaram autorização de pouso para aviões com auxílio humanitário mas franqueram, no mesmo momento, o pouso de aeronaves com autoridades civis e militares dos Estados Unidos.
Além disso, navios e aviões foram enviados para dar suporte às operações de socorro, que já íam se configurando numa "invasão humanitária" capitaneada pelos marines e tropas aerotransportadas da 82ª Divisão (Força de Intervenção Rápida).






Tudo isso à revelia da ONU e de forma mais constragedora ou claramente humilhante, ao Brasil.  Não por ufanismo de 2ª categoria, mas pelo fato do Brasil comandar as ações da MINUSTAH, e portanto com aval da ONU, as autoridades brasileiras lá no Haiti ou aqui, deveriam ter merecido a cortesia de uma real parceria.  Que os norte-americanos têm mais recursos é óbvio.  Mas até por isso, deveria haver um esforço maior de Washington para convergir as suas operações com os interesses legítimos representados pela missão da Organização das Nações Unidas.
Os helicópetros desembarcando tropas nos jardins do destruído palácio de governo tiveram a intenção - inconfessada - de marcar o espaço das tropas norte-americanas, e isso só têm sentido se buscarmos o endereço da mensagem.
Para o Brasil em particular, a ONU em geral e a comunidade centro-sul americana em especial, a demonstração de força embutida no "auxílio" era para marcar a posição de que se eles quiserem podem fazer o que quiser, reiterando a monótona arrogancia dos norte-americanos, e que ainda hoje eles se surpreendem com o seu reverso: o antiamericanismo!
Chavez, Fidel e Raul Castro, Daniel Ortega, etc, são mais uma vez lembrados de que os EUA fazem o que acham que podem fazer, sem que governos como das Ilhas Salomão, Papua ou o Vaticano sejam consultados.
E neste ponto, a assimetria de meios foi fundamental.
Enquanto o Brasil demorava a reagir, a ponto de só agora o contingente militar estar sendo reforçado e timidamente preparar o envio de um navio (01) e mais alguns helicópteros, os EUA puseram em ação mais de uma dezena de embarcações e milhares de soldados.
Ontem, foi simbólico o que ocorreu diante do palácio governamental.
Numa cerimônia comandada pelo general Floriano Peixoto, tropas e veículos blindados brasileiros começaram a organizar uma distribuição de comida e água para os refugiados haitianos.  Era o Brasil, por sua vez, marcando posição.
Mas eis que os norte-americanos chegaram, de novo com seus helicópteros e fizeram uma ventania daquelas, a ponto de uma das bandeiras brasileiras hasteadas vir ao chão, sem nem procurarem esconder o prazer que o incidente produziu.
Lula se aproxima de Chavez e Ahmadinejad?  Bom,... melhor ficar esperto e ver afinal quem é que manda no pedaço!
O Brasil está envolvido num processo pelo qual busca, talvez com acerto, ocupar de fato o papel de uma liderança regional.  Para que isso ocorra, os interesses devem ficar claros e as vezes, serão divergentes com a grande potência do norte.  Para Washington o fortalecimento do Brasil deve ser um contraponto à influência do chavismo na AL, e não constituir-se num outro foco de atrito.
Daí que é importante o fortalecimento institucional, econômico e militar do Brasil, mesmo que contraditoriamente ocorra um crescimento das divergências entre Brasília e Washington.  Basta lembrar que a poucos meses houve muito incômodo da diplomacia brasileira e regional com o acordo de cessão de bases colombianas para uso das forças norte-americanas.
Alguém imagina que o Brasil venha a ficar à reboque de Caracas e do presidente Chavez?  E se ocorrer, isso será permanente?
A sociedade civil, o ambiente de liberdade de crítica e o póprio fortalecimento dos meios militares - exigindo mais e mais profissionalização dos mesmos e menos politização - são garantias de médio e longo prazo para a autonomia da nossa política externa.
Mas as ambições brasileiras estão atreladas ao nível de desenvolvimento e posse dos meios necessários para sustentar estas ambições, e mais que isso, as responsabilidades.
O Haiti é um teste e ainda não se completou.