Uma das perguntas propostas na avaliação dos alunos abordava o sandinismo na Nicarágua e sua experiência socialista, e aí surgiu o debate entre os professores de Geografia: para um foi efetivamente um regime socialista, para outro, não. Neste caso, era qualificado como um regime popular e não socialista.
Este que escreve ponderou que o regime sandinista sempre foi colocado no rol dos regimes socialistas, embora, considerando-se que as experiências socialistas são plurais e concebem diversas configurações específicas foi uma forma de socialismo original em suas perspectivas e desenvolvimento.
Senão vejamos.
O regime sandinista reproduziu a experiência cubana da tomada do poder pela via da guerra revolucionária. Porém, implementou um regime político pluripartidário com uma oposição organizada e eleições, o que foi responsável inclusive pela remoção dos mesmos sandinistas do poder, em 1990.Mas então onde podemos identificar a presença ou a inspiração socialista da revolução proposta pela FSLN (Frente Sandinista de Libertação Nacional)?
- Uma guerra popular prolongada;
- A formação de uma organização partidária enfatizando a organização política de uma oposição;
- E a chamada via insurrecional, com ações militares destinadas a isolar as cidades e assumir o controle das mesmas.
Com a vitória dos sandinistas, em 19 de julho de 1979, o novo governo procurou estabelecer as bases para a implantação do socialismo no país. Para tanto, e portanto a razão do debate acima, vamos apontar os seguintes itens:
- Organizou-se a chamada Área de Propriedade do Povo a partir dos bens da família Somoza e seus aliados, que foram confiscados pelo novo governo, além da nacionalização dos setores bancário, financeiro, extração de minérios e o comércio exterior, além de empresas descapitalizadas pelo abandono ou fuga dos proprietários. Em 1993 a APP correspondia a 45% do PIB.
- A economia era mista, coexistindo um setor público, um privado (22% do PIB em médias e grandes propriedades capitalistas segundo dados de 1993) e um segmento cooperativado que detinha 33% da riqueza nacional pelos mesmos dados. Assim, era uma economia que comportava a existência simultânea do capitalismo, da estatitazação e um amplo setor cooperativado agrícola.
- Expandiram-se a sindicalização (138 sindicatos para 1200 em 1983, com 35% da população ativa), a escolarização geral e a erradicação do analfabetismo, construção de escolas e contratação de professores, o ensino técnico, além das políticas saociais de saúde e seguridade.
- O não-alinhamento proposto inicialmente pelos sandinistas foi bloqueado pela militarização da diplomacia norte-americana após a vitória de Ronald Reagan. O incremento das ações militares dos chamados Contras, que passaram a consumir recursos humanos e econômicos cada vez maiores, da ordem de 40% do orçamento nacional de 1993, levaram o governo sandinista a buscar no bloco socialista o seu suporte econômico, político e militar, frente a oposição reacionária dos EUA.
- Isso não impediu que diante das dificuldades econômicas (inflação, carestia, especulação, desabastecimento, etc) o governo de Manágua recorrê-se ao FMI. O que agravou o isolamento crescente do regime devido a aplicação do duro receituário monetarista então vigente. A retração dos índices de crescimento e a expansão das taxas de desemprego, déficit público (25% do PIB) e inflação (33.602% em 1988), foram "tratados" com demissões no serviço público, restrições de crédito, recessão e uma deterioração geral da renda nacional.
- E finalmente, a preservação de um sistema pluripartidário, aí incluído um Partido Comunista (!) e de uma imprensa de oposição, contemplava obviamente a alternância no poder - apesar da crescente fusão da FSLN com o Estado com o aparelhamento do Exército e da TV pelos sandinistas, contraditóriamente.
Entendo portanto ser uma falsa questão discutir se o regime sandinista foi ou não socialista, ou se foi mais um regime popular que propriamente socialista. Entre a proposta e o que efetivamente aconteceu, ficaram as questões mais imediatas.
A ideia da chamada Área de Propriedade Povo não era hegemônica e permitia, a exemplo da Nova Política Econômica de Lênin na Rússia dos anos 20 ou a Perestróika de Gorbachev nos 80, uma coexistência estatal-privada (com o predomínio da primeira). E no campo, aí sim hegemônico, um setor cooperativado agrícola convivia com propriedades privadas e estatais.
O que ele foi, acabou condicionado pelas questões externas (Nova Guerra Fria e crescente crise dos regimes socialistas) e a retomada da guerra interna, com seus desdobramentos políticos e econômicos. E assim, distante da teoria ou dos projetos, a revolução sandinista apontou seu próprio caminho para a superação dos impasses, arcando assim com seus êxitos e ônus
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