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sábado, 31 de março de 2012

Brasil adota rumo diferente de vizinhos na revisão do regime militar


Atualizado em  30 de março, 2012 - 05:02 (Brasília) 08:02 GMT
Protesto no Rio, na última quinta-feira, contra celebração de militares do aniversário do golpe de 1964 (AP)
Celebração de golpe de 1964, por parte de militares, foi alvo de protestos no Rio
O Brasil tem adotado um caminho diferente de seus vizinhos ao tratar de crimes políticos cometidos durante o regime militar. Enquanto o Brasil mantém a anistia ampla, geral e irrestrita e o caminho para a criação da Comissão da Verdade, a Argentina, o Uruguai e o Chile reabriram processos contra os acusados de crimes durante o período.
Na quinta-feira, o Supremo Tribunal Federal (STF) adiou a análise de um recurso da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) que questiona a validade da lei da anistia, o que poderia aproximar as ações do Brasil das de seus vizinhos do Cone Sul. No mesmo dia, uma celebração do golpe de 1964, por parte de militares aposentados no Rio, foi alvo de protestos.
O ex-ministro da Justiça e atual secretário de Direitos Humanos de São Paulo, José Gregori, entende que a anistia no Brasil teve apoio da sociedade e hoje a democracia brasileira é "mais sólida" que a da Argentina, onde os processos do regime militar foram reabertos a partir de 2003.Especialistas ouvidos pela BBC Brasil têm opiniões divergentes sobre os fatos no Brasil e na vizinhança.
A presidente da ONG Tortura Nunca Mais, Cecília Coimbra, acha que o Brasil está "dez passos atrás da Argentina". Para ela, a Argentina tem dado exemplo de como lidar com a questão, incluindo medidas judiciais e iniciativas como o "escrache" (manifestação para expor publicamente acusados por crimes) dos responsáveis por tortura no Brasil.
O "escrache", inspirado em ações semelhantes na Argentina, tem levado jovens brasileiros a escrever "aqui mora um torturador" na porta das casas dos acusados.
Para Gregori, essa forma de protesto é perigosa. "Hoje são torturadores, mas depois podem ser aqueles que foram comunistas, como ocorreu com o macartismo (inspirado nas ideias de um senador americano contrário aos comunistas). Esse tipo de ação não ajuda a democracia brasileira", disse.
Na opinião do secretário José Gregori, o processo democrático no Brasil é parecido com o da África do Sul, onde, para ele, a opção foi pela paz e não pelo conflito interno.
Solenidade na qual a presidente Dilma Rousseff sancionou a lei que cria a Comissão Nacional da Verdade e a Lei de Acesso a Informações Públicas (Foto: Wilson Dias/ABr)
Dilma sancionou Comissão da Verdade e Lei de Acesso a Informações Públicas
O professor chileno de Ciências Políticas Guillermo Holzmann diz que o Brasil foi o único país da região que "manteve" a anistia ao longo dos vários governos democráticos, incluindo o de Dilma Rousseff.

Processo democrático

Segundo Gregori, no inicio do processo democrático os países da região implementaram anistias, mas depois foram mudando.
"No Brasil, a anistia é geral e irrestrita, teve o apoio da sociedade brasileira, e foi uma das bases para a Constituição de 1988 e da nova democracia do país. A anistia vai continuar existindo", disse o ex-ministro.
"Na Argentina houve anistia e no caminho eles mudaram (as regras). Tenho a maior paixão pela Argentina, mas acho que a nossa democracia no momento está no nível de maior avanço que a deles. Nosso processo de democracia é mais solido", afirmou Gregori.
Para ele, o Brasil atualmente precisa enfrentar outras questões ligadas aos direitos humanos, como a exclusão social num momento de crise internacional. Gregori foi ministro no governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e, no cargo, recordou, se empenhou para que fosse criada a Comissão da Verdade e pela aprovação da lei que reconheceu que os desaparecidos políticos (estimados em 500) eram juridicamente mortos.
"Com esta lei de mortos e desaparecidos, as famílias puderam entrar com o pedido de inventário. Na realidade o meu projeto, que se tornou lei, veio complementar a Lei de Anistia. Eu acho que a lei da anistia foi um dos consensos que permitiu a democracia no Brasil", afirmou.
Ele observou que nos últimos anos o Brasil tem sido governado – tanto nos governos municipais, como estaduais e federal - por aqueles que foram "perseguidos" no regime militar.
Para Gregori, ao elegerem Fernando Henrique Cardoso (1995-2003), Lula (2003-2011) e Dilma Rousseff, os eleitores brasileiros confirmaram a opção pelo fortalecimento democrático e "coerência".

Comissão

AMÉRICA DO SUL

CHILE
Em 1978, na época do regime militar no Chile, foi promulgado um decreto de anistia que perdoava os crimes dos agentes do próprio Estado. Com o retorno da democracia, a partir de 1990, a Justiça decidiu limitar a anistia ao declarar crimes contra a humanidade – que não prescrevem. Os casos de desaparecidos políticos continuam abertos e, nos casos em que as vítimas já foram identificadas, seus responsáveis estão presos. O processo democrático após o regime de Augusto Pinochet começou com um plebiscito popular que optou pelas eleições. Durante 1990 e 2004, em três governos, foram criadas varias comissões para apurar a verdade dos anos de Pinochet. Mas Pinochet foi somente condenado por evasão de impostos e não pelos crimes da ditadura.
ARGENTINA
A Argentina foi o primeiro país da região a levar os líderes do regime militar ao banco dos réus. O ex-presidente Jorge Rafael Videla e outros foram condenados no governo do então presidente Raúl Alfonsín. Mais tarde, Alfonsín assinou uma espécie de perdão aos militares de menor escalão, e anos depois o ex-presidente Carlos Menem indultou os ex-líderes militares e ex-guerrilheiros. As iniciativas do governo Alfonsín ficaram conhecidas como leis de Obediência Devida e de Ponto Final e, junto com os indultos, conhecidas como 'leis de impunidade'. A partir de 2003, no governo do ex-presidente Nestor Kirchner, as investigações sobre os crimes do regime militar foram reabertas e os militares beneficiados com aquelas leis condenados e presos. Vários processos continuam sendo realizados. A reabertura dos casos foi possível depois que a Suprema Corte de Justiça declarou as leis nulas.
URUGUAI
O regime militar no Uruguai terminou em 1985 e a fórmula jurídica local não foi anistia. Foi a chamada 'lei de caducidade', de 1986, e que ainda está em vigor. Nela, o Estado se "inibe a investigar e a punir os crimes da ditadura". Em dois plebiscitos – em 1989 e em 2009 – os uruguaios votaram pela manutenção da lei. O mesmo ocorreu em uma votação no Congresso Nacional. Mas a lei tem um artigo que permite que o presidente tome a iniciativa para que a Justiça investigue e condene acusados daqueles crimes. Foi o que permitiu o governo do ex-presidente Tabaré Vázquez levar acusados ao banco dos réus, incluindo o ex-presidente Juan María Bordaberry, que foi condenado. No Uruguai, houve comissão da verdade para se ter informação sobre desaparecidos políticos e ainda hoje são realizadas buscas das ossadas das vitimas daquele período.
Gregori afirmou ainda que a Comissão da Verdade, projeto do governo Lula e reafirmada na atual gestão, contou com "consenso" parlamentar e significa "um passo a mais" na democracia brasileira.
"A comissão não tem poderes para julgar ou para prender alguém. Mas pode ter mais acesso do que outra entidade e ouvir depoimentos no sentido de trazer informação sobre o que ocorreu. Ainda há muita coisa para se esclarecer, muita coisa nebulosa", disse Gregori.
Para ele, falta ser esclarecido, por exemplo, se havia "hierarquização" das ordens para prender e torturar ou se as iniciativas eram originadas na própria cadeia.
Gregori defendeu mais transparência sobre o que ocorreu, o que será possível através da Comissão da Verdade, mas disse ser contra qualquer intenção de "ajuste de contas", como sugeriu perceber nos vizinhos.
A presidente da ONG Tortura Nunca Mais apoiou a ação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) solicitando que os crimes de tortura sejam excluídos da anistia, por serem "crimes comuns", criticou as "limitações" da Comissão da Verdade e disse que o "escrache", inspirado na Argentina e no Chile, é uma forma legítima de protesto.
"Como a OAB, nós entendemos que os crimes de sequestro e de tortura não prescrevem", disse.
Para ela, o Brasil "exportou" métodos de tortura para os países vizinhos, como o "pau de arara", mas hoje é "o mais atrasado" da região na apuração do que ocorreu.
"O Brasil está dez passos atrás da Argentina. O Brasil é o mais atrasado (da região)", disse. Na sua opinião, a reparação às vítimas e seus familiares não deve ser somente financeira.
"A sociedade de modo geral não tem informação sobre o que aconteceu e silenciou (sobre a anistia). Hoje, acho que a juventude que realiza a execração pública dos torturadores está certa e me emociona", disse.
Ela recordou que o Brasil foi condenado pela Comissão de Direitos Humanos da OEA a investigar o que ocorreu.
"O prazo era dezembro de 2011 e por isso foi criada a Comissão da Verdade, mas com limitações", disse.
Gregori acha que a Comissão "não conhece o Brasil" já que, na sua visão, o país tem avançado nesta área.

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