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Crise finalmente começa a afetaras
conquistas sociais do país, mas sociedade começa a se mobilizar e exigir
mudanças
Três dos símbolos nacionais mais famosos
do país: o Monte Fuji, o trem-bala e as cerejeiras locais sakura
Na década de 1980, o Japão era o dragão do
mundo. Toda nova tecnologia – automóveis, aparelhos, câmeras, equipamento
médico e novos sistemas de gestão – provinha de lá. Depois, o país começou a
diminuir o ritmo, até adormecer.
No entanto, seus níveis de produção e
reservas financeiras eram suficientemente altos para que a queda não afetasse
muito o cidadão médio.
Apesar de a Sony ser substituída pela
Apple e agora a China ter a imagem do dragão, após ultrapassá-lo como a segunda
economia mundial, a qualidade de vida dos habitantes do Japão supera a de quase
todos os demais países.
Mas agora se começa a tomar consciência de
que os êxitos sociais podem ser afetados se a economia não crescer. A taxa de
desemprego é inferior a 5%, uma magnitude irrisória na Europa, mas sem
precedentes neste país.
No passado, as corporações empresariais
asseguravam aos seus dependentes um emprego por toda a vida. Mas já não mais é
assim. O trabalho não está mais garantido e tampouco os jovens conseguem um
emprego imediatamente após se formarem na escola ou na universidade.
O Japão continua sendo um modelo de ruas
imaculadas, ordem, disciplina e de um forte senso cívico, onde a combinação de
xintoísmo (baseado na natureza), budismo (baseado nos êxitos individuais) e
confucionismo (baseado nos êxitos sociais) criou um raro equilíbrio entre
natureza, ser humano e sociedade.
A história milenar desta nação, ao longo
de uma linha ininterrupta de imperadores, pode explicar as diferenças profundas
com a China, que foi para o Japão o que a Grécia foi para Roma.
Contudo, a modernização começa em 1853,
como reação à intervenção da frota norte-americana sob o comando do almirante
Matthew Perry.
Depois da vitoriosa guerra contra a
Rússia, em 1904, que colocou o Japão em pé de igualdade com as grandes
potências, os círculos militares se impuseram e desencadearam uma série de
conflitos regionais, que só terminaram com a derrota na II Guerra Mundial.
Por pressão do general Douglas McArthur,
que comandou por quase todo o período as forças aliadas que ocuparam o Japão
entre 1945 e 1952, foi introduzido o sistema democrático. Porém, o PLD (Partido
Liberal Democrático), que governou o país praticamente sem interrupção desde o
pós-guerra, cada vez mais se converteu em uma máquina política autor
referencial, enquanto os demais partidos não puderam apresentar alternativas
dinâmicas.
Hoje
em dia, o que é novo e perturbador é uma onda nacionalista que criou um
conflito com a China, absolutamente desnecessária, sobre as pequenas ilhas
Senkaku (ou Diayu, para a China).
Três cidades importantes – Tóquio, Nagoya
e Osaka – são governadas por líderes nacionalistas. O prefeito de Osaka
organiza um novo partido nacionalista e o líder do PLD, Shinzo Abe, é um
nacionalista duro. Porém, há uma clara e crescente desconexão entre os
políticos e os cidadãos. Embora esta seja uma tendência global, no Japão ela se
destaca.
Os japoneses estão habituados a conviver
com terremotos e tsunamis. O extraordinário esforço de reconstrução da cidade
de Kobe, demolida em 1995 por um grande terremoto que causou 5.100 mortes, foi
aclamado pelo mundo como exemplo de resiliência e solidariedade social.
Entretanto, o terremoto de março de 2011 e
o consequente tsunami criaram um desafio sem precedentes. Mais de 650
quilômetros de costa no nordeste do país foram devastados e cerca de 20 mil
pessoas morreram. O custo estimado dos danos chega a 200 bilhões de dólares,
mas ainda não está claro quanto custará a reconstrução. Basta dizer que,
somente a remoção e reciclagem de seis milhões de toneladas no distrito de
Ishinomaki, um dos muitos da costa, é estimado em 244 bilhões de dólares.
A decadência das instituições políticas é
paralela a um acelerado envelhecimento da população e a certo desânimo do setor
privado.
Assim, pela primeira vez desde a II
Guerra Mundial, percorre a sociedade japonesa um sentido de insegurança sobre o
presente e de incerteza quanto ao futuro.
É particularmente grave que o número de
beneficiários da assistência social governamental tenha chegado a 2,1 milhões
em junho passado, um recorde para este país de 128 milhões de habitantes. Esta
situação causa uma forte impressão, porque revela uma ameaçadora tendência.
Por outro lado, a mobilização da
sociedade civil e o voluntariado estão aumentando. No entanto, talvez, as
reações mais notáveis sejam observadas nas mulheres, que se mostram cada vez
mais independentes. Elas já não veem o casamento como necessário e não
consideram o homem como seu destino primário. Uma reação extrema se nota em
muitas jovens que se vestem e atuam de maneira extravagante e provocadora, em
aberto desafio ao tradicionalismo japonês.
É difícil discernir se estas novas forças
poderão bastar para equilibrar a queda das instituições políticas e o
envelhecimento do setor privado, mas esta é a esperança mais consistente à qual
o Japão de hoje pode se aferrar.
(*) Roberto Savio, fundador e presidente
emérito da agência de notícias IPS (Inter Press Service) e editor do Other
News. Texto originalmente publicado pelaIPS e veiculado em português no
Envolverde.
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