São Paulo – A três dias de sua realização, o leilão do
campo de Libra ainda está longe de consenso. Primeiro do pré-sal a ser
licitado, sob o regime de partilha, o pregão marcado para o próximo dia 21, no
Rio de Janeiro, deverá ter entre dois e quatro consórcios, conforme previsões
do ministro das Minas e Energia, Edison Lobão. No total, 11 empresas se
habilitaram para participar e nove depositaram garantias para a operação.
Para especialistas que apoiam o governo, o país
precisa tirar o atraso da exploração do maior campo petrolífero descoberto nos
últimos anos e começar a extrair junto com o petróleo, o quanto antes, recursos
para o financiamento de diversos setores, em especial da educação e da saúde.
Movimentos sindicais, como a CUT, a Federação Única dos
Petroleiros (FUP) e outros setores organizados da sociedade continuam
promovendo manifestações e atos pelo cancelamento, por considerarem que a
licitação fere a soberania nacional e beneficia as petroleiras estrangeiras em
detrimento dos interesses nacionais. Além do cancelamento, defendem a discussão
de um novo regime de exploração.
Presidente do Instituto de Eletrotécnica e Energia da
Universidade de São Paulo (IEE/USP), professor na mesma universidade e
especialista em fontes energéticas, Ildo Sauer faz coro aos que defendem o
cancelamento do leilão. Para ele, a licitação fere a soberania brasileira
especialmente pela subordinação aos interesses americanos e chineses, que
buscam a redução do preço do petróleo a médio e longo prazo.
De acordo com ele, os países produtores levaram 50
anos para se organizarem de forma coesa em torno da Organização dos Estados
Produtores de Petróleo (Opep) para elevar o preço. "Hoje a Rússia e os
países da Opep estão coordenando o ritmo de produção para manter o preço
elevado. Quando o governo outorga um leilão que tem regras contratuais de alta
produção no menor prazo possível para um campo gigantesco como Libra,
equivalente a tudo que a Petrobras já produziu, significa se subordinar a
interesses dos Estados Unidos e China, que buscam novas fontes de energia em
todo o mundo e a queda dos preços para continuar bancando a opulência de seu
povo e de seu sistema de produção", opina Sauer.
Ele critica ainda a falta de debate com a sociedade em
torno da proposta de leiloar o campo. Segundo ele, a discussão sobre a
distribuição dos royalties, que "colocou estados em guerra", foi
estimulada para tirar Libra do centro do debate.
Para ele, é preocupante ainda o fato de o óleo
excedente que for extraído de Libra (leia quadro abaixo) vir a ser transformado
em moeda, depositada em fundos no exterior. "O petróleo deve ser retirado
exclusivamente pela Petrobras sob medida para atender investimentos nos
diversos setores. A reserva de petróleo oferece mais segurança do que essas
moedas. Só mesmo a incompetência ou razões obscuras, impublicáveis, explicam o
fato de governo fugir da sua responsabilidade de defender o interesse
nacional". De acordo com Sauer, essas críticas embasam uma Ação Civil
Pública que deverá ser protocolada nesta sexta-feira
Conforme Sauer, o governo deveria buscar outras fontes
de recursos para equilibrar suas contas, como a contratação exclusiva da
Petrobras para produzir Libra e a assinatura de parceria internacional entre o
governo brasileiro e a China, Índia e outros parceiros.
Os chineses, conforme defende, receberiam petróleo a
80% ou 90% do preço internacional em troca da antecipação do investimento
necessário para equilibrar as contas externas do Brasil. Como Libra vai
produzir cerca de 2 milhões de barris por dia, são 700 milhões por ano. Se
vender o petróleo a US$ 90 por barril, com custo de produção de US$ 20, sobram
US$ 70 por barril. Estão em jogo, segundo ele, US$ 50 bilhões por ano, ao longo
de 20 anos, em se confirmando as reservas esperadas de 15 bilhões de barris.
"Com US$ 50 bilhões anuais é possível manter as contas externas com aporte
de US$ 10 ou 15 bilhões em moeda, os outros US$ 35 ou US$ 40 bilhões pode usar
para investir em infraestrutura", defende.
Metrobras
Sauer sugere ainda a criação da Metrobras, que
operaria os metrôs de todas as cidades com mais de 500 mil habitantes no país.
O país poderia firmar parcerias, por exemplo com a China, para criar fábricas
de trens no Brasil e o controle do ritmo de produção do petróleo coordenado
juntamente com a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep).
No seu entender, há uma ameaça geopolítica dos Estados
Unidos contra a organização e contra a Rússia para difundir tecnologias como as
chamadas Shale Gas e Shale Oil (leia abaixo). "A autossuficiência
americana por meio do Shale é passageira e o papel do Brasil é nocivo para os
países que querem extrair renda do petróleo, grupo no qual o país pretende
entrar", afirma.
Razões para o leilão
Já o defensor da licitação de Libra, o economista
Marcelo Simas, professor do Instituto de Geociências da Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ), afirma sobrarem razões econômicas e geopolíticas para a
licitação imediata do campo. Primeiro, porque o Brasil precisa dos recursos
advindos dos bônus de assinatura para fechar suas contas.
Segundo, diz Simas, porque a capacidade de
investimentos da Petrobras esta comprometida, levando à necessidade de
parceiros com grande capacidade de investimento, como as três petroleiras chinesas
que confirmaram participação no leilão (CNOOC, CNPC e Sinopec).
E terceiro, porque graças ao Shale Oil e Shale Gas,
como ele acredita, os Estados Unidos passarão de potenciais compradores do
petróleo do pré-sal para suprir sua demanda diária de 18 milhões de barris à
posição de autossuficiência e até de exportadores de óleo e gás num futuro
próximo.
Autossuficiência americana
"Como alternativa de superação da crise, o
governo americano passou a estimular a produção desses hidrocarbonetos não
convencionais, extraídos do xisto betuminoso, que proporcionam derivados de
melhor qualidade e maior rendimento", diz. "Com isso, já em 2016 os
americanos serão autossuficientes. Em 2020, 2025, serão independentes do
petróleo externo e em 2025 vão deixar de comprar dos países sauditas, o que
muda completamente a geopolítica do setor. Vão restar como grandes compradores
do pré-sal a China e a Índia, que utilizam também outras fontes, como o
carvão”.
Além disso, segundo destaca, há aumento da produção
petrolífera nas costas ocidental e oriental da África, no México, que está se
preparando para pôr fim ao monopólio, sem contar os crescentes investimentos em
fontes alternativas de energia, como eólica e bioenergia, que aumentam a
participação dessas fontes limpas no mercado de energia.
Simas destaca ainda as dificuldades para a extração do
petróleo no pré-sal, que está a 300 quilômetros da costa, a 7 mil metros de
profundidade. De acordo com ele, são necessários investimentos da ordem de R$
200 bilhões, fora aplicação em logística. Apesar dos investimentos que a
Petrobras vem fazendo, a malha de gasodutos brasileira ainda é pequena, com 10
mil quilômetros.
Para o professor da UFRJ, o Brasil também acerta ao
abrir 70% de Libra a empresas estrangeiras considerando questões geopolíticas e
de segurança. "É como se o país fosse uma fazenda cheia de gado, rodeada
de pessoas esfomeadas. Se for feito um churrasco sem convidá-los, é grande a
chance de a festa ser invadida”, compara.
"Outro aspecto é a localização do pré-sal bem
próxima ao limite das 200 milhas marítimas brasileiras, praticamente em águas
internacionais. "Tanto que o Brasil está pleiteando junto à Comissão de
Limites da Plataforma Continental (CLPC) da Convenção das Nações Unidas sobre o
Direito do Mar (CNUDM) o aumento da sua zona econômica exclusiva de 200 para
350 milhas".
Ganhos da União
Haroldo Lim, ex-diretor geral da Agência Nacional do
Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), entende que o leilão é favorável
aos interesses do país. Na partilha, conforme explica, paga-se o custo da
extração do óleo e os royalties com parte do petróleo extraído. O excedente –
ou lucro do óleo – será partilhado entre a empresa ou consórcio contratado e a
União. "Quem se comprometer em dar a maior parcela desse excedente ganha o
leilão, sendo que o mínimo que pode ser aceito, segundo o edital, é
41,65%", diz.
Para ele, no formato proposto pelo edital o Brasil
terá grandes vantagens. Se o consórcio vencedor não der à União nada além do
mínimo exigido, a participação pública no óleo ficará em 75%, segundo estudo da
ANP divulgado em reunião da CPI da Espionagem; se a parcela do excedente chegar
a 50%, a participação pública irá a 80%, das maiores do mundo. "Hoje, para
os campos maiores, essa participação não chega a 60%, oscilando em torno de 52%
para os demais".
Além disso, segundo Lima, a Petrobras será a operadora
do campo, que acumulará todo o conhecimento da atividade exploratória e
produtiva da área, com 30% do consórcio que vier a vencer. Sem contar a representação da União por meio
de uma empresa 100% estatal, a Pré-Sal Petróleo S.A. (PPSA), com direito a voto
de minerva e poder de veto.
O ex-diretor da ANP considera que a preocupação dos
setores contrários ao leilão quanto a perdas e a desconfiança em relação à
desistência das grandes petroleiras podem ser desfeitas pela análise da
história recente das licitações. Na sexta rodada da ANP, em 2004, que licitou
importantes blocos, as grandes multinacionais do petróleo também não
compareceram.
"Naquela época também surgiu o temor de que o
leilão visava a entregar os valorizados blocos às multinacionais a preço de
banana. Findo o leilão, verificou-se que a Petrobras, sozinha ou com sócios,
ficou com 94% dos blocos localizados no mar, onde estavam os mais valiosos, e
que as multinacionais do petróleo, a quem supostamente esses blocos seriam
doados, nem apareceram no leilão. Só uma apareceu e disputou três blocos em
sociedade com a Petrobras. Os fatos desmentiram os temores”, diz.
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