Moscou se opõe às atuais opções do envio de tropas estrangeiras para a Síria para combater os terroristas do EI (Estado Islâmico). Mas isso não significa que a Rússia não se sinta ameaçada por esse grupo.
A organização terrorista continua ocupando não apenas partes da Síria e do Iraque, mas também as manchetes da mídia mundial. A destruição de cidades, a aniquilação física de cristãos e curdos, a imposição de leis medievais bárbaras nos territórios ocupados –o grupo levou todos estes problemas para o Oriente Médio. Vendo tudo isso na televisão e nas páginas dos jornais, os cidadãos do Ocidente exigem que seus próprios governos destruam o EI e levem, pelo menos, um pouco de paz para a região.
Os líderes dos Estados Unidos e da Europa escutam essas vozes e desenvolvem os planos necessários da operação terrestre para a derrota final do EI, porque entendem que se os terroristas não forem travados no Oriente Médio, eles criarão no futuro sérios problemas em seus próprios países. No entanto, a voz da Rússia soa isolada –Moscou exige que essa operação seja ratificada pelo Conselho de Segurança da ONU ou feita com o expresso consentimento do governo sírio.
Iraque receberá ajuda militar contra o Estado Islâmico
Na Rússia vivem cerca de 10 milhões de muçulmanos. De acordo com diferentes fontes e estimativas, teremos de centenas a vários milhares de muçulmanos russos "estagiando" nas fileiras do EI que, no final da guerra, podem regressar para casa e tentar organizar a jihad em sua própria terra. Alguns representantes do EI já disseram publicamente que depois da Síria irão "libertar" a república tchetchena das autoridades russas.
Diferenças
No entanto, em primeiro lugar, esse caldeirão cultural de algum modo funciona na Rússia. Ao contrário da Europa, nas principais cidades da região central do país não existem guetos culturais e étnicos e, portanto, elas não se tornam terreno fértil para a propagação de ideias radicais islâmicas. Em segundo lugar, na Rússia não existe aquela absoluta tolerância excessiva que prevalece no Ocidente em relação às manifestações da "cultura de diferentes povos".
Finalmente, em terceiro lugar, durante as operações de intervenção no Cáucaso, os serviços especiais russos adquiriram valiosa experiência na luta contra o radicalismo islâmico. Assim, ao contrário da Europa, onde, no futuro, o retorno dos "estagiários jihadistas" da Síria e do Iraque poderá levar a tumultos em grande escala entre a comunidade imigrante, na Rússia eles podem ameaçar apenas com atos isolados de terrorismo.
No entanto, muito mais grave em Moscou acreditam ser a ameaça indireta. Ao sul da Rússia existem cinco grandes Estados islâmicos da Ásia Central –o Tadjiquistão, o Uzbequistão, o Cazaquistão, o Quirguistão e o Turquemenistão– e mais um outro no Sul do Cáucaso (o Azerbaijão). No total, são cerca de 65 milhões de muçulmanos que estão longe de viverem em condições de democracia e respeito pelas liberdades civis. E se em alguns desses países (Turquemenistão, Azerbaijão, Cazaquistão) as autoridades conseguem atenuar o descontentamento popular pelo seu autoritarismo através do crescimento do bem-estar dos seuscidadãos, a situação econômica dos outros três países está longe de ser ideal.
A população anseia por justiça social e, uma vez que os líderes desses países eliminam do campo político os concorrentes seculares, as pessoas se voltam para a sua única alternativa –o Islã político. No Uzbequistão, no Tadjiquistão e no Quirguistão existe um movimento terrorista clandestino bastante forte que tem centenas de seus membros lutando agora nas fileiras do EI. Depois de receberem experiência prática consistente e voltarem para casa, eles vão radicalizar os ânimos sociais em seus próprios países e, em caso de qualquer choque grave, conseguiriam desestabilizar seriamente a situação em vários países.
Para a Rússia, essa é uma ameaça muito séria, já que ela tem fronteira aberta com esses países e acolhe centenas de milhares de imigrantes do Uzbequistão, do Quirguistão e do Tadjiquistão, que trabalham em cidades russas e circulam livremente no seu território.
Motivos
A recusa do governo russo em apoiar a ideia de uma operação terrestre ilegítima na Síria se deve, principalmente, ao fato de Moscou não querer resolver problemas por via do agravamento de outros. O Kremlin entende que a invasão terrestre da Síria por parte da Turquia ou dos Estados Unidos poderia muito provavelmente levar a uma tentativa de, ao mesmo tempo em que se elimina o EI, aproveitar para derrubar o regime de Bashar al-Assad.
Um golpe em Damasco não só privaria Moscou de seu aliado e transformaria a Síria em um viveiro do islamismo no Oriente Médio, como poderia, por sua vez, causar uma verdadeira guerra global na região, envolvendo o Irã, os Estados Unidos, Israel, Turquia e Arábia Saudita.
Contrariamente à crença popular de que essa guerra seria rentável para a Rússia (já que supostamente aumentaria o preço do petróleo), é óbvio que a sua consequência seria uma crise econômica global bem mais grave, assim como a desestabilização da situação no Cáucaso do Sul e na Ásia Central. E para a resolução imediata dessa desestabilização, a Rússia, que está agora ocupada com os assuntos da Ucrânia, pode simplesmente não ter recursos suficientes.
Guevorg Mirzaian é pesquisador do Instituto dos EUA e Canadá da Academia Russa de Ciências
http://br.rbth.com/opiniao/2014/10/16/o_perigo_que_o_estado_islamico_representa_para_a_russia_27855.html
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