FUNDAÇÃO
EDUCACIONAL DUQUE DE CAXIAS – FEUDUC
FACULDADE
DE FILOSOFIA CIÊNCIAS E LETRAS DE DUQUE DE CAXIAS
Centro
de Pós-graduação, Especialização e Aperfeiçoamento – CEPEA
Departamento
de História
Curso
de Pós-graduação Lato Sensu: História e Cultura Africana(s) e Afro-brasileira(s)
Trabalho
final da disciplina Ensino de História da África e Cultura Afro-brasileira
apresentado ao professor Cláudio Honorato.
Aluno(a): Cláudio de Almeida
Rio
de Janeiro
Outubro
de 2016
Desde longe
cristalizavam-se no imaginário europeu visões negativas acerca do continente
africano e dos povos que lá habitavam.
São exemplares expressões como “Cuidado com a baía de Benin, para cada
um que dali sai, vinte ali tem fim” que enfatizava o caráter de lugar
fervilhando de doenças, “a terra mais enferma que há” disse um
missionário¹. Tais visões pejorativas
foram reforçadas posteriormente à medida em que as teorias atribuíam às
diferenças biológicas o que antes era fruto de justificações religiosas: dos
amaldiçoados filhos de Cã à inferioridade racial das populações negroides
apenas se transitava da crendice ao cientificismo da biologização das relações
sociais. Outrossim, as visões
eurocêntricas enxergavam a África e os africanos como um todo unidos pelo
preconceito do branco europeu ou ocidental em relação ao outro.
Por sobre séculos de violência,
exploração e desencontros, populações, culturas e trajetórias foram sendo
niveladas por uma visão totalizante, idealizada e imprecisa onde pensar a
África e seus povos, significava pensar não no plural, mas no singular. Da costa berbere ao extremo sul, da Costa do
Ouro à Etiópia, tudo era cristalizado num estereótipo reducionista. Hoje, superar esta visão, torna-se mister
quando se busca reafirmar as diferenças, enriquecendo e complexificando as
abordagens sobre o tema. Assim sendo,
descortinar esse painel como um mosaico, e não como uma expressão monocromática
ou monotemática, é reforçar a necessidade do pluralismo, seja cultural,
confessional, econômico, histórico etc.
Dentro desta visão multifacetada que
urge revelar, que temos a inciativa decorrente da lei 10.639/03. Ao enfatizar a necessidade de uma História da
África e das africanidades, busca-se trazer para o cotidiano das relações
sociais e da vivência política étnico-cultural a percepção da existência do
outro e a necessidade de lidar com as diferenças de forma democrática,
multicultural e até intercultural. Ver o
outro é criar a oportunidade de se ver, também, como um sujeito histórico;
rejeitar a visão estreita do etnocentrismo é desenvolver, de forma saudável, a
alteridade. E nisso a História tem um
papel fundamental.
A História não pode, porém, a
pretexto de se rever as visões consolidadas, incorrer na armadilha de trocar um
conjunto de representações distorcidas por outro. Ou seja, aceitar que as análises, críticas em
relação por exemplo ao caráter passivo dos escravizados, sejam “sequestradas” por
um discurso que se nutre da necessidade de superar defasagens – reais e
históricas – criando todo um outro conjunto de estereótipos, por razões
políticas ainda que legítimas, me parecem pouco contribuir para produzir uma
visão real acerca do que houve. Exaltar
a revolta dos malês, na Bahia oitocentista como manifestação de resistência
libertária dos negros, e assim apropriada pelo movimento negro contemporâneo,
implica ocultar o seu caráter mantenedor do próprio escravismo.
É fundamental que a academia tenha
condições de propor e explorar temas correlatos em função da desconstrução
daquilo que existe como senso comum em relação aos escravizados e suas
dinâmicas de vida. Cito por exemplo o
conceito de brecha camponesa: tema já mais que explorado por historiadores, e
que tem se diversificado em inúmeras situações relacionais no binômio
senhor/escravo. Esta contribuía não só para descomprimir um sistema que tinha
na violência física e moral um caráter nuclear, mas se apresentava sob inúmeras
configurações acomodando as contradições e diluindo as tensões rotineiramente
dialéticas entre o “opressor e o oprimido”.
Ademais portanto, não uma, mas
diversas brechas existiam no interior do sistema escravista colonial/imperial
luso e brasileiro tais como a coartação, o apadrinhamento nas fugas ou
castigos, greves, quilombos urbanos, o acúmulo de pecúlio pelos escravos de
ganho ou que faziam o comércio de retalhos, autorizações para escravos
transportarem e venderem sua produção em carros e barcos dos senhores, etc.²
Ressalvando-se,
portanto que, longe do estereótipo anômico e passivo dos escravizados, existia
um sujeito histórico ativo capaz de desenvolver refinadas estratégias de
convívio, sobrevivência e libertação podemos redefinir, a visão acerca da escravidão. Entender que apesar de toda a violência intrínseca à escravidão aqueles
indivíduos desenraizados, violentados e mercantilizados, foram, ainda assim capazes
não só de viver, mas sobreviver e superar seus traumas, medos e violência
cotidiana, convertendo a escravidão em espaço de negociação.
NOTAS
¹
ALENCASTRO, Luiz Felipe de. O Trato dos
Viventes – Formação do Brasil no Atlântico
Sul. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. 1ª Reimpressão. P. 55.
² PAIVA, Eduardo França. Escravidão e Universo Cultural na Colônia:
Minas Gerais, 1716- 1789. Editora UFMG, 2001.
LIBBY,
Douglas C. A Escravidão no Brasil. Editora Moderna. São Paulo, 2000, p. 45.
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