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quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

A África no Plural



FUNDAÇÃO EDUCACIONAL DUQUE DE CAXIAS – FEUDUC
FACULDADE DE FILOSOFIA CIÊNCIAS E LETRAS DE DUQUE DE CAXIAS
Centro de Pós-graduação, Especialização e Aperfeiçoamento – CEPEA
Departamento de História
Curso de Pós-graduação Lato Sensu: História e Cultura Africana(s) e Afro-brasileira(s)









Trabalho final da disciplina Ensino de História da África e Cultura Afro-brasileira apresentado ao professor Cláudio Honorato.





Aluno(a): Cláudio de Almeida









Rio de Janeiro
Outubro de 2016








                Desde longe cristalizavam-se no imaginário europeu visões negativas acerca do continente africano e dos povos que lá habitavam.  São exemplares expressões como “Cuidado com a baía de Benin, para cada um que dali sai, vinte ali tem fim” que enfatizava o caráter de lugar fervilhando de doenças, “a terra mais enferma que há” disse um missionário¹.  Tais visões pejorativas foram reforçadas posteriormente à medida em que as teorias atribuíam às diferenças biológicas o que antes era fruto de justificações religiosas: dos amaldiçoados filhos de Cã à inferioridade racial das populações negroides apenas se transitava da crendice ao cientificismo da biologização das relações sociais.  Outrossim, as visões eurocêntricas enxergavam a África e os africanos como um todo unidos pelo preconceito do branco europeu ou ocidental em relação ao outro.
            Por sobre séculos de violência, exploração e desencontros, populações, culturas e trajetórias foram sendo niveladas por uma visão totalizante, idealizada e imprecisa onde pensar a África e seus povos, significava pensar não no plural, mas no singular.  Da costa berbere ao extremo sul, da Costa do Ouro à Etiópia, tudo era cristalizado num estereótipo reducionista.  Hoje, superar esta visão, torna-se mister quando se busca reafirmar as diferenças, enriquecendo e complexificando as abordagens sobre o tema.  Assim sendo, descortinar esse painel como um mosaico, e não como uma expressão monocromática ou monotemática, é reforçar a necessidade do pluralismo, seja cultural, confessional, econômico, histórico etc.
            Dentro desta visão multifacetada que urge revelar, que temos a inciativa decorrente da lei 10.639/03.  Ao enfatizar a necessidade de uma História da África e das africanidades, busca-se trazer para o cotidiano das relações sociais e da vivência política étnico-cultural a percepção da existência do outro e a necessidade de lidar com as diferenças de forma democrática, multicultural e até intercultural.  Ver o outro é criar a oportunidade de se ver, também, como um sujeito histórico; rejeitar a visão estreita do etnocentrismo é desenvolver, de forma saudável, a alteridade.  E nisso a História tem um papel fundamental.
            A História não pode, porém, a pretexto de se rever as visões consolidadas, incorrer na armadilha de trocar um conjunto de representações distorcidas por outro.  Ou seja, aceitar que as análises, críticas em relação por exemplo ao caráter passivo dos escravizados, sejam “sequestradas” por um discurso que se nutre da necessidade de superar defasagens – reais e históricas – criando todo um outro conjunto de estereótipos, por razões políticas ainda que legítimas, me parecem pouco contribuir para produzir uma visão real acerca do que houve.  Exaltar a revolta dos malês, na Bahia oitocentista como manifestação de resistência libertária dos negros, e assim apropriada pelo movimento negro contemporâneo, implica ocultar o seu caráter mantenedor do próprio escravismo.
            É fundamental que a academia tenha condições de propor e explorar temas correlatos em função da desconstrução daquilo que existe como senso comum em relação aos escravizados e suas dinâmicas de vida.  Cito por exemplo o conceito de brecha camponesa: tema já mais que explorado por historiadores, e que tem se diversificado em inúmeras situações relacionais no binômio senhor/escravo. Esta contribuía não só para descomprimir um sistema que tinha na violência física e moral um caráter nuclear, mas se apresentava sob inúmeras configurações acomodando as contradições e diluindo as tensões rotineiramente dialéticas entre o “opressor e o oprimido”.
            Ademais portanto, não uma, mas diversas brechas existiam no interior do sistema escravista colonial/imperial luso e brasileiro tais como a coartação, o apadrinhamento nas fugas ou castigos, greves, quilombos urbanos, o acúmulo de pecúlio pelos escravos de ganho ou que faziam o comércio de retalhos, autorizações para escravos transportarem e venderem sua produção em carros e barcos dos senhores, etc.²
Ressalvando-se, portanto que, longe do estereótipo anômico e passivo dos escravizados, existia um sujeito histórico ativo capaz de desenvolver refinadas estratégias de convívio, sobrevivência e libertação podemos redefinir, a visão acerca da escravidão.  Entender que apesar de toda a violência intrínseca à escravidão aqueles indivíduos desenraizados, violentados e mercantilizados, foram, ainda assim capazes não só de viver, mas sobreviver e superar seus traumas, medos e violência cotidiana, convertendo a escravidão em espaço de negociação.


NOTAS
¹ ALENCASTRO, Luiz Felipe de.  O Trato dos Viventes – Formação do Brasil no  Atlântico Sul. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. 1ª Reimpressão. P. 55.
²  PAIVA, Eduardo França.  Escravidão e Universo Cultural na Colônia: Minas Gerais, 1716-     1789.  Editora UFMG, 2001.
LIBBY, Douglas C.  A Escravidão no Brasil.  Editora Moderna. São Paulo, 2000, p. 45.

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