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domingo, 26 de novembro de 2017

BBC Brasil - Projetado para ser invisível - por que é tão difícil encontrar o submarino argentino?

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Nove dias após a última comunicação feita pelo submarino argentino ARA San Juan, a cada minuto aumenta a sensação de que nenhum dos 44 marinheiros sairá do episódio com vida.
"Encontrá-los vivos já será mais do que um milagre, por causa da reserva de oxigênio (limitada) do submarino", disse à BBC Brasil o engenheiro naval Martín D'Elía, professor da Universidade Tecnológica Nacional (UTN), de Buenos Aires e de Mar del Plata.
Segundo D'Elía, embora tenha havido repetidas comparações. a situação dos marinheiros argentinos confinados na embarcação é "bem diferente" da que foi vivida pelos 33 mineiros chilenos que passaram dezessete dias soterrados em uma mina em 2010.
"Apesar de estarem soterrados na mina, os mineiros chilenos tinham oxigênio. Num submarino como este (ARA San Juan, de 1985), que não é nuclear, o oxigênio tem dias contados", disse o especialista. Segundo ele, se fosse um submarino nuclear e mais moderno, ele teria suprimento de oxigênio suficiente para vários meses.
Na última semana, o porta-voz da Marinha, Enrique Balbi, disse que a reserva de oxigênio do submarino duraria cerca de oito dias, a depender da quantidade de vezes que a embarcação tivesse emergido durante a travessia. "Estamos entrando numa etapa crítica", ele repetiu algumas vezes durante coletiva de imprensa, no início desta semana.

A explosão que aniquilou as esperanças

Nesta quinta-feira, a situação tornou-se ainda mais complexa e "desoladora", como disse o familiar de um marinheiro, quando Balbi confirmou que teria ocorrido uma explosão na área onde o submarino estaria quando fez a última comunicação com a base, na quarta-feira, 15 de novembro.
A comunicação foi feita às 7h30 da manhã e, três horas mais tarde, na mesma região onde estava o submarino, foi registrado "um evento anômalo singular, curto, violento, não-nuclear, consistente como uma explosão", segundo informação dos Estados Unidos ratificada pela Organização do Tratado de Proibição Completa dos Ensaios Nucleares (CTBTO), na Áustria.
O submarino estava no caminho de volta de Ushuaia, no sul da Argentina, para a base naval de Mar del Plata, a 400 quilômetros de Buenos Aires. Antes de iniciar a viagem, a embarcação teria apresentando um problema de bateria - que teria sido corrigido ainda na véspera da partida.
A informação sobre a explosão causou comoção entre os familiares dos marinheiros, reunidos na base naval de Mar del Plata, onde esperavam informações . Alguns se ajoelharam aos prantos, outros deram socos nas paredes ou se abraçaram com outros familiares e marinheiros.
"Acabo de saber que sou viúva", disse Jessica Gopar, mulher do cabo Fernando Santilli. "Vim pendurar um cartaz que dizia que estamos esperando por ele, quando alguém saiu da base e fez um gesto negativo com o rosto. Entendi logo que tudo tinha acabado", disse chorando.

Nesta sexta-feira, Luis Tagliapietra, pai do marinheiro Alejandro Tagliapietra, de 27 anos, era um dos poucos que ainda permaneciam na base de Mar del Plata. "Durante todos estes dias falei com o chefe do meu filho, que amavelmente me atendia em seu celular pessoal e me falava da situação. Ontem (quinta-feira), ele me ligou para falar da explosão. Perguntei se estavam todos mortos, e ele disse que sim", afirmou nesta sexta-feira às TVs locais, com voz embargada.
Na entrevista coletiva desta sexta-feira, o porta-voz da Marinha foi mais de uma vez perguntado se os tripulantes ainda poderiam ser encontrados vivos. Ele preferiu ter cautela na resposta e disse que a busca do submarino e a apoio aos familiares dos marinheiros são prioridade neste momento.

Projetados para desaparecer no mar

A operação resgate do submarino ARA San Juan já envolve treze países e equipes do Canadá e da Rússia também devem chegar nas próximas horas ao país. Nos últimos dias, aviões, barcos e robôs fazem parte das buscas do submarino que foi fabricado na Alemanha. "A maior tecnologia naval do mundo está reunida nesta operação de busca", disse o coronel argentino da reserva Rubén Palomeque, da coordenação de resgate do ARA San Juan.
No entanto, até a tarde desta sexta-feira, apesar da modernidade dos equipamentos, não havia notícia do paradeiro da embarcação dos anos 1980. O ARA San Juan, segundo a Marinha argentina, realizava uma patrulha de rotina nos mares do país contra barcos ilegais. O engenheiro Martin D'Elia disse que submarinos são "uma arma de guerra" e "construídos para não serem encontrados". A profundidade do local onde poderia estar a embarcação também pode complicar o resgate, segundo ele.
Quando perguntado por que tantos países, com suas tecnologias de "última geração", não podiam encontrar o submarino, ele respondeu: "Estamos vendo a magnitude do que é um submarino, ou seja de como é difícil encontrá-lo".
Martin D'Elia afirmou que, de acordo com a última comunicação, o submarino poderia estar na fronteira entre a plataforma marítima argentina, onde a profundidade seria em torno dos 200 metros, e as águas internacionais, cuja profundidade atinge 4 mil metros. Nesse caso, mesmo os mais modernos dispositivos de busca - os veículos submergíveis americanos a controle remoto - seriam de pouca utilidade, já que suportam descer a 1,5 mil metros da superfície.
"Os submarinos podem ser usado para colocar minas flutuantes ou para ataques marinhos. E são mesmo desenhados para não serem detectados", disse o engenheiro naval. Ex-tripulante do ARA San Juan, Horacio Tobías, disse, por sua vez, que "quando o submarino está submerso, está sozinho no mundo, ele e o oceano".

D'Elia explicou que radares, por exemplo, não podem detectá-lo porque o submarino "tem pouca emissão de calor".
O especialista acrescentou que o submarino irradia calor, ondas magnéticas e de som desenvolvidos "para ser o mais discreto possível". O ARA San Juan navega com motor elétrico e também a diesel - quando está submerso funciona com o elétrico, que "é muito silencioso", e, quando emerge da água, usa combustível fóssil.
"Sem radiação térmica e com o ínfimo barulho que produz, é muito difícil encontrá-lo. O sistema, o isolamento do som, o desenho do submarino, fazem com que a detecção magnética seja a menor possível. Outros barcos que usam sensores não o detectam e, quando o detectam, percebem-no quase como uma boia", afirmou.
Ele recordou que, no fim dos anos 1960, no período da guerra fria, um submarino russo (submarino K129) afundou a mais de 4 mil metros de profundidade e, tempos depois, os americanos o encontraram. A embarcação foi localizada graças ao mesmo sistema de "hidrófonos" - que identificou a explosão - espalhados pelo oceano, que foram criados por prevenção bélica e registram permanentemente os ruídos no fundo do mar.

Sem caixa preta

O caso do submarino desaparecido gerou uma série de questionamentos entre os familiares dos marinheiros e em setores políticos do país sobre se algum dia se saberá exatamente o que aconteceu com a embarcação.
O perito naval e vice-presidente da Liga Naval Argentina, Fernando Morales, disse que um submarino militar não é como os aviões e não leva caixa preta, por questões de segurança. "Seria um perigo, caso ele caísse em mãos inimigas", afirmou.
O desaparecimento do ARA San Juan provocou ainda dúvidas sobre o procedimento da Marinha argentina. O porta-voz Balbi disse que foram respeitados protocolos internacionais, esperadas as 36 horas determinadas para o início das buscas e o pedido de ajuda internacional. Segundo ele, não é esperado que um submarino se comunique constantemente com a base porque ele é feito para ter "independência" na navegação.
Surgiram ainda questionamentos sobre as condições do submarino, que tinha passado por revisão quatro anos atrás, segundo informação oficial. E sobre os recursos destinados às Forças Armadas na Argentina.

"As Forças Armadas vivem com falta de investimentos desde o início dos anos 1990. E hoje deveríamos nos perguntar como um caso como este (do submarino) não ocorreu antes", disse o professor de defesa e de segurança internacional da Universidade de Buenos Aires (UBA), Sergio Eissa.
Segundo ele, no início da década de 1990, as Forças Armadas contavam com um orçamento de 2,4% do Produto Interno Bruto (PIB) e no fim daqueles anos somente com 0,9% do PIB - o que foi mantido até 2013, quando houve um "aumento irrisório".
Sergio Eissa disse o problema supera a restrição orçamentária: a Argentina possui frota marítima dos anos 1970 e 1980, defasada em relação à tecnologia atual.
Nesta sexta-feira, o presidente argentino Mauricio Macri falou à nação, no prédio das Forças Armadas, em Buenos Aires, dizendo que o caso do submarino deve ser investigado e lamentou a "dor dos familiares" dos tripulantes do ARA San Juan. Ele afirmou ainda que não é hora de "se aventurar em buscar culpados até que exista informação completa sobre o que aconteceu".
Na TV, na véspera, a mulher de um dos marinheiros, a advogada Itatí Leguizamón, disse: "o culpado são os anos de abandono da Marinha"
http://www.bbc.com/portuguese/internacional-42118593

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Malvinas militarizada deve preocupar Brasil, diz chanceler argentino

 
Londres - A julgar pela forte presença de câmeras de televisão e meios impressos britânicos e internacionais na coletiva de imprensa que Héctor Timerman concedeu na embaixada argentina em Londres, o tema Malvinas está outra vez no centro da atenção pública.

A “reunião que não aconteceu” entre Timerman e seu colega britânico William Hague parece ter produzido mais repercussão do que todas as reuniões que ocorrerem nos anos 90 entre o então chanceler Guido Di Tella e os sucessivos ministros do Reino Unido no marco da política de aproximação e sedução do governo de Carlos Menem.

A exigência de Hague de que todos os moradores das ilhas participassem da reunião terminou com toda possibilidade de encontro e gerou uma forte polêmica na imprensa britânica que, aliada a setores da imprensa argentina que fazem oposição ao governo de Cristina Fernández de Kirchner, publicaram que o chanceler Timerman havia se recusado a dialogar com o Reino Unido.

Em entrevista à Carta Maior, Timerman agradeceu a firme postura do chanceler brasileiro Antonio Patriota, que, em sua coletiva de imprensa com William Hague na segunda-feira (4), deixou claro seu apoio à posição argentina e se referiu à crescente colaboração brasileiro-argentina frente à crise econômica mundial e à importância de contar com a presença da Venezuela no Mercosul.

Carta Maior - É um paradoxo que sua “não reunião” com William Hague tenha causado muito mais interesse do que muitos encontros que ocorreram entre chanceleres em outras épocas. Vale mais a pena então esticar a corda?Héctor Timerman - Nós queríamos deixar claro ao povo britânico que a Argentina está interessada em dialogar. Há um conceito errôneo que estão mostrando na Inglaterra de que o povo argentino não quer negociar, que é intransigente. O povo argentino é intransigente em suas convicções, mas não em sua forma de agir. Nós estamos de acordo com o diálogo. A presidenta Cristina Fernández de Kirchner disse nas Nações Unidas que não queremos que nos deem razão, queremos nos sentar, dialogar a resolver o conflito de forma pacífica. E creio que conseguimos transmitir essa mensagem.

CM - Uma frase que ganhou muito destaque no Reino Unido foi quando você disse em entrevistas ao The Guardian e ao The Independent que em menos de 20 anos a Argentina poderia recuperar a soberania sobre as ilhas. Pensando que um conflito mais ou menos similar, que é o que o Reino Unido tem com a Espanha pelo Estreito de Gibraltar, não foi resolvido em mais de 300 anos, não é um pouco otimista demais pensar em 20 anos?
HT - Se a Grã Bretanha se sentar para negociar conosco não vai demorar 20 anos para um acordo: ele sairá muito antes. O tema é se a Grão Bretanha reconhece ou não as resoluções da ONU e o direito internacional. Se não reconhece vai demorar mais de 20 anos. Como não há nenhuma hipótese de conflito bélico pode passar mais tempo. Você mencionou Gibraltar. Há mais conflitos armados entre o Reino Unido e a Espanha por Gibraltar do que houve nas Malvinas. Frequentemente há barcos da prefeitura espanhola que prendem barcos pesqueiros ou protegem seus próprios pesqueiros. Nada disso ocorre nas Malvinas que é o único enclave colonial que ainda existe na América do Sul. Eu parto da base de que algum dia a Grã Bretanha vai reconhecer as Nações Unidas como um órgão cujas resoluções devem ser respeitadas. Um dia vão incorporar plenamente as Nações Unidas. Creio que a história joga a favor da Argentina.

CM - Na segunda-feira o chanceler brasileiro Antonio Patriota, em uma conferência de imprensa conjunta com William Hague, foi muito claro quanto à posição do Brasil e do resto do Mercosul, em apoio à soberania argentina e ao diálogo entre a Argentina e o Reino Unido. Isso é particularmente importante porque o Brasil é um país chave dentro dos objetivos do Reino Unido de conquistar mercados fora da União Europeia.
HT - Admiramos e agradecemos profundamente esta posição firme do Brasil. Estamos orgulhosos que os irmãos brasileiros nos deem este apoio contundente na hora de falar com o governo inglês ou nas cúpulas governamentais. Esta é a posição da América Latina em seu conjunto. De modo que a relação do Reino Unido e da Europa com a América Latina vai estar, em certa medida, sempre condicionada pelo tema das Malvinas. Trata-se de um tema regional que também é global. Temos visto isso em cada uma de minhas viagens. Estive no Azerbaijão e o presidente me comentou que estava olhando um programa de televisão que falava das Malvinas e que prestou especial atenção pensando no encontro que teria comigo.

CM - Quanto à militarização britânica, em que medida isso afeta a Argentina e o resto da América do Sul?
HT - A América do Sul é uma zona de paz. A única força extra-regional com uma presença militar importante é a da Grã Bretanha, que tem bases militares desde Ascensão, entre a África e a América do Sul, na altura do Brasil, até as Malvinas e a Antártica. A mais importante é a das Malvinas que tem um soldado para cada 2,5 civis. Eles têm as mesmas armas usadas no Afeganistão e no Iraque, negam-se a informar se os submarinos com capacidade para transportar armas nucleares levam ou não tais armas, fazem disparos de mísseis sem informar a Organização Marítima Internacional, como ocorreu em 2010. Na última reunião há duas semanas em Montevidéu entre países africanos e sulamericanos foi manifestado por escrito essa preocupação com o grau de militarização que não condiz com o fato de que há nenhuma hipótese de conflito.

CM - Entrando mais no terreno econômico e na crise mundial, o Brasil, a Argentina e o Mercosul em seu conjunto têm que adotar mais medidas para lidar com ela?
HT - Sabemos que precisamos aprofundar essas medidas e estamos trabalhando neste sentido. Houve uma cúpula em Brasília entre Cristina e Dilma e haverá outra em Calafate no dia 7 de março para seguirmos falando desses temas. Há turbulências da economia mundial que nos afetam e temos que trabalhar de maneira conjunta para proteger nossas indústrias, mercados, força de trabalho e exportações dos embates oriundos das crises econômicas da Europa e dos Estados Unidos. Há consciência do tema e uma coordenação muito boa.

CM - A presença da Venezuela ajuda neste sentido?
HT - Totalmente, porque dá estrategicamente um peso ao Mercosul ao agregar o fator energético. O Mercosul é alimentos, tecnologia, recursos naturais como água, uma série de temas em que já éramos muito fortes. Se agregamos o petróleo isso nos faz muito mais fortes na hora de negociar. Por isso havia muito interesse por parte de potências extra-regionais para evitar a incorporação da Venezuela. Com a Venezuela criamos uma unidade política e econômica que nos permite negociar com qualquer grupo de países no mundo.

Tradução: Marco Aurélio Weissheimer
http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=21586

domingo, 23 de setembro de 2012

Paraguai repensa integração regional após suspensão do Mercosul



Participação no bloco é demonizada por um inflamado discurso nacionalista, que resgata a Guerra do Paraguai (1864-1870)

A suspensão do Paraguai do Mercosul, anunciada no final de junho, trouxe à tona um discurso nacionalista, amparado em acusações de que a decisão -- tomada conjuntamente por Argentina, Uruguai e Brasil -- se assemelham à investida da Tríplice Aliança na Guerra do Paraguai, no século XIX. Com isso, o novo governo, empossado após um golpe de Estado, começa a investir em tratados de livre comércio, rejeitando os mecanismos de integração regional.

Wikicommons
"A Rendição de Uruguaiana" durante a Guerra da Tríplice Fronteira, retratada pelo artista brasileiro Ricardo Salles (1870)

Para Lucas Arce, pesquisador do Cadep (Centro de Análise e Difusão da Economia Paraguaia), não somente a suspensão do país, como também a adesão da Venezuela ao bloco sem a aprovação do poder legislativo paraguaio, agravaram uma visão negativa do Mercosul, alimentada há anos e derivada de expectativas frustradas sobre os benefícios que o bloco geraria para a industrialização do país.

Segundo ele, o momento de questionamento é propício para refletir sobre os objetivos da integração paraguaia ao continente. “O Paraguai sempre foi um país isolado. A abertura de canais diplomáticos, de aumento de intercâmbios, é muito recente. Na opinião pública de um país onde há reminiscências da Tríplice Aliança, aumenta ainda mais essa ideia nacionalista, fundada na história. A rejeição ao Mercosul aumentou por uma conjunção de erros e más interpretações tanto internas como externas”, afirmou.

Nesta conjuntura, explica Arce, as propostas de empresários e políticos para uma possível saída do Mercosul podem ser bem recebidas em nível interno, mas desconsideram os custos. “Em um país que por si já está convulsionado é muito mais fácil unir-se contra algo que está fora para lidar com o momento de crise interna”, disse.

De fato, após a suspensão do país, o governo paraguaio mostrou crescente interesse em integrar-se à Aliança do Pacífico, formada pelo México, pela Colômbia, pelo Peru e para o Chile, que se disseram de braços abertos.

“A entrada da Venezuela faz com que o desenvolvimento da política comercial comum do Mercosul retroceda, o que prejudica os países pequenos. Neste cenário, o que convém para um país pequeno como o Paraguai é dar um passo atrás e voltar à zona livre de comércio, onde cada um administra sua política comercial e todos somos uma zona livre de comércio”, defendeu Oscar Stark, diretor da Rediex (Rede de Investimentos e Exportações), dependente do Ministério de Indústria e Comércio do Paraguai.

Segundo Stark, a economia da Venezuela está muito distante da política comum do bloco, o que é “um sinal de que para o Mercosul, não interessa tanto o aspecto comercial, mas sim o político”. Para ele, a decisão tomada em Mendoza, em detrimento da adequação aduaneira, permite ao Paraguai exigir a permanência no bloco, mas com liberdade para negociar com terceiros. “Poderíamos, dentro do bloco, negociar com o Bloco do Pacífico, com a Coreia, com os EUA, México e outros países”, considerou.

O diretor da Rediex descarta, no entanto, abandonar definitivamente o bloco regional. “O melhor comercio paraguaio é com o Mercosul, com a exportação de produtos de maior valor agregado, como confecções têxteis, plásticos, colchões, que tem um componente importante de mão de obra. O Mercosul é importante para o Paraguai, apesar dos problemas enormes que temos sempre com as travas impostas pela Argentina e pelo Brasil."

Opinião negativa

No Paraguai, a expectativa inicial era a de que o ingresso ao bloco geraria um fluxo de capitais brasileiros e argentinos para desenvolver indústrias com potencial exportador. No momento da assinatura do Tratado de Assunção, em 1991, o cenário industrial era negro.

Luciana Taddeo/Opera Mundi
“Era um país isolado, sem infra-estrutura para mandar mercadorias ao exterior e sem produção nacional de manufaturados”, explicou Arce. “A resistência [ao Mercosul] se deve, em parte, por uma desilusão com um processo de desenvolvimento da economia, uma espécie de boom, como se pensava”.
[Arce: "rejeição ao Mercosul aumentou por uma conjunção de erros e más interpretações"]

O sistema produtivo local nem se comparava ao do Uruguai, no qual também há opiniões divergentes quanto aos benefícios da participação no bloco comercial. Enquanto o país platino já apresentava capacitação da mão de obra e contava com certa industrialização, o Paraguai tinha sua economia centrada nos commodities agrícolas e indústrias insipientes, nascidas nos anos 80 com, em um processo recente.

Segundo Arce, o Paraguai pecou com a falta de vantagens de investimento, ausência de aglomeração produtiva e de infra-estrutura e a baixa qualidade de educação no país. Apesar de esforços governamentais para aumentar o impacto do Mercosul, o país ainda é deficiente em aspectos como facilidade para investimentos, promoção dos produtos locais, criação de uma marca do país, solução para os altos custos de transporte de cargas e diplomacia ativa para resolver conflitos comerciais.

Por outro lado, afirma o pesquisador, meios de comunicação alimentam a negatividade. “Por trás destas ideias negativas, há certos grupos econômicos, que tentam exportar e que enfrentam travas reais. E os que não têm problemas, acabam não aparecendo nestes veículos”, exemplificou.

Na avaliação de Arce, os benefícios do Mercosul não são evidentes na realidade diária. “Estes processos se dão em um prazo muito longo. Houve crescimento de exportação de bens com valor agregado, com um processo de ampliação do mercado que gerou incentivos para certas indústrias que não tinham escala para exportar, serviu muito para desenvolver o país”, pontuou.

Os efeitos da ampliação da produção se refletiram também na expansão de mercados extra-zona para os produtos paraguaios. “Quando se analisa o tipo e a qualidade dos bens exportados ao Mercosul ampliado, o valor agregado é muito maior em comparação ao que existia anteriormente. Quando se olha os números de exportação prévios aos anos 90, quase todos os componentes exportados são da industria agroalimentar”.

Integração

Segundo Arce, em um cenário de saída definitiva do Paraguai do bloco, é preciso comparar custos e benefícios da decisão. Um dos cursos seria o fim dos acordos de livre trânsito de produtos destinados à importação, que teriam que chegar aos portos. “A partir disso, o Brasil e a Argentina teriam que estabelecer taxas, porque já não estaria mais sob o acordo do Mercosul”.

Outro é o poder de negociação de tratados com novos mercados. “Uma plataforma maior para negociar é uma das questões. Eu posso, com o Mercosul, negociar tratados de livre comércio com a União Europeia e ter mais força de negociação, porque estou com o Brasil e com a Argentina. Ou seja, não sou um mercado de 5 milhões de pessoas, mas sim 350 milhões, o que representa um PIB per capita muito mais alto”.

“É preciso questionar o porquê de estar integrado e o que se busca com isso. Se paga um custo por estar dentro do Mercosul, porque eu não sou livre para decidir com quem me integro, tenho necessariamente que negociar com os outros membros. O principal ponto é definir a estratégia de desenvolvimento do Paraguai para o futuro. Assim se podem considerar objetivos, se quero permanecer no Mercosul, instalar multinacionais no país. Mas se meu projeto de desenvolvimento econômico não está claro, não se pode tomar definições”, pondera.

Para Arce, os próximos meses devem expor, na sociedade civil, a necessidade de debater as opções de desenvolvimento do país. “A opinião pública é propensa a dizer que não ao Mercosul, porque por mais benefícios ou custos que este gere, porque os efeitos não se notam na realidade do dia a dia, e há poucos estudos sobre os impactos do bloco no país. Mas esta suspensão é bom exercício para repensar a integração em nível sul-americano, sobre como escolhemos nos integrar, nos desenvolver e nos inserir em plano mundial”.
http://operamundi.uol.com.br/conteudo/noticias/24413/paraguai+repensa+integracao+regional+apos+suspensao+do+mercosul.shtml

domingo, 9 de setembro de 2012

Integração sofre com brigas entre vizinhos na América do Sul


Lisandra Paraguassu, de Brasília
BRASÍLIA - Em maio, as relações diplomáticas entre Argentina e Uruguai entraram em crise novamente. A disputa, desta vez em razão da dragagem do Canal García Martín, no Rio da Prata, atingiu seu ápice há três semanas, quando o governo argentino, responsável pela obra, suspendeu definitivamente a licitação para escolha de uma nova empreiteira.
O problema azedou até mesmo o relacionamento entre a presidente argentina, Cristina Kirchner, e o uruguaio, José Mujica, tradicionalmente amistoso. O episódio é apenas mais um que mostra a complicada relação entre os "irmãos" sul-americanos - a qual o número cada vez maior de fóruns regionais, encontros presidenciais e fotos de mandatários sorridentes não consegue disfarçar.
Vizinhos e parceiros no Mercosul, Argentina e Uruguai vivem às turras. Se agora o problema é a dragagem do canal, durante quatro anos os dois países quase foram à agressão armada em razão da instalação de uma fábrica de celulose no Rio Uruguai. O governo argentino alegava que a fábrica poluiria o rio. O caso terminou na Corte de Haia, que deu razão aos uruguaios.
Essa semana, mais um problema: Mujica foi ao rádio em Montevidéu reclamar do imposto de 15% nas operações de cartão de crédito no exterior determinado por Cristina Kirchner - o Uruguai é destino de férias de boa parte dos argentinos e será diretamente prejudicado. Com um temperamento naturalmente "passional", segundo seus vizinhos, a Argentina está constantemente envolvida em rusgas regionais, especialmente na área econômica.
Durante a maior parte deste ano, decisões unilaterais de impor barreiras comerciais a produtos brasileiros levou os dois governos a "negociações" que quase desandavam em bate-bocas. Nesse momento apaziguadas, as crises econômicas são cíclicas, principalmente quando o déficit comercial está do lado argentino.
Apesar de mirar especialmente o Brasil com as tentativas de retaliação pela sua suspensão do Mercosul, o Paraguai foi atacado mais fortemente por Cristina Kirchner depois do impeachment do ex-presidente Fernando Lugo - que os vizinhos consideraram um golpe de Estado.
Mediação
A presidente argentina queria impor sanções econômicas ao país, além da suspensão política, mas foi contida pela presidente brasileira, Dilma Rousseff, e por José Mujica. O isolamento do Paraguai depois da saída de Lugo levou a mais uma rodada de pequenos conflitos, bate-bocas e ameaças na região, especialmente entre Paraguai e Venezuela, o mais novo membro do Mercosul.
Depois de acusar os venezuelanos de tentarem arregimentar os militares paraguaios para impedir a deposição, parlamentares do país ainda afirmaram terem recebido proposta de suborno para aprovarem a entrada da Venezuela no bloco.Já os venezuelanos garantem que foram os paraguaios que pediram dinheiro. Com a volta do Paraguai ao Mercosul, possivelmente em julho do ano que vem, novas crises devem vir por aí.
Algumas disputas sul-americanas são quase centenárias: Bolívia e Chile brigam desde 1904, quando os bolivianos perderam a Guerra do Pacífico e, com ela, sua saída para o mar. Os dois países não tem relações diplomáticas desde os anos 70, quando uma tentativa de acordo deu em nada. Este ano, mais uma vez, o presidente Evo Morales levou a reclamação à Organização dos Estados Americanos (OEA) e promete ir à Corte Internacional de Haia. O Chile se recusa até mesmo a debater o assunto. O país já enfrenta em Haia outra reclamação, do Peru, sobre os limites marítimos entre os dois países, que pode ser solucionada este ano.
Já a Venezuela descobriu, na década de 60, que o acordo de limites com o território da Guiana - então pertencente à Grã-Bretanha - feito em 1899 a tinha prejudicado. E quer a área de Essequibo de volta. O território, com diversos garimpos de ouro, representa praticamente metade da Guiana. Em mapas usados pelos militares venezuelanos a área já é do país, mas dificilmente essa disputa terá uma solução que agrade aos dois lados.
Apesar dos constantes conflitos, diplomatas sul-americanos lembram que a região não é das piores. Em um século, poucas disputas regionais acabaram descambando para a guerra aberta entre os países - algo comum em outros continentes. A dificuldade de relacionamento, no entanto, é típica de países que têm muita dificuldade com o conceito de integração e ainda pensam mais como unidade do que em grupo. O Mercosul, por exemplo, com seus 20 anos, ainda não conseguiu resolver nem mesmo as relações comerciais, seu foco principal.
Ainda assim, os fóruns regionais são considerados um bom caminho para tentar resolver as crises locais, mesmo que ainda em fase de testes. A intermediação da União das Nações Sul-Americanas (Unasul), em 2008, evitou o agravamento da crise entre Equador e Colômbia depois que o então presidente colombiano, Álvaro Uribe, ordenou que forças colombianas invadissem território equatoriano para bombardear o acampamento e matar o líder político da guerrilha Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), Raúl Reyes. Os dois países chegaram a romper relações diplomáticas, mas pelo menos não foram além nas ameaças de um conflito armado.

domingo, 2 de setembro de 2012

Economia da Colômbia passa a da Argentina e é a segunda maior da América do Sul

O ministro da Fazenda da Colômbia, Juan Carlos Echeverry, anunciou nesta sexta-feira (31/08) que o PIB (Produto Interno Bruto) de seu país superou o da Argentina e, assim, tornou-se o segundo maior da América do Sul. A declaração foi feita durante entrevista à emissora Caracol Radio.
“A Colômbia superou a Argentina no PIB. Somos a segunda economia da América do Sul, atrás apenas do Brasil. Isto era um sonho”, declarou.
Em outra entrevista, para o site do jornal El Tiempo, o economista afirmou que, de acordo com as taxas de câmbio da última quarta-feira (29/08), o PIB projetado pelo país para este ano é de 362 bilhões de dólares. O da Argentina, por sua vez, fica em 347 bilhões de dólares. Segundo dados da EIU (Economist Intelligence Unit), o PIB atual do Brasil é de 2,4 trilhões de dólares.
De acordo com Echeverry, desde que o presidente Juan Manuel Santos assumiu o poder, em agosto de 2010, a economia colombiana ultrapassou a venezuelana e, agora, a argentina. “A Colômbia segue com muito ímpeto, estamos fazendo as coisas bem feitas e avançando.”
Apesar do bom momento da economia colombiana, Echeverry deixará o cargo, que passará a ser ocupado pelo atual ministro de Minas e Energia, Mauricio Cárdenas.
A mudança será feita a pedido de Echeverry, que poderá ser candidato a ocupar “uma posição importante no Fundo Monetário Internacional”, segundo Santos.
(*) com agências internacionais
http://operamundi.uol.com.br/conteudo/noticias/24057/economia+da+colombia+passa+a+da+argentina+e+e+a+segunda+maior+da+america+do+sul.shtml

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

O Mercosul na sua segunda geração

     
     No último 13 de julho o Governo da Venezuela formalizou na Secretaria do Mercosul o Instrumento de Ratificação do Protocolo de Adesão da República Bolivariana da Venezuela ao Mercosul, assinado em 04 de julho de 2006. Dessa forma, o país cumpre as formalidades para seu ingresso pleno no bloco, passando da condição de Membro Associado à qualidade de Estado Parte. O ingresso da Venezuela foi aprovado pelas Presidentas Cristina Kirchner, da Argentina, Dilma Rousseff, do Brasil e pelo Presidente José Mujica, do Uruguai, na Cúpula Presidencial de 29 de junho de 2012, na cidade argentina de Mendoza.
      O Mercosul nasceu num contexto histórico e político muito diferente do atual. Menem governava a Argentina, Collor o Brasil, Andrés Rodriguez o Paraguai e Alberto Lacalle presidia o Uruguai. Era o auge da fanfarra neoliberal e das promessas da globalização financeira que supostamente levariam a humanidade a um nirvana que, na verdade, se converteu num tremendo pesadelo. Em 1991, a constituição do “Mercado Comum do Sul” visava coordenar políticas macroeconômicas e de liberalização comercial no marco de uma inserção desfavorável à globalização neoliberal.
      O epicentro daquele Mercosul idealizado em 1991 eram as relações comerciais e a coordenação dos interesses das mega-empresas transnacionais e dos monopólios econômicos na maximização dos lucros auferidos regionalmente para a transferência às suas matrizes, radicadas sobretudo na Europa e nos Estados Unidos.
      Em 2012 este projeto de integração completou 21 anos, marcado por limites e contradições; mas, também, exibindo avanços em diversos campos. Desde 2003, a partir da assunção de governos de esquerda e progressistas na região, notadamente sob a liderança inicial de Kirchner e Lula, a fisionomia do Mercosul vem sendo transformada.
      O comércio intra-bloco passou de 4,5 para 50 bilhões de dólares anuais; foi criado um Parlamento próprio; 100 milhões de dólares ao ano são aplicados pelo FOCEM [Fundo de Convergência Estrutural do Mercosul] a fundo perdido na execução de investimentos sociais e de infra-estrutura para diminuir as assimetrias e disparidades entre os países; está sendo implementado um Estatuto da Cidadania, e a “integração anti-Condor” converteu as políticas de direitos humanos adotadas no MERCOSUL em paradigma mundial.
      A entrada da Venezuela significa o aprofundamento desta transformação, e coloca o Mercosul em um novo estágio. O bloco fica ampliado nas dimensões econômicas, comerciais, culturais e demográficas. Territorialmente, incorpora mais de 900 mil quilômetros quadrados, que é praticamente as superfícies de França e Alemanha somadas. Consolida a jurisdição e o domínio sobre as maiores reservas energéticas, minerais, naturais e de recursos hídricos do planeta. Seguramente deverá ter maior protagonismo no jogo geopolítico internacional.
      A ampliação do Mercosul naturalmente será acompanhada de dificuldades, mas também de inúmeras conveniências. Contribui para maior coesão da região, para a estabilidade democrática, para a diminuição de conflitos e aumenta a segurança e a capacidade de defesa. A maior integração também conforma um ambiente comunitário mais favorável à adoção de estratégias comuns de desenvolvimento, aproveitando o mercado regional de massas incrementado em 29 milhões de pessoas e um comércio intraregional de produtos manufaturados com maior valor agregado. A partir de agora, o Mercosul passa a ser a região do globo com a maior reserva mundial de petróleo, adquirindo maior poder de influência na definição das políticas energéticas no mundo.
       Desde a assinatura do Tratado de Assunção em 1991, dois acontecimentos marcaram uma inflexão geopolítica e estratégica do Mercosul numa perspectiva pós-neoliberal. O primeiro deles foi o sepultamento, em 2005, da Área de Livre Comércio das Américas, a ALCA, que representava uma perigosa ameaça à soberania, ao desenvolvimento e à independência dos países do hemisfério. O segundo acontecimento marcante está se dando justo neste momento, com o ingresso pleno da Venezuela no Bloco, inaugurando o que se poderia considerar como a segunda geração do MERCOSUL e do processo de integração regional.
      A América do Sul foi historicamente prejudicada pelas grandes potências - especialmente pelos Estados Unidos - que preferem nosso rico e promissor continente dividido – ou desunido – a um continente integrado e capaz de construir soberanamente seu destino. Esta realidade faz compreender as razões do conservadorismo que combate - por vezes de forma irascível - o ingresso da Venezuela no Mercosul e o fortalecimento dos laços regionais de amizade, de harmonia e de integração.
       O crescimento do Mercosul poderá ser fator de estímulo para o ingresso de outros países nesta comunidade, que já examina com o Equador as condições para sua adesão. A unidade regional, que já é física devido à contiguidade territorial, poderá assumir características de uma integração mais avançada, abrangendo tanto aspectos comerciais e econômicos, como sociais, culturais e políticos.     Isto propiciará um melhor posicionamento estratégico e geopolítico da região no mundo, o que será benéfico para cada país individualmente e para o conjunto das nações no enfrentamento dos problemas e na defesa de interesses que são comuns a elas.
       O Mercosul altivo e motorizando o fortalecimento da América do Sul é a melhor contribuição que o continente pode dar à paz e à igualdade no mundo. Constitui uma resposta eficiente à prolongada crise do capitalismo mundial, protegendo as conquistas sociais e econômicas logradas na última década pelos atuais Governos da região dos avanços da sanha neoliberal que na Europa trata do desmonte do Estado de Bem-Estar social em nome da austeridade fiscal e da proteção dos interesses da especulação financeira.
(*) Diretor da Secretaria do MERCOSUL em Montevidéu

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Carta Maior - A Batalha de Argel na América do Sul


         


Os choques elétricos, os métodos de interrogatórios, os sequestros em plena noite, a tortura sistemática, a guerra psicológica, os desaparecimentos e os voos da morte são técnicas que foram transmitidas pelos oficiais franceses aos militares sul-americanos. O cérebro destas doutrinas foi o coronel Roger Trinquier (foto). Professor na Escola das Américas dos EUA, Trinquier é o maior ideólogo francês da guerra suja cujo lema principal, a partir dos anos 50, foi que “a tortura é um elemento importante na guerra moderna contrarrevolucionária”. O artigo é de Eduardo Febbro, direto de Paris.
     Paris - “Uma vez na habitação e com a ajuda dos oficiais, agarramos Bem M’Hidi e o penduramos de tal maneira que pudesse parecer um suicídio”. A prosa do veterano general Paul Aussaresses não brilha pela originalidade, mas sim por sua precisão quando descreve as múltiplas ações ilegais que ele e seus homens protagonizaram na Argélia. A cena exposta aqui detalha o assassinato de um dos responsáveis do FLN argelino e não é mais que uma gota d’água na extensa descrição dos assassinatos premeditados organizados por oficiais do exército francês: torturas, execuções sumárias, assassinatos disfarçados de suicídios, matança de civis e utilização de helicópteros para jugar pessoas detidas com vida na Baía de Argel são moeda corrente ao longo de seu livro “Serviços Especiais, Argélia 1955-1957”.
     O militar francês foi julgado por apologia da tortura. Sua história, sua passagem pelo Centro de Instrução de Guerra na Selva (CIGS) de Manaus como instrutor se nutrem de um passado, de duas guerras, Indochina e Argélia, e de quatro personagens centrais que, a partir de meados dos anos 50, alimentaram com suas teorias contrarrevolucionárias os militares da América do Sul. O “ensino” começou na Argentina a partir dos anos 50. O primeiro contato entre os exércitos da França e da Argentina ocorreu no ano seguinte à queda do general Perón, em 1957. O coronel argentino Carlos Rosas, recém-egresso da Escola de Guerra de Paris, posteriormente subdiretor da Escola de Guerra de Buenos Aires, criou um ciclo de estudos sobre “a guerra revolucionário comunista”. Foi neste marco que chegaram a Argentina os tenentes coronéis François-Patrice Badie e Patrice de Naurois.
     Uma nota do futuro chefe da Polícia Federal argentina sob a ditadura de Videla, o general Ramón Camps, ilustra a importância dos dois visitantes: “seus cursos – escreve Camps – estavam diretamente inspirados na experiência francesa na Indochina e aplicada neste momento na Argélia”.
     Em setembro de 1958, o ministro francês da Defesa, Pierre Guillaumat, autorizou que 60 soldados argentinos que haviam seguido esses cursos especiais fossem a Argélia, em plena guerra, em “viagem de estudos”. Outros 60 soldados viajaram no mesmo ano com destino a Paris e, em 1960, a cooperação entre exércitos deu lugar à criação de uma missão militar francesa permanente na Argentina. Composta por três oficiais superiores, sua missão consistia em “aumentar a eficácia técnica e a preparação do exército argentino”.
     Nesse mesmo ano, Pierre Messmer, ministro da Defesa, enviou a Buenos Aires o chefe do Estado Maior do Exército, general André Demetz, e o coronel Henri Grand d’Esson. D’Esson é um personagem chave: foi que ele que realizou na Escola de Guerra de Buenos Aires a célebre conferência na qual descreve cada um dos aspectos da guerra subversiva e, sobretudo, o papel central do exército no controle “social da população e na destruição das forças revolucionárias”. Esse texto de 22 páginas foi publicado sob o título “Guerra Subversiva” na Revista da Escola Superior de Guerra, nº 338, Julho-Setembro de 1960. Todas essas ideias, viagens e experiências trocadas desembocarão numa espécie de cooperação continental baseada na dupla experiência dos franceses e dos argentinos.
     Assim, em julho de 1961, o general Spirito, chefe do Estado Maior argentino, propôs a seus colegas da Conferência dos Exércitos da América a criação de um Curso Interamericano de luta antimarxista que seria ministrado por um ex-aluno argentino da Escola de Guerra de Paris, o coronel López Aufranc. Um total de 39 oficiais, representando 13 países, incluindo os EUA, assistiram a esses cursos. Em uma mensagem enviada à chancelaria francesa, o embaixador francês na Argentina explica: “cabe assinalar a presença de militares norte-americanos em um curso onde se deu um espaço importante ao estudo da luta antimarxista em um espírito e segundo os métodos baseados na experiência do exército francês”.
     Daí ao Plano Condor há uma rota sem obstáculos na qual se mesclam Videla, presente às aulas onde estavam os instrutores franceses, e o plano Conintes (Comoção interna do Estado). Entre 1963 e 1973 houve uma interrupção na colaboração francesa mas esta foi retomada a pedido dos argentinos.
     Nos anos 70 abre-se um novo capítulo. A França mandou a Buenos Aires o coronel Pierre Servant, ex-comandante da Indochina e da Argélia, especializado em “interrogatórios”. Em abril de 1974, Servant se encontrou em Buenos Aires com um dos atores do golpe de 76, o tenente coronel Reynaldo Bignone. Servant, que negou quase todos os fatos quando a justiça francesa o interrogou há alguns anos, trabalhou no Escritório nº 3, situado no 12º andar do quartel general do Exército argentino e deu cursos nessa sede e nas províncias. Sem ligações com a embaixada francesa, Servant estava vinculado ao Secretariado Nacional da Defesa Nacional (SGDN), organismo controlado então pelo novo primeiro ministro e ex-presidente francês Jacques Chirac.
     Bussi, Videla, Bignone, Vilas, Harguindeguy, todos estiveram em contato com Servant, beberam a cultura da tortura francesa e absorveram os livros teóricos de Trinquier como se fossem água benta. Servant deixou a Argentina em outubro de 1976, Aussaresses foi para o Brasil em pleno golpe de Estado.
     O Plano Condor já estava em marcha. Uma nota de Henry Kissinger (ex-secretário de Estado dos EUA) distribuída nas embaixadas norte-americanas da Europa adverte que o grupo “murder” (assim era denominado o Plano Condor) operaria na velho continente, especialmente em Paris. A sede argentina do dito plano, o Centro Piloto, estava localizada no nº 83, da Avenida Henry Martin.
      O cérebro destas doutrinas é o coronel Roger Trinquier. Professor emérito na Escola das Américas dos EUA, Trinquier é o maior ideólogo francês da guerra suja cujo sermão principal foi assegurar a partir dos anos 50 que “a tortura é um elemento importante na guerra moderna contra revolucionária”. A maior parte da estrutura “antirrevolucionária” foi elaborada por Trinquier. Os historiadores da Guerra da Argélia e da Indochina, que estabeleceram os nexos entre as práticas aplicadas durante esses conflitos e as que se viram depois na Argentina, Uruguai, Chile e Brasil tiram uma clara conclusão: o aperfeiçoamento do choque elétrico, a radiografia das agendas dos detidos, os sequestros em plena noite, a tortura sistemática, a guerra psicológica, os desaparecimentos, o uso de arquivos e os voos da morte são técnicas transmitidas pelos oficiais franceses.
      Em um artigo de 4 de janeiro de 1981, publicado pelo diário argentino La Prensa, o general Ramón Camps assegurou que essas missões e cursos começaram “sob a direção dos tenentes coronéis Patrice de Naurois e François-Pierre Badie”. Aquelas sessões serviram para transmitir as experiências dos oficiais franceses nas guerras da Indochina e da Argélia. Os documentos existentes provam que esses ensinamentos se baseavam essencialmente nos trabalhos escritos por outro militar francês que confessou a prática da tortura na Argélia, o general Massu. O essencial, porém, foi “ensinado” pelo general Salan e, sobretudo, pelo tenente coronel Roger Trinquier.
      Uma nota do general Massu, com data de 19 de março de 1957, argumenta em defesa de um dos princípios aplicados depois pelas ditaduras militares da América do Sul: “não se pode lutar contra a guerra revolucionária e subversiva protagonizada pelo comunismo internacional e seus intermediários com os procedimentos clássicos de combate. É preciso utilizar métodos e ações clandestinas e contrarrevolucionárias. É preciso que esses métodos sejam admitidos com a alma e nossas consciências como necessários e moralmente válidos”. Essa é a parte mais “filosófica” do “combate” contrarrevolucionário. A definição da ação prática corresponde a Trinquier, redator de números manuais militares difundidos na Argentina.
      O tenente coronel Trinquier é o “organizador do conceito de guerra moderna”. Essa guerra se articula em torno de três eixos: a clandestinidade, a pressão psicológica e a moralidade estrita. Se se observam os dispositivos técnicos aplicados na Argélia, em seguida pode-se “ler sua tradução” na Argentina, Chile, Uruguai, Paraguai e Brasil. Trinquier inventou um sistema de busca da informação conhecido na França como Destacamentos Operacionais de Proteção (DOP). Esse mesmo sistema foi adotado na Argentina mediante as forças tarefa. O leitor não pode senão assombrar-se com as semelhanças entre os DOP e as forças tarefa. Os DOP tinham a tarefa de interrogar os detidos argelinos e utilizavam a tortura. Eles arrancavam informação sobre a organização político-administrativa dos rebeldes e realizavam a prisão e a eliminação dos suspeitos em lugares ocultos. Essas mãos das sombras que foram as forças tarefa se inspiraram técnica e operacionalmente em todo o aparato repressivo dos DOP franceses.
     Na Argélia, Trinquier elaborou a “doutrina da clandestinidade” que mais tarde causaria estragos durante os golpes de Estado na América do Sul: repressão baseada no ocultamento dos centros de detenção, desaparecimento de pessoas e eliminação dos corpos. O recurso a pessoal militar trajado como civis em comandos que percorriam à noite os centros urbanos em busca de vítimas ou de suspeitos para torturar é uma técnica implementada em Argel pelo general Aussaresses e Massu que foi importada para a Argentina por meio das missões de Patrice de Naurois e François-Pierre Badie, Trinquier teorizou por escrito sobre as bases da guerra suja e seus “manuais” se tornaram palavra sagrada nas academias nacionais.
     O cronograma das missões francesas à Argentina permite situar com exatidão que foi a ditadura de Onganía a que começou a se alimentar com esses ensinamentos. Um testemunho direto do general Campos demonstra a “irmandade” técnica e moral que existia entre o corpo de oficiais argentinos e os “missionários” que vinham de Paris com a mala repleta de métodos para matar. No mesmo artigo citado anteriormente (4 de janeiro de 1981), Camps declarou, como uma forma de homenagem: “Na Argentina primeiro recebemos a influência francesa, depois a norte-americana. Aplicamos as duas respectivamente de maneira separada e depois conjunta tomando os conceitos de ambas até que a norte-americana predominou. Mas é preciso dizer que a concepção francesa era mais exata que a norte-americana. Esta última se limitava quase exclusivamente ao aspecto militar enquanto a francesa consistia em uma visão global”.
     As metodologias se alimentam umas das outras. O general francês Paul Aussaresses foi instrutor militar na base norte-americana de Fort Bragg, Carolina do Norte, a escola dos paraquedistas norte-americanos onde se treinavam as “forças especiais” antes de elas irem para o Vietnã. Um texto ilustrativo escrito pelo coronel francês Henri Grand D’Esnon e destinado exclusivamente às forças armadas argentinas permite compreender como se elaboraram as bases “práticas” para que os generais argentinos incluíssem na vida civil. Gran D’Eson afirma que “a destruição da organização político-administrativa revolucionária corresponde à polícia, mas o exército deve apoiar essa ação toda vez que os métodos da polícia resultarem insuficientes, situação que se produz frequentemente quando a subversão se generaliza” (trecho de “A Guerra Subversiva”, artigo publicado na Revista da Escola Superior de Guerra, nº 338, Julho-Setembro de 1960).
       O general Aussaresses reconheceu que ensinou “a tortura e as técnicas de interrogatório da Batalha de Argel” aos militares brasileiros e também norte-americanos. Isso ocorreu na época em que ele era professor em Fort Bragg. Nesse quartel geral dos Estados Unidos, Aussaresses conheceu o coronel Carl Bernard, a quem mostrou um rascunho do livro do coronel Trinquier, “A Guerra Moderna”. Bernard e Aussaresses resumiram o livro e o enviaram a Robert Komer, um agente da CIA que será nomeado conselheiro do presidente norte-americano Lyndon Johnson durante a Guerra do Vietnã. Segundo o coronel Bernard, Komer montou a operação Fênix a partir do resumo do Manuel de Trinquier. A Operação Fênix foi lançada no Vietnã no final dos anos 60: seus métodos são os mesmos que foram empregados depois na Argentina, Chile, Uruguai e Brasil.
 Tradução: Marco Aurélio Weissheimer